Em 1973, a situação política e estratégica do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde mudava profundamente. Uma série de vitórias na luta armada em 1972 aliavam-se à legimitidade que o partido vinha recebendo internacional, pelas Nações Unidas mas também por outros países africanos que entretanto conquistavam a sua independência.
O discurso aqui reproduzido é conhecido como o "último discurso de Amílcar Cabral". Foi proferido apenas dias antes do seu cobarde assassinato e transmitido pela Rádio Libertação. É mais uma prova da capacidade política e intelectual de Amílcar Cabral, que se debruça sobre a democracia dentro do partido, a situação concreta da luta contra o colonialismo português, os novos desafios que se impõem na luta de libertação e a situação internacional. É um discurso esperançoso, mas prático. Poético, mas exato. Inteligente e perspicaz. Em suma, aquilo a que nos habituou o seu autor.
Camaradas e compatriotas,
Neste momento, em que começamos um novo ano de vida e de luta, o nosso combate pela independência do nosso povo africano completa dez anos, devo lembrar a todos – militantes, combatentes, responsáveis dirigentes do nosso grande partido – que a hora é de ação, e não de palavras. Ação cada dia mais vigorosa e mais eficaz na Guiné para impingir maiores derrotas aos colonialistas portugueses e tirar-lhes todas as pretensões tão criminosas como vãs de reconquistar a nossa terra. Ação cada dia mais envolvida e organizada em Cabo Verde para passar a luta a uma fase nova, de acordo com as aspirações de nosso povo e os imperativos da libertação total da nossa pátria africana.
Devo, no entanto, respeitar a tradição para vos dirigir algumas palavras. Nesta hora em que todos os seres humanos são os que querem a paz, a liberdade e a felicidade para todos os homens, renovam as esperanças e a certeza de uma vida melhor para a humanidade, e na dignidade, na independência e no progresso verdadeiro de todos os povos. Como todos sabem, realizamos no ano findo as eleições gerais nas regiões libertadas, com voto universal e secreto, para a criação dos conselhos regionais e da primeira assembleia nacional da história do nosso povo. Em todos os setores de todas as regiões, as eleições decorreram num ambiente de grande entusiasmo por parte da população. Os eleitores votaram em massa pelas listas que haviam sido elaboradas, depois de oito meses de debates públicos e democráticos, em que foram selecionados os representantes de cada setor. Reunidos os conselhos regionais de eleitos, estes elegeram, por sua vez, entre os seus membros, os representantes da assembleia geral popular. Esta terá 120 membros, dos quais 80 foram eleitos entre as massas populares e 40 entre os quadros políticos, militares, técnicos, profissionais e outros do partido. Como sabem, os representantes dos setores ocupados temporariamente pelos colonialistas foram escolhidos a título provisório.
Hoje, o nosso povo africano da Guiné dispõe, pois, de mais um órgão de soberania, a assembleia nacional popular. Esta será, de acordo com a constituição que estamos a elaborar, o órgão supremo da soberania do nosso povo na Guiné. Amanhã, com o desenvolvimento certo de luta, criaremos também a primeira assembleia nacional popular em Cabo Verde. E a reunião conjunta dos membros desses dois órgãos formará a assembleia suprema do povo da Guiné e Cabo Verde. A criação da primeira assembleia nacional popular na Guiné é uma vitória transcendente de luta difícil, mas gloriosa, de nosso povo pela independência. Ela abre perspetivas novas para o avanço de nossa ação política e militar. É o resultado dos esforços e sacrifícios consentidos pelo nosso povo nesses dez anos de luta armada. É uma prova concreta de soberania de nosso povo e do seu elevado grau de consciência nacional e patriota.
