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Macron, o blairista tardio

Emmanuel Macron diz-se de esquerda mas, também de direita. Resultado, radicalmente ao centro? Com o seu slogan En Marche! (Em Marcha! gratuitamente sugestivo da marselhesa na psique francesa), Macron dá a sensação de um vinil da terceira via blairista em suporte digital.
De 39 anos e ex-ministro da economia, Macron é um produto tanto da elite técnico-burocrática francesa proveniente de Sciences Po e da École Nationale d’Administration, como do mundo financeiro onde trabalhou como gestor de fundos de investimento na Rothschild, trabalho de onde salta para assessor de Hollande em 2012, então recém-eleito como nova esperança e futura desilusão do socialismo europeu, entre outras coisas precisamente por escolher Macron em 2014 para ministro da economia num alinhamento a favor da política de austeridade alemã.
Programaticamente é o protótipo neoliberal do consenso europeu: pró-“reformas”, a começar pela flexibilização do mercado laboral, avançou durante a sua passagem pelo governo com uma lei laboral de tal forma impopular no próprio Partido Socialista Francês que, para evitar uma derrota no parlamento, Emmanuel Valls, então primeiro-ministro, se viu obrigado a promulgar a lei por decreto, algo de inédito na democracia francesa.
Entre outras coisas, a lei Macron como ficou conhecida, propunha colocar França a crescer economicamente através da facilitação dos despedimentos coletivos, da reestruturação das empresas, da privatização dos aeroportos de Nice e de Lyon (este último foi para a Vinci, que também comprou os aeroportos de Portugal), da liberalização do trabalho ao domingo e à noite, o que motivou uma greve geral ainda em 2015.
O facto da sua passagem pela Rothschild lhe ter rendido cerca de €2 milhões ainda não tinha 30 anos não parece impedi-lo de se declarar um rebelde contra o “establishment político” e um sistema que “deixou de proteger aqueles que devia proteger”.
A mensagem parece estar a ressoar no eleitorado, com as mais recentes sondagens pós Penelopegate a entregar-lhe um primeiro lugar na primeira volta das presidenciais. Considerando que o candidato socialista, Benoit Hamon, recupera as intenções de voto do PSF na mesma sondagem, a mensagem de Macron parece ressoar sobretudo no eleitorado do Partido Republicano incapaz de suster a hemorragia de Fillon.
Mas de onde vêm os recursos e a organização que permite a Macron colocar-se à frente nas sondagens com um movimento que não fez sequer um ano?
O polvo de dinheiro que organiza o En Marche!
Lançado em Abril de 2016, o movimento que sustenta a candidatura de Macron não é propriamente inovador. Declara-se cidadão, independente, sem dogmas programáticos nem militantes no sentido clássico, bastando a inscrição no site e a assinatura de uma “carta de princípios” para fazer parte da organização.
Sem qualquer órgão eleito, o movimento não esconde o seu caráter absolutamente instrumental, organizando-se apenas em torno de Macron numa marcha unipessoal. Mas isso não chega para explicar os comícios de 12 mil pessoas que se viram esta semana em Paris.
Na verdade, o En Marche! começa a ser preparado desde 2015 por militantes do próprio PSF, alguns dos quais ex-deputados que fizeram parte da equipa de Macron no governo (como é o caso de Richard Ferrand). A estratégia deste grupo, dentro dos quais se contam vários ex-apoiantes de Strauss-Khan e Ségolène Royal, sustentava-se sobretudo na ideia de Hollande não concorrer e de Emmanuel Valls perder as primárias do PSF, deixando teoricamente o centro-esquerda liberto para outra candidatura, o que se verificou.
Macron também recebe apoios do Partido Republicano e do Modem de François Bayrou. Após a vitória de Fillon, pelo menos 150 militantes de Juppé transferiram-se para a campanha de Macron. Corine Lepage, antiga ministra do ambiente de Jacques Chirac, apoiantes de Bayrou em 2007 e de Hollande em 2012, já anunciou o seu apoio a Macron, bem como o eurodeputado do Modem Jean-Marie Cavada.
O porta-voz do En Marche!, Benjamin Griveaux, é um ex-assessor de Dominique Strauss-Kahn e foi diretor da Unibail-Rodamco, a maior imobiliária comercial do continente europeu. O diretor de comunicação, Philippe Grangeon, vem da Cap Gemini, e Mounir Mahjoubi, ex-diretor de campanha de Ségolène Royal em 2007 e presidente do Conseil du numérique está responsável pelas redes sociais.
Mas o estilo do site do En Marche!, polido, apolítico e marqueteiro, denuncia a presença de profissionais de comunicação e, sobretudo, de agências de comunicação.
O quartel-general do En Marche! é dominado por um grupo que se auto-denomina de requins trentenaires, ou "tubarões trintões", numa referência ao programa televisivo que sintetiza uma filosofia particular de empreendedorismo. Este “tubarões” são consultores de duas agências de comunicação: a Liegey Muller Pons, responsáveis pela importação das técnicas de Obama para a campanha de Hollande em 2012, que organizaram agora um diagnóstico às predisposições eleitorais dos franceses com base em técnicas de marketing; e a Jésus et Gabriel, trata da estratégia de comunicação.
Outros membros do quartel-general incluem Christian Dargnat, responsável financeiro e ex-patrão da Asset Management da BNP Paribas (até hoje a campanha de Macron recusa revelar os donativos que recebeu e a sua origem). Um especialista de sondagens, Daniel Delmas, ex-patrão da TNS Sofres, uma empresa de sondagens de influência do PSF. E o economista Jean Pisani-Ferry, antigo presidente do think-tank neoliberal Bruegel (financiada por corporações como a Shell, a Amazon, o BBCA, a BlackRock, o DeutscheBank, a Google, Microsoft, a Moody’s MorganStanley, etc.).
A rede de interesses à volta de Macron não termina aqui. Reúne em particular extensos apoios tanto de startups como de corporações históricas que fazem parte do CAC40 - o índice bolsista francês. E, crucialmente, de grupos de comunicação social.
O seu principal conselheiro pessoal, Marc Simoncini, é o criador do Meetic, uma plataforma de dating e matchmaking com receitas de 164 milhões de euros em 2012. Outro amigo de Macron, Xavier Niel, dono da Free, é também co-proprietário do grupo Le Monde e filho de Bernard Arnault, o homem mais rico de França.
Claude Bébéar, o dono da Axa que muitos chamam de “pai do capitalismo francês”, também é amigo de Macron; e Martin Bouygues, dono da revista de economia Challenges, é apoiante assumido de Macron.
Bem analisada, a rede de influências em torno de Macron tem todos ingredientes necessários para uma campanha mediática de sucesso. Reúne a confiança de grupos financeiros, seguradoras, grupos de comunicação social, membros tanto do PSF como do Partido Republicano, e partilha da agenda neoliberal das instituições europeias. Resta saber se isso será suficiente para convencer o eleitorado francês.
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