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Alarme pelo uso de novas armas letais contra Gaza
Médicos locais dizem que vários ferimentos incomuns e expandidos podem indicar que durante a guerra foram usados novos tipos de armas contra a população de Gaza. Os funcionários da saúde estão a constatar ferimentos nunca vistos antes, ou pelo menos numa escala tão maciça.
Artigo de Erin Cunningham da IPS.
Gaza, 23/01/2009 - Mona Al-Ashkar, de 18 anos, não soube de imediato que a primeira explosão na escola da Organização das Nações Unidas em Beit Lahiya, na Faixa de Gaza, havia amputado a sua perna esquerda. Primeiro houve fumo, depois o caos. Mais tarde a dor e a falta de fé apoderaram-se dela, quando se deu conta de que o seu membro fora totalmente cortado. Mona é uma entre os 5.500 feridos que impressionaram os médicos palestinianos e internacionais pelo tipo de armamento usado na Operação Chumbo Fundido, que durante três semanas Israel atacou Gaza. Organizações de direitos humanos com a Amnistia Internacional acusam Israel de crimes de guerra.
Os médicos de Mona no hospital Al-Shifa, na cidade de Gaza, não encontraram nenhuma bala na sua perna, que parecia ter sido "cortada com uma faca". "não estamos seguros do tipo de arma que pode fazer isso imediatamente e de maneira tão limpa", disse Sobhi Skaik, cirurgião-geral consultor no hospital Al-Shiufa. "O que está a ocorrer é aterrador. É possível que o exército israelita tenha usado Gaza para experiências militares", afirmou. Grupos internacionais de direitos humanos, entre eles a Human Rights Watch e a Amnistia, condenaram o uso por Israel de armas não convencionais nas áreas civis da Faixa de Gaza.
O uso por parte de Israel de fósforo branco e outras "armas de área" contra populações civis equivale a crimes de guerra, disse à IPS Donatella Rovera, investigadora-chefe da Amnistia Internacional para Israel e Palestina. "Os tipos de armas e a maneira com foram usadas são evidência à primeira vista de crimes de guerra", afirmou. Na quarta-feira Israel anunciou que iniciará a sua própria investigação sobre o informe a respeito de fósforo branco, mas até agora negou-se a fazer mais declarações. A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), vinculada à ONU, disse que estudaria um pedido feito por embaixadores de várias nações árabes de que Israel usou urânio empobrecido em seus recentes ataques contra Gaza.
Médicos locais dizem que vários ferimentos incomuns e expandidos podem indicar que durante a guerra foram usados novos tipos de armas contra a população de Gaza. Os funcionários da saúde estão a constatar ferimentos nunca vistos antes, ou pelo menos numa escala tão maciça. "Aqui, em Gaza, houve uma significativa perda de vidas por razões que são medicamente inexplicáveis", disse Skaik. O ferimento de Moina é característico dos Explosivos de Metal Inerte Denso (Dime). Trata-se de munições que, cheias de pó de tungsténio, produzem uma explosão intensa aproximadamente na altura do joelho, com sinais de um calor severo no lugar da amputação.
"Se perguntar a um paciente como perdeu a perna, não saberá dizer. Dirá que um rocket ou um míssil explodiu e cortou somente os seus membros inferiores', disse Skaik. Uma vez dentro do corpo, o tungsténio é difícil de ser detectado e também é extremamente cancerígeno, e pode produzir uma forma agressiva de cancro, segundo os dois especialistas militares. Skaik disse que somente o hospital Al-Shifa recebeu entre cem e 150 pacientes com este tipo de ferimento. Cerca de 50 tinham dois ou mais membros amputados, acrescentou. Mas, como os hospitais de Gaza estão mal equipados, até agora foi quase impossível avaliar adequadamente as substâncias e contar com precisão quantos palestinianos feridos podem ter sido atingidos por essa arma.
O médico norueguês Mads Gilbert, que trabalhou no Al-Shifa durante o cerco, confirmou aos jornalistas que os ferimentos eram semelhantes aos produzidos por explosivos Dime. As organizações de direitos humanos dizem que Israel utilizou a arma pela primeira vez na sua guerra contra o movimento xiita libanês Hezbolah (Partido de Deus), em 2006. Porém, o que preocupa ainda mais os funcionários da saúde é que alguns dos órgãos dos pacientes estão a separar-se com pouco ou nenhum sinal de um ponto de entrada de algum projéctil. Isto é algo que nunca viram antes, dizem, e não sabem como tratar.
"Os projecteis normais seguem um caminho claro, com um ponto de entrada e outro de saída", explicou Mohammad Al-Ron, outro cirurgião do hospital Al-Shifa. "Mas, somente depois de investigar o abdómen de alguém encontramos um minúsculo orifício na pele. Então encontraremos pequenos pontos negros por todo o órgão, mas não saberemos o que são", acrescenta. É um sinal de que, seja o que for que tenha entrado no corpo, está a explodir e causar dano desde dentro, continua o médico. Assim, múltiplos órgãos falharão e continuará com esse processo mesmo depois que uma cirurgia eliminar qualquer bala.
"Estamos a consultar colegas internacionais, e eles estão a confirmar que está a ocorrer algo incomum nestes casos", disse Skaik. "Vimos abundantes cravos, projécteis de metal e partes metálicas estranhas, mas nunca houve violência desse tipo ou algo que continuará a prejudicar mesmo depois das partes da arma terem sido removidas. O que se está a criar intencionalmente é uma população de pessoas incapacitadas", acrescentou.
Algumas das lesões, entre elas falhas de múltiplos órgãos, mutilação e membros amputados, são tão terríveis que o médico egípcio Karim Hosni, voluntário no hospital Al-Naser, em Khan Younis, é drástico no seu ponto de vista. "Às vezes, desejo que os meus paciente simplesmente morram. Os seus ferimentos são tão horríveis que sei que agora terão de levar vidas terríveis e dolorosas", confessa. (IPS/Envolverde)
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