Quero, pois, neste momento, endereçar as minhas felicitações calorosas ao nosso povo. A todos os eleitores e eleitoras, que, como mulheres e homens conscientes, souberam cumprir tão dignamente os seus deveres de cidadão livres da nossa nação africana. A todos os militantes, responsáveis dirigentes que nas comissões eleitorais, ou noutros setores de atividade, deram a sua melhor contribuição. Por ouvir-se dessa realização, ficará na história da nossa terra. Solicito com igual entusiasmo os valorosos combatentes de nossas forças armadas, que pela sua ação corajosa criaram em todos os setores a segurança necessária à realização das eleições, apesar de todas as tentativas criminosas do inimigo colonialista no sentido de evitar que elas se realizassem. Mas, uma assembleia nacional, como qualquer órgão de qualquer corpo vivo, deve poder funcionar para valer a sua existência. Temos, por isso, uma tarefa maior a cumprir no quadro da nossa luta nesse novo ano de 1973. Devemos fazer funcionar a nossa assembleia nacional popular, e vamos fazê-lo para realizar completamente as decisões tomadas pelo nosso grande partido na reunião do conselho superior de luta de agosto de 71, decisões que foram entusiasticamente apoiadas pelo povo.
Vamos, no decurso deste ano, e tão cedo quanto seja possível e conveniente, reunir a assembleia nacional popular na Guiné para que ela cumpra a primeira missão histórica a que lhe compete, a proclamação da existência do nosso Estado, a criação do executivo para esse Estado e a promulgação de uma lei fundamental, a da primeira constituição de nossa história, a qual será a base da existência ativa da nossa nação africana. Quer dizer, os representantes legítimos e primeiros que foram escolhidos pelas populações, eleitos livremente por cidadãos conscientes e patriotas da nossa terra, vão proceder ao ato mais importante da sua vida e da vida do nosso povo: o de afirmar perante o mundo que a nossa nação africana, forjada na luta, está irreversivelmente decidida a marchar para a independência, sem esperar pelo consentimento dos colonialistas portugueses. E que, a partir desse modo, o executivo do nosso Estado terá, sob a direção do nosso partido, o PAIGC, o único, verdadeiro e legítimo representante do nosso povo em todos os programas nacionais e internacionais que lhe dizem respeito.
A situação da colónia que dispõe de um movimento de libertação, e cujo povo já libertou em dez anos de luta armada a maior parte do seu território nacional, vamos passar à situação de um país que dispõe do seu Estado de que tem uma parte do seu território nacional ocupada por forças armadas estrangeiras. Esta mudança radical na situação da nossa terra corresponde à realidade concreta da vida de luta do nosso povo da Guiné, baseia-se nos resultados concretos da nossa luta e tem o firme apoio de todos os países e governos africanos e de todas as forças anticolonialistas e antirracistas do mundo. Ela corresponde também aos princípios da Carta das Nações Unidas e às resoluções adotadas por essa organização internacional, nomeadamente na sua vigésima sétima sessão. Nada, nenhuma ação criminosa ou manobra ilusionista dos colonialistas portugueses poderá evitar que o nosso povo africano, dono do seu próprio destino e consciente dos seus direitos e deveres, dê esse passo transcendente e decisivo para a realização do objetivo fundamental da nossa luta: a conquista da independência nacional e a construção, na paz e na dignidade reconquistadas, do seu progresso verdadeiro, sob a direção exclusiva dos seus próprios filhos e sob a bandeira gloriosa do nosso partido.
A importância transcendente da formação da assembleia nacional popular e da proclamação do Estado na Guiné e da criação dos órgãos executivos correspondentes, os quais não serão provisórios nem viverão no exílio, implica necessariamente muito maior responsabilidade para o nosso povo e, em particular, para os militantes, combatentes, responsáveis e dirigentes do nosso partido. A essas iniciativas históricas exigem de nós todos mais esforços e sacrifícios quotidianos, mais pensamento para agir melhor, mais atividade para melhor pensar. Pensar cada problema concreto que temos a resolver, de modo a encontrar para ele a solução mais conveniente nas condições específicas de nossa terra e da nossa luta. Elas exigem que intensifiquemos e desenvolvamos a nossa ação política e militar na Guiné, sem descuidar das importantes atividades que temos desenvolvido nos campos económico, social e cultural. Elas exigem que façamos com êxito os esforços necessários para o avanço da luta política em Cabo Verde, para que o nosso povo das ilhas passe o mais breve possível a uma ação direta sistemática contra os criminosos colonialistas portugueses.
