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Eleições no Reino Unido: terminou o paradigma Thatcher?

Desde 1945 que não se registava uma variação das sondagens tão expressiva e, neste momento, uma vitória dos trabalhistas é uma possibilidade real.
Cartazes da campanha eleitoral de 1945 no Reino Unido.
Cartazes da campanha eleitoral de 1945 no Reino Unido.

Theresa May convocou eleições em condições mais favoráveis do que qualquer primeiro-ministro desde 1945. Mas, curiosamente, também desde 1945 que as sondagens não apresentavam variações tão drásticas nas semanas pré-eleitorais, o que dificulta uma leitura taxativa das previsões para dia 8 mas permite explorar hipóteses. 

No início de abril, os Conservadores lideravam as sondagens com 19 pontos em relação aos trabalhistas que, se preparavam para o seu pior resultado desde o início do séc. XX. Além disso, o Brexit ofereceu a Theresa May um projeto político forte o suficiente para unificar a direita e anular o UKIP. Estava tudo preparado para uma marcha vitoriosa. 

A seis dias das eleições, as sondagens são unânimes a identificar a tendência de redução expressiva da vantagem dos conservadores para qualquer coisa entre os 3 e os 12 pontos. 

Com o fim da segunda-guerra na Europa em abril de 1945, Churchill convoca eleições para junho confiante de que a vitória lhe entregará uma maioria confortável de deputados. No dia anterior às eleições, o ainda primeiro-ministro confia ao Rei que esperava obter pelo menos uma maioria de 30 a 50 deputados. 

Os trabalhistas concordavam com a leitura de Churchill, de tal forma que se prepararam para uma vitória dos conservadores rejeitando tudo o que as sondagens indicavam, na altura uma indústria ainda em desenvolvimento e estranha à cultura política. Na verdade, desde 1943 que os trabalhistas apresentavam uma liderança de intenções de voto nas sondagens, consistentemente à volta dos 45% e com uma margem face aos conservadores que no início de 1945 atingia os 20 pontos. A grande variação neste caso foi no campo conservador que, entre fevereiro e junho desse ano passou de 28% para 41% das intenções de voto. O resultado final, no entanto, entregou a vitória de forma clara aos trabalhistas, com 48,8% contra 39,3%. 

Desde então, mesmo alargando a amostra de análise para 8 semanas pré-eleitorais, nenhuma eleição apresenta variações nas sondagens desta latitude. A evolução de Jeremy Corbyn é, por isso, um dos momentos mais interessantes da história eleitoral britânica. Dito isto, alguns alertas nas sondagens devem ser tidos em conta quando se olha para os resultados dos trabalhistas. 

À exceção de 2010, todos os atos eleitorais desde 1979 apresentam resultados consistentemente abaixo do que as sondagens previam para os trabalhistas. Mesmo nas vitórias de Tony Blair em 1997, 2001 e 2005, os resultados surgem sempre abaixo das expetativas e para lá da margem de erro (entre março e abril de 1997, os trabalhistas registaram uma vantagem consistente entre os 15 e os 25 pontos face aos conservadores, mas o resultado final deu apenas uma vantagem de 13 pontos). E, crucialmente, é o resultado dos trabalhistas que varia negativamente face às sondagens, enquanto que os conservadores apresentam resultados que, ou variam positivamente (dentro da margem de erro) ou são consistentes com as sondagens. 

Concentração de votos e polarização etária

Outra novidade a assinalar: 80% do eleitorado irá votar Conservador ou Trabalhista. Desde 1979 que a percentagem não era tão alta (81%), e representa um salto significativo face a 2010 (65%) ou 2015 (67%). Considerando a sustentada popularidade dos conservadores, isto significa que não é à direita que o eleitorado voltou, mas sim à esquerda. Isto permite uma leitura consistente com a tese, já aqui explorada, do fim do paradigma Thatcher e o retorno do Labour a um programa verdadeiramente alternativo aos conservadores que estará a mobilizar o eleitorado.

