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Nem o Pai Natal salva os mercados financeiros, por Francisco Louçã

É muito raro, mas os principais comentadores dos mercados financeiros internacionais parecem estar de acordo quanto a um prognóstico para 2008: está a chegar uma recessão nos Estados Unidos. Pior ainda, esta recessão irá ter como efeito a conjugação de recessões simultâneas nos Estados Unidos como na Europa, como no Japão e nos mercados asiáticos.

Artigo de Francisco Louçã

Não é um risco, é uma certeza, dizem as principais instituições de analistas, a Morgan Stanley e a Merril Lynch, mas também o ex-governador da Reserva Federal, Alan Greenspan, o presidente do National Bureau of Economic Research, Marty Feldstein, ou ainda o ex-conselheiro presidencial Larry Summers. Todos de acordo: está a chegar a recessão.

Os motivos são muito fortes. Nunca na história do capitalismo se conheceu uma tal recessão no sector imobiliário. O petróleo ultrapassa os 90 dólares, atingindo um record que alguns anunciaram perante a incredulidade geral há um ano atrás (a revista Economist), e vai continuar assim. E há, finalmente, uma crise generalizada do crédito, que é o factor que arrasta os bancos para o abismo: as suas contas estão sobrevalorizadas, e foi por isso que o principal banco suíço teve que pedir a financiadores árabes e asiáticos uma injecção de capital, para se salvar.

Outros bancos estão a esconder os seus balanços, ou a ocultar os seus créditos malparados, dando por certo que vão cobrar dívidas que não têm suporte. Os efeitos da crise do crédito são um dominó que afecta tudo e todos e, na verdade, criam uma crise de solvência, como alertam alguns reputados economistas como Paul Krugman e Martin Wolf.

Por isso, as medidas natalícias dos Bancos centrais são irrelevantes. O Banco Central Europeu anunciou que, durante duas semanas, financiaria ilimitadamente os bancos comerciais à taxa de 4,21%, e nessa voragem pagou 348 mil milhões de euros (mais de duas vezes o total do produto interno português). Os outros bancos centrais anunciaram também medidas deste tipo, prometendo "dinheiro fácil". Mas o BCE não altera a taxa de referência, devido à sua doutrina contra a inflação, e assim mantém um duplo critério que cria mais instabilidade.

Acontece que as instituições financeiras mais afectadas não são sequer os bancos comerciais. A crise financeira afecta instituições como as que actuam no mercado hipotecário, ou mesmo fundos de risco, ou até de governos estaduais dos EUA, e é neste arquipélago de centros financeiros que se afunda a crise. A titularização das dívidas aos bancos, nomeadamente pelos empréstimos hipotecários, foi estimulada pelo boom do imobiliário mas criou agora este monstro de especulação: a falência de um fundo arrasta os outros, a dispersão do risco cria agora uma espiral recessiva que espalha o risco e a crise por toda a economia. Ora, os bancos centrais nunca financiaram, e é duvidoso que se atrevam a fazê-lo pela primeira vez, as instituições financeiras que não são bancos comerciais. Mas são elas que dirigem os mercados financeiros.

A crise de 2008 será por isso a primeira grande crise financeira da desregulação ou da financiarização desregulada dos mercados mundiais.

Assim, este generoso Pai Natal que distribuiu dinheiro público aos bancos não consegue salvar a economia e caminhamos mesmo para uma recessão. O resultado será mais desemprego e destruição de capital e de trabalho - é sempre assim que a recessão reorganiza as economias. É assim que será em 2008.

Francisco Louçã

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
(...)

Neste dossier:

Temas 2007

Neste dossier, oito textos sobre temas importantes em 2007: crise financeira, administração Bush, governo Sócrates, precariedade, política de saúde, ensino superior, evolução social em Portugal e referendo à despenalização do aborto.

Mais Desemprego, Precariedade e Flexigurança marcam o ano de 2007

A palavra «flexigurança» entrou-nos pela casa adentro no ano de 2007. Mas a flexibilidade e a precariedade já são muito elevadas: a população com emprego ou trabalho precário e os desempregados já representam no 2.º trimestre, 41,8% da população empregada. Com contratos precários temos 1,76 milhões de trabalhadores. Neste ano, o desemprego aumentou e a protecção social na situação de desemprego diminuiu.

Sócrates e o Ensino Superior: história de uma cruzada, por Teresa Alpuim

No ano de 2007 o governo Sócrates continuou a sua cruzada para retirar aos Portugueses o direito de ter acesso a um Ensino Superior com qualidade, como tão escrupulosa e valentemente já o tinha feito em 2006 com a campanha de Bolonha e outras aventuras, como a conquista do MIT (Massachussets Institute of Technology), essa mais ao estilo da "conquista" de Alcácer-Quibir, sempre capitaneado pelo valoroso Mariano Gago.

"The final countdown", por José Manuel Pureza

Este foi o ano de um doloroso countdown na política norte-americana. Em perda crescente, o conservadorismo bushista exibe um estilo de fim-de-festa. A erosão política do grupo que rodeia George Bush foi de uma intensidade letal durante o ano que passou. O abandono do seu conselheiro político principal, Karl Rove, foi porventura o símbolo maior dessa desagregação do bushismo.

2007: agravaram-se a pobreza e as desigualdades sociais, por José Casimiro

Portugal é o país da União Europeia onde a desigualdade entre ricos e pobres é maior.
Em Portugal, a pobreza continua a aumentar. Mais de 2,2 milhões de pobres, o que equivale a dizer que um em cada cinco portugueses vive em situação de pobreza. Este valor é significativamente superior ao da média europeia, 16%.

“Política de saúde em 2007, uma política sem remédio”, por João Semedo

O ano acaba como começou: com mais encerramentos de serviços de saúde. Fechou mais uma maternidade, mais uma urgência hospitalar e uma série de SAPs.
Fechar, fechar, fechar: é esta a imagem de marca deste governo. Onde há um problema, uma dificuldade, fecha-se. Foi assim o ano de 2007. Mais um passo no desmantelamento do SNS.

“É a pobreza, pá!” por Luís Fazenda

2007 parecia entrar bem com a despenalização do aborto, símbolo humanista e de género, arrancado em referendo, apesar do governo ter periclitado e do recém-eleito Cavaco ter ficado do lado da reacção, aonde pois?
Logo veio o cortejo de medidas do executivo, "reformas" para a ideologia dominante, perda de direitos sociais para a maioria dos cidadãos.

A “geração 500 euros” ganha nome, por Jorge Costa

2008 começa com uma precariedade recorde, mas começa depois de valiosas experiências feitas pelo precariado em 2007. Elas constituem sinais exemplares, mesmo se embrionários, de um movimento necessário em Portugal.
A luta contra a precariedade será uma corrida de fundo. Além de persistência, precisa de imaginação para inventar o seu percurso.

Nem o Pai Natal salva os mercados financeiros, por Francisco Louçã

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Referendo e Feminismos, por Manuela Tavares

Virou-se uma página na História das mulheres com a vitória do SIM no último dia 11 de Fevereiro. Fortes abraços, porque as palavras não chegavam, as lágrimas no canto dos olhos, a alegria estampada nos rostos. As mensagens a chegarem a cada minuto. Foi assim por todo o lado onde se festejou este tão bem merecido resultado.