A luta contra o colonialismo
Nessa perspetiva, não podemos esquecer nem um só momento que estamos em guerra e que o inimigo principal do nosso povo e da África, os colonialistas fascistas portugueses alimentam ainda com o sacrifício e a miséria do seu povo e por meio de manobras as mais pérfidas e de atos os mais bárbaros a criminosa intenção e a vã esperança de destruir o nosso partido, aniquilar a nossa luta e recolonizar o nosso povo. Por isso, a maior parte da nossa atenção e das nossas energias e dos nossos esforços deve ser dedicada à luta armada, à guerra, à ação completa das nossas forças armadas tanto nacionais como locais. Por isso, devemos no decurso de 1973, pôr todas as nossas capacidades e possibilidades humanas e materiais em ação para intensificar ainda mais a luta em todas as frentes para tirar o maior rendimento dos homens, das armas e da experiência de que dispomos para dar golpes mais duros ao inimigo colonialista, aniquilando o maior número das suas forças vivas. Porque a história das guerras coloniais e a nossa experiência de dez anos de luta nos ensinam que os agressores colonialistas e, muito particularmente, os repressores colonialistas portugueses só compreendem uma linguagem: a da força. Só medem uma realidade: o número de cadáveres. É verdade que, em 1972, impingimos grandes derrotadas e perdas muito importantes aos criminosos e agressores colonialistas portugueses. Dentro de alguns dias, os nossos serviços de informação tornarão público o balanço da nossa ação no ano findo, o qual será amplamente divulgado pela nossa emissora, Rádio Libertação, e por outros meios de informação.
Mas devemos reconhecer que o inimigo, dispondo de mais aviões e helicópteros, que lhes são fornecidos pelos seus aliados na NATO, aumentou significativamente o comportamento dos assaltos colonialistas contra nossas regiões libertadas, tentou e está tentando criar situações difíceis com os seus planos de reocupação de algumas localidades dentro dessas regiões. Mas devemos, sobretudo, reconhecer que, com os homens, as armas e a experiência de que dispomos, poderíamos e deveríamos ter feito mais e melhor. E isso é o que devemos fazer. Devemos fazer, com certeza, em 1973, tanto mais que vamos utilizar em todas as frentes armas e outros meios de guerra mais poderosos ainda. Com base em maior número de quadros e combatentes mais preparados e com maior experiência, vamos utilizar com maior eficácia todos os meios de que dispomos e de que vamos dispor para dar golpes decisivos e mortais aos criminosos agressores colonialistas portugueses.
Ao mesmo tempo em que intensificamos a ação armada em todas as frentes, devemos ser capazes de evolver a nossa ação a retaguarda do inimigo, no coração do inimigo, lá onde eles se sentem mais seguros. Solicito, aqui, dos corajosos militantes que, com a sua ação decidida, deram no ano findo alguns golpes importantes ao inimigo, particularmente em Bissau, Bafatá e Bula. Mas chamo a atenção de todos para a necessidade de desenvolver e intensificar esse tipo de ação. Chegou, na realidade, a hora de, com base numa organização clandestina, eficaz e sólida, destruir o maior número possível de meios humanos e materiais dos criminosos agressores colonialistas portugueses nos centros urbanos de nossa terra. Na realidade, nós enfrentamos um inimigo bárbaro, que não tem o menor escrúpulo nas suas ações criminosas, que usa todos os meios para tentar destruir-nos onde quer que nos encontrem. Por isso, em que lutamos em nossa terra pelos direitos sagrados de nosso povo a independência, a paz e o progresso verdadeiro, devemos nesse momento decisivo dar ao inimigo colonialista, racista, a ele, aos seus agentes e aos seus meios, golpes demolidores onde quer que se encontrem. A esta é uma tarefa urgente apesar de dedicar- se com maior atenção todos os responsáveis e militantes deste setor de luta e, muito especialmente, os camaradas que, com coragem e decisão, militam nos centros urbanos e em áreas ainda ocupadas pelos inimigos.