A inexistência de um verdadeiro desafio à esquerda do Labour nos últimos 40 anos é, verdadeiramente, o único facto surpreendente face a estes números uma vez que, claramente, existiria uma parte considerável do seu eleitorado disponível para alternativas. O sistema eleitoral, avesso a pequenos partidos, explica talvez esta situação. 

Feitas as contas, não há uma única sondagem que indique uma vitória de Jeremy Corbyn. Mas alguns factores poderão ainda alterar o jogo. O primeiro é a concentração de votos e a mobilização que isso indicia à esquerda. Se isso se confirmar, o efeito de sobrevalorização dos trabalhistas nas sondagens poderá ser anulado, uma vez que maior concentração de votos permite equilibrar os efeitos do sistema eleitoral de maiorias simples por círculos eleitorais. 

Por outro lado, as diferenças etárias de voto na faixa acima dos 65 anos estão a diminuir de forma expressiva. Há um mês, os conservadores gozavam de uma vantagem de 50 pontos nas intenções de voto nesta faixa etária, enquanto que a 31 de maio essa vantagem foi reduzida para 37 pontos (ou seja, 60% para os conservadores contra 23%). Considerando que este é o grupo do eleitorado com maior taxa de participação (78% em 2015, face aos 43% de participação dos mais jovens), mesmo pequenas alterações podem mudar significativamente os resultados. 

Nos mais jovens (18-24 anos), a relação inverte-se, com os conservadores a obterem apenas 19% das intenções de voto e os trabalhistas 69%, uma vantagem que se tem vindo a acentuar a favor dos trabalhistas e que contrasta com os resultados de 2015, onde 27% dos mais jovens votaram nos conservadores e apenas 43% votaram Labour. Tudo indica também que a participação dos mais jovens aumente consideravelmente, dado que Jeremy Corbyn apela com sucesso a esta faixa etária. 

Data das sondagens

Organização

Amostra

Con

Lab

UKIP

Lib Dem

SNP

Green

Outros

Margem

 

 

 

 

 

 

30 Maio–1 Jun

Ipsos MORI/Evening Standard

1,046

45%

40%

2%

7%

 

2%

 

5%

26 Maio–1 Jun

Panelbase

1,224

44%

36%

5%

7%

5%

2%

1%

8%

30–31 Maio

YouGov/The Times

1,875

42%

39%

4%

7%

4%[a]

2%

1%

3%

25–31 Maio

YouGov[b]

53,611

42%

38%

3%

9%

4%

2%

2%

4%

Pre-31 Maio

SurveyMonkey/The Sun

19,000

44%

38%

4%

6%

7%

6%

25–30 Maio

Kantar Public

1,199

43%

33%

4%

11%

4%

3%

1%

10%

24–30 Maio

YouGov[b]

53,464

41%

38%

4%

9%

4%

2%

2%

3%

26–29 Maio

ICM/The Guardian

2,002

45%

33%

5%

8%

4%

3%

2%

12%

23–29 Maio

YouGov[b]

~50,000

42%

38%

4%

9%

7%

4%

26–27 Maio

Survation/Good Morning Britain

1,009

43%

37%

4%

8%

2%

1%

4%

6%

25–26 Maio

YouGov/Sunday Times

2,003

43%

36%

4%

9%

4%[a]

2%

1%

7%

24–26 Maio

ICM/The Sun on Sunday

2,044

46%

32%

5%

8%

4%

2%

1%

14%

24–26 Maio

ComRes/Sunday Mirror, Independent on Sunday

2,024

46%

34%

5%

8%

4%

2%

1%

12%

24–25 Maio

ORB/Sunday Telegraph

1,556

44%

38%

5%

7%

4%

2%

6%

24–25 Maio

SurveyMonkey/The Sun

6,000

44%

36%

4%

6%

9%

8%

24–25 Maio

YouGov/The Times

2,052

43%

38%

4%

10%

5%[a]

