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Hamon e Mélenchon, a disputa programática

Em novembro de 2016, no comício de lançamento da sua candidatura para as presidenciais na place Stalingrad em Paris, Mélenchon definiu um objetivo: duplicar o eleitorado que alcançou em 2012; ou seja, oito milhões de votos. Para isso, agregou em seu torno cerca de 230 mil apoiantes dos diferentes grupos e partidos que compunham a Front de Gauche, numa candidatura com o nome de La France Insoumise.
O programa, estruturado pelo economista Jacques Généreux e a jurista Charlotte Girard, ganhou o nome de L’Avenir en Commun.
Resultou de um longo processo participativo mas vai buscar algumas das ideias centrais de Mélenchon desde 2008. Desde logo a proposta de uma nova constituição que “rompa com o sistema político da monarquia presidencial” e integre novos direitos e princípios constituintes, como o direito à habitação ou o direito ao trabalho “corretamente remunerado”.
Pretende também introduzir o “imperativo climático” como desígnio nacional, e garantir as liberdades biopolíticas como a interrupção voluntária da gravidez e a eutanásia, a procriação medicamente assistida mas, curiosamente, recusando a gestação de substituição.
Aborda também o ecossistema da comunicação social, criticando o “sistema mediático atualmente submisso à oligarquia financeira e concentrada nas mãos de alguns”, e propõe uma “lei anti-concentração e anti-financeirização dos média; a extinção do Conselho superior do audiovisual e substituição por um conselho cidadão do audiovisual; e um novo programa de reorganização dos programas de apoios públicos à imprensa.
No segundo capítulo de propostas, dedicada à “Partilha da riqueza”, Mélenchon propõe a redução da carga horária semanal de 35h para 30h; a alteração das relações de poder nas empresas; o aumento da progressividade dos impostos sobre rendimento e, a renacionalizarão da criação monetária.
Sobre o ambiente, a proposta forte incide sobre a alteração do paradigma energético para uma rede de produção 100% de renováveis, abolindo a energia nuclear.
Frexit e renegociação unilateral da dívida
A visão sobre a União Europeia é de crítica dura ao neoliberalismo, identificando como “inimigos” o “governo alemão e as políticas de austeridade”; o BCE; o “ordoliberalismo da Comissão Europeia”; e o “Tribunal de Justiça Europeu” que imprime através da jurisprudência um caminho de desregulação.
A resposta passa por dois planos, A e B, o primeiro tenta trabalhar positivamente com as entidades europeias, introduzindo medidas de democratização institucional e uma mudança política para programas europeus de pleno emprego, harmonização fiscal e salarial.
Propõe ainda algumas medidas unilaterais: a liquidação voluntária dos paraísos fiscais; o controlo de capitais; e uma política de opt-out na liberalização dos serviços públicos imposta pelas regras europeias.
Se este plano for recusado pelas entidades europeias, França deverá então optar por invocar o artigo 50 do Tratado da União Europeia de forma parcial, recuperando a soberania do direito nacional sobre o comunitário, e recuperando a soberania monetária, saindo por isso do Euro.
Neste plano B, a revisão estrutural da dívida pública torna-se obrigatório, propondo neste caso o modelo de identificação e anulação da dívida ilegítima.
Para fazer bater o coração da França
“Por um progresso social e ecológico”; “Por uma República solidária e humanista”; “Por uma França independente e protetora”, as três linhas programáticas que ressaltam da página online da candidatura de Benoit Hamon. Se estes títulos prenunciam algum conteúdo programático, o slogan de campanha é notoriamente vazio e apolítico - “Para fazer bater o coração da França”. O estilo parece roubado à campanha de Obama de 2008, estratégia montada por uma agência de marketing já utilizada pela campanha de Hollande em 2012.
As principais propostas concentram-se no trabalho e nas políticas sociais, colocando o trabalho independente ao mesmo nível de contribuições para a segurança social que um trabalhador por contra de outrem, e define um programa de ação contra a “uberização” da economia, definindo estas empresas como “esquemas de fugas aos impostos”. Pretende criar o direito de veto dos representantes dos trabalhadores nas empresas, e o reconhecimento do burnout como doença de saúde do trabalho.
Apresenta algumas novidades na fiscalidade, criando um imposto sobre os robots de forma a financiar a segurança social. No entanto, este imposto vem acompanhada de uma proposta mais problemática: a criação "Rendimento Universal de Existência”.
Esta proposta tem ganho popularidade em alguns países e, na Finlândia, que lançou o primeiro programa-piloto, está a ser aplicado pelos partidos de direita. O plano finlandês elimina todos os apoios sociais (só o subsídio de desemprego pode ir dos €1200 aos €3000) substituindo por um rendimento de €550.
Os detalhes do plano de Hamon são escassos mas, segundo a informação disponível, propõe numa primeira fase aumentar o RSA (Rendimento de solidariedade ativa, um apoio social atualmente disponível para quem não aufere qualquer rendimento) para os €600, expandindo o direito de acesso ao RSA a todos o jovens entre os 18 e os 25 anos, independentemente da sua condição de recursos. Depois, lançará uma “conferência cidadã” para definir o perímetro do rendimento universal e, sobretudo, definir a “articulação com outros apoios sociais", revelando a mesma tendência que o programa finlandês: uma oportunidade ímpar para cortar drasticamente nos programas socialmente redistributivos.
Na política europeia, propõe uma “conferência de países europeus" para anular a dívida excessiva contraída após a crise de 2008, em particular os países do Sul, bem como uma mutualização da dívida europeia e a revisão dos estatutos do BCE para “facilitar o financiamento direto da dívida dos estados-membros”. Sendo esta agenda mais próxima do Plano A de Jean-Luc Mélenchon, não prepara nem enfrenta a relação de forças dentro da UE, o mesmo erro político de François Hollande.
Propõe também uma "convergência social europeia”, com o objetivo de colocar o salário mínimo a pelo menos 60% da média europeia. Os detalhes desta proposta não são públicos, mas tomando à letra, e considerando que os salários médios têm uma variação drástica entre diferentes países - entre os €333 e os €3189 -, bem como que, no total agregado, o salário médio de toda a UE se situava nos €1508 mensais, isto permitiria congelar os salários mínimos de vários países.
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