Quero me referir, aqui, a um problema importante da guerra colonial que enfrentamos: as grandes tentativas que o inimigo tem feito para ocupar ou voltar a ocupar alguns locais de nossas regiões libertadas. Lembro aos camaradas do partido e ao nosso povo que estas tentativas, tenham ou não êxito, são próprias das guerras coloniais e, como comportamentos, os assaltos terroristas fazem necessariamente parte da ação do agressor colonialista, sobretudo quando as formas patriotas libertaram já a maior parte do território nacional, como é o nosso caso. Deveríamos, pois, encarar esse problema com realismo e dar-lhe o justo valor que tem no quadro geral de nossa luta sem desdenhar nem diminuir a sua importância. Como sabem os camaradas e, sobretudo, os dirigentes responsáveis do partido, o agressor colonialista enfrenta no quadro da sua guerra colonial uma contradição principal, sem solução, na qual se debate durante toda a guerra. É a seguinte contradição: para ter a sensação de que domina o território, ele é obrigado a dispersar as suas tropas, levando-as a ocupar o maior número de localidades possível. Mas, dispersando as suas tropas, ele fica mais fraco. E, assim, as forças patrióticas, concentradas, podem dar os golpes mais duros e mortais. Então, ele é obrigado a retirar-se para concentrar as suas tropas, para tentar evitar grandes perdas em vidas humanas, para melhor resistir ao avanço das forças nacionalistas contra as quais pretende ganhar tempo. Mas, concentrando as suas tropas, deixa sem a sua presença militar e política vastas áreas do país que são organizadas e administradas pelas forças patrióticas.
Na fase atual da nossa luta e da guerra colonial portuguesa, o inimigo, cego pelo desespero e pelas derrotas que sofreu e sofre tanto na nossa terra como no plano internacional, está a tentar em vão, é certo, fazer o rio Corubal voltar ao Futa Djalon, em vez de correr para o Geba e para o mar. Essa tentativa, como na de enganar o nosso povo com a miragem do mar Guiné melhor à portuguesa, como é de fazer os africanos baterem as contas africanas, está condenada ao fracasso. Não poderá libertar-se da contradição principal da suja guerra colonial. Para nós, o que importa, com base no conhecimento da estratégia a que o inimigo é forçado pelas vias objetivas da guerra colonial, não é preocuparmos muito porque o inimigo quer instalar-se em Gampará, em Gabu-chan, em Cadique, ou outras localidades. O que importa é, por um lado, levarmos para frente os nossos próprios planos de luta e, por outro, fazermos tudo para liquidar o maior número possível de forças vivas do inimigo quando se instala ou se move para instalar em qualquer localidade de nossas regiões habitadas. O que importa é dar-lhes golpes duros, não deixá-los suicidar. Fazer do ponto ocupado um cemitério para as suas tropas até obrigá-lo a retirar-se, como fizemos em Balena, Gandembel e, mais recentemente, na Tabanca Nova-Guiné- Bissau. Isso devemos fazer, podemos fazer de certeza em qualquer parte de nossas regiões habitadas de que o inimigo ocupa. Isso temos também de fazer nos seus quartéis e campos fortificados ainda existentes no nosso país. Naturalmente, teremos que continuar, em 1973, a intensificar o trabalho político no seio das massas populares tanto nas regiões libertadas quanto nas regiões ocupadas de Guiné e Cabo Verde.
Sem diminuir em nada o valor do trabalho já realizado nesse domínio, que conduziu à falência de tão mentirosa quanto apregoada política de Guiné maior, devemos reconhecer que alguns setores, senão regiões, quando a ação política ainda é deficiente. Teremos no decurso deste ano de fazer todos os esforços necessários para melhorar a nossa ação neste setor, pois como saber seja qual for a importância de nossa ação armada, a nossa luta é fundamentalmente uma luta política que visa um objetivo político concreto: a independência e o progresso de nossa terra.