1%

0%

5%

23–24 Maio

Opinium/Observer

2,002

45%

35%

5%

7%

5%

2%

1%

10%

19–23 Maio

Panelbase/The Sunday Times

1,019

48%

33%

4%

7%

5%

2%

1%

15%

22 Maio

Atentando em Manchester, campanha suspensa entre 23 e 24 de Maio

18–22 Maio

Kantar Public

1,200

42%

34%

4%

9%

4%

4%

2%

8%

19–21 Maio

ICM/The Guardian

2,004

47%

33%

4%

9%

4%

2%

1%

14%

19–20 Maio

Survation/Good Morning Britain (telephone)

1,034

43%

34%

4%

8%

3%

2%

5%

9%

19–20 Maio

Survation/Mail on Sunday (online panel)

1,017

46%

34%

3%

8%

4%

1%

3%

12%

18–19 Maio

YouGov/Sunday Times

1,925

44%

35%

3%

9%

5%[a]

2%

1%

9%

17–18 Maio

ORB/Sunday Telegraph

1,551

46%

34%

7%

7%

4%

2%

12%

16–17 Maio

Opinium/Observer

2,003

46%

33%

5%

8%

5%

2%

1%

13%

16–17 Maio

YouGov/The Times

1,861

45%

32%

6%

8%

5%

2%

1%

13%

15–17 Maio

Ipsos MORI/Evening Standard

1,053

49%

34%

2%

7%

6%

3%

*

15%

12–15 Maio

Panelbase

1,026

47%

33%

5%

7%

5%

3%

*

14%

11–15 Maio

Kantar Public

1,201

47%

29%

6%

8%

4%

4%

2%

18%

12–14 Maio

ICM/The Guardian

2,030

48%

28%

6%

10%

4%

3%

1%

20%

3–14 Maio

GfK/Business Insider

1,952

48%

28%

5%

7%

6%

3%

2%

20%

12–13 Maio

Survation/Good Morning Britain

1,016

48%

30%

4%

8%

4%

2%

4%

18%

11–12 Maio

YouGov/Sunday Times

1,630

49%

31%

3%

9%

5%[a]

2%

1%

18%

10–12 Maio

ComRes/Sunday Mirror, Independent on Sunday

2,007

48%

30%

5%

10%

4%

3%

1%

18%

9–12 Maio

Opinium/Observer

2,003

47%

32%

5%

8%

5%

2%

1%

15%

10–11 Maio

ORB/Sunday Telegraph

1,508

46%

32%

6%

8%

5%

4%

14%

9–10 Maio

YouGov/The Times

1,651

46%

30%

5%

11%

6%[a]

2%

1%

16%

5–9 Maio

Panelbase

1,027

48%

31%

5%

8%

4%

2%

2%

17%

4–8 Maio

Kantar Public

1,201

44%

28%

8%

11%

4%

5%

1%

16%

5–7 Maio

ICM/The Guardian

2,038

49%

27%

6%

9%

4%

3%

1%

22%

5–6 Maio

Survation/Good Morning Britain

1,005

47%

30%

4%

7%

5%

3%

3%

17%

4–5 Maio

YouGov/Sunday Times

1,644

47%

28%

6%

11%

5%[a]

2%

1%

19%

3–5 Maio

ICM/Sun on Sunday

2,020

46%

28%

8%

10%

4%

4%

*

18%

(...)

Neste dossier:

Cartazes da campanha eleitoral de 1945 no Reino Unido.

Eleições no Reino Unido: terminou o paradigma Thatcher?

Desde 1945 que não se registava uma variação das sondagens tão expressiva e, neste momento, uma vitória dos trabalhistas é uma possibilidade real.

"O Labour não resulta", cartaz de campanha de Margaret Thatcher em 1979.

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