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Bolseiros viram as suas expectativas defraudadas

Luís Monteiro criticou o governo na AR, afirmando que “o diploma [do emprego científico] publicado não cumpre os objetivos que enuncia”. No final do debate parlamentar, o ministro da Ciência admitiu a possibilidade de aceitar alterações propostas pelo Bloco sem confirmar concretamente quais.
Luís Monteiro na manifestação da ABIC, 18 de janeiro de 2017
Luís Monteiro na manifestação da ABIC, 18 de janeiro de 2017

Quero, antes de mais, aproveitar o momento para saudar a vinda de dezenas de bolseiros, de organizações sindicais e associações de bolseiros hoje, aqui a este debate. Organizações essas que nunca desistiram de lutar em nome da dignidade da ciência, dos investigadores e do conhecimento!

O diploma publicado não cumpre os objetivos que enuncia. Na verdade, o que o diploma estipula é a troca da precariedade das bolsas por mais precariedade, não criando nenhum horizonte de estabilidade aos investigadores, podendo até constituir uma porta aberta para mais fáceis despedimentos. A contratação a termo resolutivo (para organismos da administração pública) ou a termo incerto (para organismos abrangidos pelo direito privado), pelo prazo de três anos, renováveis até um máximo de seis, não promove a necessária estabilidade e dignidade dos investigadores.

Deixa de fora do regime de emprego científico todos os investigadores sem o grau de doutor, como por exemplo muitos dos bolseiros de gestão ciência e tecnologia. A instabilidade das tabelas da FCT que enunciam os abrangidos por este diploma é a prova de que são necessárias alterações ao diploma. Desde Dezembro que foram alteradas quatro vezes.

É certo que, com contratos de trabalho, os investigadores ficam com alguns dos direitos laborais e sociais que hoje lhes são negados mas tal não pode ser conseguido nem com um quadro de tão grande precariedade.

O acordo que foi encontrado entre o Bloco e o Governo no que toca ao combate á precariedade é um passo importante. Passo importante que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior não quis dar.

É, por isso, importante desmistificar alguns argumentos que têm sido utilizados em defesa da medida:

1 - Este diploma é um nível intermédio na passagem para a carreira de investigação científica. FALSO. O que o diploma garante, única e simplesmente, é um contrato a prazo sem qualquer garantia de estabilidade no horizonte. Aos bolseiros, é-lhes negada uma perspetiva de futuro porque não garante a possibilidade de ingressar na Carreira de Investigação Científica.

2 - Os bolseiros ficarão a ganhar mais. FALSO. “a remuneração a atribuir no âmbito das contratações (…) é a correspondente ao nível 28 da TRU” – isto pode mesmo significar uma diminuição muito expressiva dos rendimentos dos atuais bolseiros o que é de todo inaceitável. Constitui um retrocesso relativo ao estipulado no “Programa investigador FCT” que tinha como referente para as remunerações o Estatuto de Carreira da Investigação Científica (nível 54 da TRU), referente esse que aqui parece ter sido posto de parte por completo. Por outro lado, os Bolseiros de Gestão, Ciência e Tecnologia que estão ao abrigo deste diploma, se a passagem de bolsa a contrato de concretizar, perderão 25% do seu rendimento líquido anual 37% do seu rendimento líquido mensal. Não estamos, por isso, perante uma lógica de reposição de rendimentos nem tampouco de aumentos salariais, estamos sim a discutir quanto é que, em nome de um contrato precário, cada um destes e destas bolseiras perde ao fim do mês.

Se queremos, realmente, resolver o problema da precariedade e alterar o paradigma da investigação em Portugal, temos de ter a coragem para alterar aquilo que cria ainda mais entropias ao sistema.

É nesse sentido que o Bloco dá corpo à sua apreciação parlamentar com propostas de alteração que dão resposta a todos os bolseiros que, mesmo não sendo doutorados, desempenham funções de investigação ou são bolseiros de gestão de ciência e tecnologia; garantem que o diploma não cria um modo de contratação paralela ao Estatuto da Carreira de Investigação Científica; defendem níveis remuneratórios equivalentes aos estipulados no ECIC garantindo que os trabalhadores do setor são respeitados de igual forma; proporciona a o alargamento da aplicabilidade do diploma até ao final de 2017; estipula uma norma travão que impede que os bolseiros abrangidos por este diploma não verão o valor líquido mensal diminuído com a passagem de bolsa a contrato.

Garantir que ninguém fica de fora de um combate tão essencial na sociedade portuguesa - o combate à precariedade – é o nosso objetivo! E esse combate é um combate de todos. Os bolseiros viram, com esta medida, as suas expectativas defraudadas. A Assembleia da República tem a responsabilidade de corrigir os erros, as imprecisões e as injustiças do diploma.

Intervenção de Apreciação Parlamentar do Bloco de Esquerda sobre o Decreto-Lei que "aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento".

Luís Monteiro: "Bolseiros viram, com esta medida, as suas expectativas defraudadas”

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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