Felicitando os camaradas que, na Guiné e Cabo Verde, lideraram muito trabalho político no ano findo, encorajo todos a redobrar esforços para consolidar e desenvolver as conquistas políticas do partido e da luta para elevar, cada dia mais, a consciência política e o posto ativo da massa popular, dos militantes e dos combatentes. Para reforçar o olhar administrativo de nosso povo, base silenciar do sucesso de nossa luta. Para, no domínio da segurança e do controle, reforçarem a vigilância contra o inimigo e seus agentes, contra todos aqueles que, por oportunismo, ambição, fraquezas morais ao servilismo, na relação ao inimigo possam tentar destruir o nosso partido e, portanto, a luta justa do nosso povo pela independência.
Em Cabo Verde, os acontecimentos de setembro de 1972, que constituíram o primeiro choque entre as populações do arquipélago e as forças da repressão colonialista vieram dar mais uma prova do nível de tensão em que se encontra aí a situação política. Ao felicitar os patriotas da Praia de Santiago, que agiram com coragem e decisão perante a provocação dos colonialistas e dos seus agentes, encorajo-os a melhorar cada dia a organização clandestina, a agir com segurança e sempre manter o inimigo, liquidar os quadros nacionalistas e a preparem-se por todos os meios ao seu alcance para a fase nova da nossa luta no arquipélago que exigem a teimosia criminosa dos colonialistas portugueses. Reafirmo que a direção do partido está mais do que nunca a fazer tudo o que é possível para o avanço da luta em Cabo Verde. Tendo em conta os progressos já feitos nas ilhas e a complexidade dos problemas específicos a resolver, torna-se necessária e urgente, em meu entender, uma modificação realista na estrutura de organização do partido para dar a alguns camaradas a possibilidade de duplicarem toda a sua atenção ao desenvolvimento da luta em Cabo Verde. A modificação será proposta na próxima reunião da direção do partido.
Novos problemas
Ainda no plano político, chamo a atenção dos camaradas para a diversidade de problemas novos que temos de estudar e resolver de maneira adequada, os quais resultam das novas perspetivas de desenvolvimento da luta que serão abertas pela proclamação do Estado na Guiné. No interior, melhoria e desenvolvimento dos serviços administrativos, criação de organismos de controle das nossas atividades, novo recenseamento da população, identificação de todos os elementos que a formam, etc. E, no exterior, organização, controle e proteção dos cidadãos emigrados. Sua identificação com correspondente, distribuição de passaporte. Mobilização de jovens residentes no estrangeiro para a luta, etc. Sem falar dos tipos das relações a estabelecer no plano internacional. São, é certo, problemas novos, mas muito importantes, que devemos dar aprofundamento e resolver a tempo. As preocupações com a guerra e com o trabalho político não devem, no entanto, fazer-nos esquecer ou, ao menos, subestimar a importância das nossas atividades nos planos económico, social e cultural. Fundamento da vida nova, estamos a criar em nossas regiões libertadas. Devemos todos, mas principalmente os quadros especializados nesses assuntos, dar a melhor atenção aos problemas da economia, da saúde, da assistência social, da educação e da cultura para melhorar o nosso trabalho de maneira significativa e estarmos aptos a resolver os grandes problemas que teremos que enfrentar com a nova situação que a luta está a criar.
Nesta perspetiva, temos desde já de encarar com determinação e afinco os problemas maiores de melhoria do abastecimento e das condições de vida das nossas populações, dos impostos e da fiscalidade, da vida financeira nova que devemos estabelecer, da moeda que teremos de usar e etc., assim como do tipo de assistência social que desenvolveremos com base na experiência já vivida, da escolarização e da formação de mais quadros para reconstrução nacional e para construção do progresso do nosso povo. Tantos problemas novos, qual deles o mais complexo, mas também o mais exaltante, e que teremos que ser capazes de resolver, ao mesmo tempo em que intensificamos e melhoramos a nossa ação vigorosa no plano político- militar para expulsar as tropas colonialistas das posições que ainda ocupam nas nossas terras de Guiné e Cabo Verde.
