Música para cinema: “Alice”

“A meu ver, o som deste filme representa o silêncio interior de um pai vs. o som agressivo que o rodeia diariamente na cidade de Lisboa.”

27 de maio 2012 - 17:21
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Imagem de um concerto de 2007, no Maria Mattos, em Lisboa

 Compôs recentemente a banda sonora do filme Alice… Como foi? Imagino que tenha tomado contacto com o filme ou pelo menos com a história anteriormente... presumo que tenha procurado adequar a sua música ao filme. Foi fácil?

O trabalho com o realizador Marco Martins, nesta sua primeira longa-metragem, foi fascinante. Passámos longas horas a falar sobre o filme e debruçámo-nos muito sobre a psicologia das duas personagens principais. O que mais me interessa na música para cinema é exactamente a ideia de poder transmitir musicalmente tudo o que está por detrás das imagens, nomeadamente o interior das personagens. Este é um processo complicado e a sua gestão pode levar meses até conseguir alcançar resultados interessantes e que possam servir o filme. A representação musical dos vários estados de espírito de um ser humano, mais do que a música circunstancial, é o que mais me atrai neste meio de colaboração artística. Neste filme, comecei por dividir a música em três capítulos diferentes: o primeiro é a rotina do Mário à procura da filha desaparecida, a sua obsessão e as suas passagens pela cidade; o segundo é a esperança de encontrar Alice, as câmaras de filmar e os vídeos que visiona noite após noite; o terceiro e último capítulo representa o desespero, a solidão e a indiferença estampada no rosto de todos aqueles por quem Mário se cruza na rua. Em Alice todos os inputs musicais centram-se quase sempre no interior de um pai que nunca desiste, na reacção contrária da mãe e no vazio máximo causado pelo desaparecimento da sua filha. A composição da música, assim como a sua edição, devem muito à mestria no trabalho de som da Elsa Ferreira (edição) e do Branko Neskov (mistura). A meu ver, o som deste filme representa o silêncio interior de um pai vs. o som agressivo que o rodeia diariamente na cidade de Lisboa.

Em que filme sentiu que a relação entre os dois mundos estivesse melhor conseguida da sua parte?

Alice, como já se percebeu, é um filme muito especial para mim; também gosto muito do trabalho com Margarida Cardoso em A Costa dos Murmúrios, com Mário Barroso em O Milagre Segundo Salomé e, claro, com José Álvaro de Morais em Quaresma. São todos projectos muito diferentes.

Da entrevista a André Gomes

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