O empreendedorismo climático

Entre os gigantescos problemas que a eleição de alguém como Trump traz, está a sua promessa de rasgar o Acordo de Paris, não por ser insuficiente, mas por não acreditar nas alterações climáticas. Artigo de João Camargo, em Marraquexe.

22 de novembro 2016 - 17:39
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Com as negociações ainda na fase morna das discussões informais e das trocas de informação nos corredores e mesas de café, com a indústria petrolífera em modo de lobby total, a “Zona Verde” da COP-22 é um expositor do “empreendedorismo” climático. Apesar de estarmos plenamente dotados das ferramentas tecnológicas necessárias a uma transição energética planificada para economias com baixíssimas emissões de carbono (embora não possam ser descurados impactos secundários das próprias energias renováveis), a COP-22 continua a uma gigante vitrina para o greenwashing e para falsas soluções. Entre alguns projectos interessantes – dos quais destaco uma tela gigante montada nas montanhas de Agadir, que recolhe água do nevoeiro persistente numa região com particular escassez hídrica – abunda um sem-fim de banalidades e oportunidades de negócio que vão do carro de luxo eléctrico à semente transgénica resistente à seca, passando pela fantasista tecnologia da captura e sequestro de carbono, enquanto passamos centenas de stands sem quase encontrar referências ao abandono da exploração de combustíveis fósseis – raras excepções portuguesas e marroquina devidamente notadas – à necessidade da expansão dos transportes públicos, da redução da agro-pecuária intensiva, da aviação ou dos transportes marítimos.

A colocação do problema quase sempre ao nível individual, num limbo empreendedorista, contrasta fortemente com a outra parte da COP, mesmo ali ao lado, que procura aprofundar o Acordo de Paris, um acordo macro, mas que o mantém ainda assim abstracto: não vinculativo, ainda sem ferramentas de medição de emissões, ainda sem os pacotes financeiros de apoio aos países mais afectados e, o mais grave, ainda sem poder, mesmo que cumprido, manter a temperatura abaixo dos 2ºC até 2100 (o relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, saído no dia 3 de Novembro confirma que se se cumprirem as projecções das petrolíferas de manter a sua produção, em 2030 emitir-se-ão 12 a 14 gigatoneladas acima do que é necessário para limitar o aquecimento aos 2ºC preconizados em Paris, detonando o acordo). No mês passado, 170 países concordaram em finalmente banir os hidrofluorocarbonetos – gases com elevado efeito de estufa – num acordo vinculativo, que poderá reduzir o aumento do aquecimento do planeta, o que urge também passar-se com o dióxido de carbono e com o metano.

Em diversas conversas com pessoas de um pouco por todo o lado vai ficando evidente como o discurso do empreendedorismo ganha força na questão das alterações climáticas: governos anunciam mudanças, acordos internacionais dariam corpo, mas no mínimo dão narrativa para as mesmas, anunciam-se fundos públicos e privados para as medidas de mitigação e para a adaptação e alinham-se as ideias (têm de ser novas e frescas para atrair o investimento, nada de procurar as coisas óbvias como cortar emissões e racionalizar os sistemas de energia, de produção, de transportes ou de alimentação) para as novas áreas de negócio, que podem bem ter pouco ou nada que ver com a resolução do gigantesco problema em mãos. O WebSummit também ocorre em Marraquexe.

Num dos eventos laterais da cimeira, no Pavilhão de Marrocos o Presidente do Conselho Mundial da Água Loic Fauchon destacou a inclusão da água (pela primeira vez, incrivelmente) no topo da agenda de uma COP, o que revela também a importância da localização das cimeiras em diferentes partes do mundo. As secas que atravessaram Marrocos no ano passado, ameaçam este ano continuar.

Também hoje foi apresentado o relatório da Organização Meteorológica Mundial, que confirma o efeito directo das actividades humanas, principalmente as emissões de gases com efeito de estufa, nos fenómenos meteorológicos e climáticos extremos: 2016 será mesmo o ano mais quente desde que há registos e o quinquénio 2011-2015 foi o mais quente já registado no planeta: estas temperaturas elevadas fazem subir o nível médio do mar e derreter o gelo dos pólos, aumentam os eventos extremos como as secas, as precipitações concentradas e as cheias rápidas.

Entretanto, as eleições presidenciais no maior produtor mundial de combustíveis fósseis no fim deram a vitória a Donald Trump, o que torna toda a discussão actual muito mais pesada. A dificuldade de desvinculação dos Estados Unidos do Acordo de Paris que já ratificaram não significa que não possa haver um boicote americano. Entre os gigantescos problemas que a eleição de alguém como Trump traz, está a sua promessa de rasgar o Acordo de Paris, não por ser insuficiente, mas por não acreditar nas alterações climáticas. O “Drill, Baby, Drill” de Obama (foi na sua presidência Estados Unidos bateram todos os recordes de perfuração do subsolo com a explosão do fracking para obter gás e petróleo de xisto que, além de disparar as emissões pela combustão, fez aumentar incomensuravelmente as emissões de metano na prospecção, extracção e transporte de gás), tem hoje caminho aberto para continuar e Donald Trump estará seguramente nas mãos das grandes petrolíferas e da negação da realidade. O perigo está magnificado por 100 e espera-se que inicie um processo de ruptura internacional com a China.

Artigo de João Camargo em Marraquexe para esquerda.net

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