Os quadros especializados do partido devem indicar 70 membros ao estudo e à solução desses problemas ao cumprir o seu dever para com o nosso povo. Em nome da direção do partido, felicito os nossos produtores agrícolas da Guiné pelas colheitas obtidas o ano passado, apesar da escassez de chuvas. Encorajo todos a fazer mais e melhor neste ano para garantir uma boa produção porque, como sabemos, essa é a base principal da nossa vida e da nossa luta, acuar os criminosos agressores colonialistas portugueses que tentam destruir por todas as formas, quando não podem roubar-nos os frutos do trabalho do nosso povo. Mas é com pesar que lembro aqui que neste momento ainda as populações de Cabo Verde são ameaçadas de fome. Isso por culpa dos colonialistas portugueses, que nunca souberam nem nunca quiseram criar no arquipélago o mínimo de condições económicas e sociais para garantir a subsistência e uma vida decente às populações nos anos de secas prolongadas.
Forçado pelo avanço impetuoso da luta e pela denúncia feita pelo nosso partido perante a opinião mundial, o governo colonial fascista de Portugal tem conseguido empréstimos e subsídios a Cabo Verde para – dizem os colonialistas – debelar a crise. Quer dizer, para evitar que muita gente morra de fome ao mesmo tempo, mas sem evitar que os mais débeis, sobretudo as crianças, morram lentamente de fome específica ou mesma total. Levanto mais uma vez a minha voz, em nome da direção do nosso partido, para protestar contra uma tal situação e para denunciar o crime que tem perpetrado o governo colonial fascista de Lisboa ao transferir para Portugal cerca de 15 a 20 mil jovens cabo-verdianos para o trabalho nas minas, para servirem de varredores nas cidades principais, para as funções de operários não qualificados, causando, assim, uma grande sangria nas forças vivas de Cabo Verde, no intuito de barrar caminho ao avanço de nossa luta libertadora. Apelo para os patriotas cabo-verdianos e guineenses residentes em Portugal a fim de que se unam cada dia mais e se organizem para, juntamente com todos os trabalhadores forçados e seus afins de Cabo Verde, desenvolver a sua ação patriótica ao serviço do partido, do nosso povo e da África. Para num momento oportuno darem os golpes devidos ao inimigo, fazendo, assim, voltar-se o feitiço contra o feiticeiro.
Chamo a atenção dos responsáveis pelo abastecimento das populações e, principalmente, os trabalhadores dos armazéns do povo, para o facto de que, neste ano, o partido disporá mais do que nunca de quantidades importantes de artigos de primeira necessidade, que devemos ser capazes de pôs à disposição das populações de todas as regiões libertadas, sejas quais forem as dificuldades que teremos de enfrentar. Na realidade, tanto dos países socialistas, nomeadamente da União Soviética, como da Suécia, Noruega e de outros países, ou de organizações humanitárias, recebemos uma ajuda que nos prometerá melhorar grandemente a ação dos armazéns do povo, assim como das instituições sanitárias e da educação. Espero que todos farão os esforços necessários para fazer de 1973 um ano de maior eficácia ainda ao abastecimento das nossas populações em artigos de primeira necessidade.
A situação internacional
Como todos sabem, 1972 foi um ano de grandes e decisivas vitórias de nosso grande partido, de nosso povo, no plano internacional. Entre os principais êxitos alcançados, quero aqui lembrar apenas o seguinte: a visita, doravante histórica, da missão especial das Nações Unidas às regiões libertadas da nossa terra, a qual trouxe consequências importantes para o prestígio não só do nosso partido e da nossa luta, mas para todos os movimentos de libertação em África. Ao lembrar esse acontecimento, é que opressões colonialistas portugueses quiseram opor-se com seus crimes mais bárbaros, saúdo nesse começo de novo ano, os povos do Equador, da Suécia, da Tunísia, do Senegal e do Japão, cujos filhos corajosos visitaram nossa terra, integrados na missão especial. Agradeço os governos respetivos por terem consentido que os seus representantes fizessem tal visita e o secretário geral das Nações Unidas pela maneira decidida como pôs em prática uma resolução histórica e transcendente da organização geral internacional.
A resolução do Comité de Descolonização da ONU, na sua sessão 2.072, pela qual o nosso partido foi reconhecido por aclamação como único, verdadeiro e legítimo representante do povo da Guiné e Cabo Verde. As resoluções das assembleias gerais das Nações Unidas que, entre outras decisões importantes, confirma o reconhecimento do nosso partido como único e legítimo representante do nosso povo africano e pedem todos os Estados, governos, organizações nacionais e internacionais e os órgãos especiais da ONU para reforçarem a sua ajuda ao nosso partido e para tratarem sempre com ele – só com ele – todos os problemas relativos ao povo da Guiné e Cabo Verde. A resolução histórica do Conselho de Segurança, pela primeira vez sob a presidência de uma mulher, a nossa irmã e camarada guineense, Jeanne-Martin Ceci, adotou por unanimidade uma resolução que condena o colonialismo português e exige do governo de Portugal que cesse a guerra colonial em África e retire as suas tropas de ocupação e entre em negociações com as forças patrióticas respetivas sem tardar, forças essas que na nossa terra são representadas pelo nosso partido.
Pela primeira vez, a luta política e diplomática contra o colonialismo português, o nosso partido falou na ONU, com o estatuto de observador e os próprios aliados do governo colonial fascista de Portugal votaram em bloco contra ele. No seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, esta resolução tem e terá, pois, um caráter de primeira importância no desenvolvimento ulterior de nossa ação política e militar para expulsar da nossa terra os criminosos agressores colonialistas portugueses.
Por último, mas não menos importante, lembro-vos noções de solidariedade e de apoio incondicional e total adotadas pela Conferência dos Chefes de Estados dos Governos Africanos, em Rabat, na qual o nosso partido foi, mais uma vez, escolhido como porta-voz de todos os movimentos de libertação em África. O ano findo foi, de facto, um ano de grandes vitórias no plano internacional, tanto mais quanto é certo que temos hoje a certeza do apoio moral, político e, em alguns casos, material dos Estados africanos independentes, em primeiro lugar, dos países vizinhos e irmãos – as Repúblicas da Guiné e de Senegal –, assim como de todos os países e forças verdadeiramente anticolonialistas e antirracistas. Recebemos e vamos receber, neste ano, mais ajuda material da União Soviética e de todos os outros países socialistas, assim como da Suécia, da Noruega, da Dinamarca, da Finlândia, de diversos partidos e organismos políticos da Europa e de instituições humanitárias, como o Conselho Mundial das Igrejas, a Rounded na Inglaterra, o Outlet Service, o Secours populaire français da França, a Cruz Vermelha internacional e de vários comitês de apoio criados no mundo. Organismos subsidiados ou autónomos, como as Nações Unidas, como a Comissão Económica para a África, a UNESCO, a UNICEF, a Organização Mundial da Saúde, o Alto Comissariado para Refugiados e a Organização Social do Trabalho desenvolvem e vão desenvolver, cada dia mais, a cooperação com o nosso partido e, amanhã, seguramente, com o nosso Estado.
Camaradas e compatriotas, compreendem todos, assim, porque é que o governo colonial fascista de Marcelo Caetano e o seu representante na nossa terra tenham razões bastantes para estarem desesperados e para, como gente sem escrúpulos que são, gente que despreza os direitos e interesses dos povos, inclusive a de seu próprio povo, lançarem mão de todos os meios, de todos os crimes para tentarem parar a nossa luta. E compreendem, assim, porque que os criminosos colonialistas portugueses que o seu chefe na nossa terra estão assanhados mais do que nunca. Intensificam as abordagens e multiplicam os assaltos contra as nossas regiões libertadas. Fazem tudo para tentar reocupar algumas localidades nessas regiões a fim de se consolarem das derrotas militares, políticas e diplomáticas que lhes impingimos. A fim de verem se conseguem, com os novos crimes que estão a conter, desmoralizar as nossas forças e desmobilizar as nossas populações. São as derrotas que sofreram em 72, tanto na nossa terra como no plano africano internacional que explicam a agressão intensificada contra as nossas regiões libertadas, em particular contra a região de Conbucaré, que foi visitada em abril pela missão especial das Nações Unidas. O desespero do governo colonial fascista de Portugal é tanto mais compreensível quanto é certo que faliu completamente a chamada política de “Guiné-Melhor”, e sinto que também vai falir a mentira da política de um “Cabo Verde Melhor”. Em relação à Guiné, é o próprio governo colonial fascista de Lisboa que, pela voz do chefe dos criminosos agressores colonialistas, confessa essa falência, quando afirma que o que quer o homem africano é ter, e nós citamos, “a sua própria expressão política e social”. É isso, exatamente, o que quer o homem africano de Guiné-Bissau e Cabo Verde, mas nós chamamos a isso independência, quer dizer, a soberania total do nosso povo, no plano nacional e internacional, para construir ele mesmo, na paz e na dignidade, a custa dos seus próprios esforços e sacrifícios, marchando com os seus próprios pés e guiado pela sua própria cabeça, o progresso que tem direito, como todos os povos do mundo. E isso é em cooperação com outros povos, incluindo o povo de Portugal, o qual, em três guerras de libertação contra Castela ou Espanha lutou para conquistar a sua própria expressão política e social, a sua independência, e venceu. Nós, como outros povos que lutaram e venceram, continuaremos em luta sob todas as formas, o tempo que seja necessário, porque estamos na nossa terra e porque temos a certeza de vencer.
Acontece, ainda, como vocês sabem, que enquanto as populações dos centros urbanos ocupados por colonialistas se interessam, cada dia mais, pelo partido e pela luta, como prova o grande número de jovens que tem abandonado Bissau e outras praças para se juntarem às frentes de combate, a situação em Portugal se degrada aceleradamente. E o povo português afirma, cada vez com maior vigor, a sua oposição à criminosa guerra colonial. Por isso, o governo colonial fascista de Lisboa e os seus agentes na nossa terra estão apressados em ver se conseguem mudar a situação, antes que fiquem completamente perdidos na sua própria terra também. Mas perdem o seu tempo e fazem perder em vão e sem glória as vidas dos jovens portugueses que mandam para a guerra, como terão ainda mais crimes contra a nossa população. Foram, ainda, muitas tentativas de manobra para tentar destruir o nosso partido e a luta. Farão certamente, ainda, vários atos de agressão desavergonhada contra os países vizinhos, mas tudo em vão, porque nenhum crime, nenhuma força, nenhuma manobra, demagogia dos criminosos agressores colonialistas portugueses será capaz de parar a marcha da História, a marcha irreversível do nosso povo africano de Guiné e Cabo Verde para a independência, a paz e o progresso verdadeiro a que tem direito.
Avante, camaradas e compatriotas na nossa luta heroica de libertação nacional! Saúde, longa vida e êxitos cada vez maiores ao nosso povo africano, aos nossos corajosos combatentes, a todos os militantes responsáveis e dirigentes do nosso grande partido! Vamos proclamar a existência do nosso Estado na Guiné e avançar com a luta gloriosa do nosso povo em Cabo Verde! Vamos expulsar os colonialistas tugas do Cobucaré, assim como de todas as regiões de nossa terra! Viva o PAIGC, força, luz e guia do nosso povo da Guiné e Cabo Verde! Morte aos criminosos agressores colonialistas portugueses!
Discurso retirado de marxists.org e adaptado ao dossier do Esquerda.