O individualismo surge, no estado atual do capitalismo, como o único princípio de organização das relações sociais. A sua eficácia reside, contudo, no grande esquecimento em que se baseia, pois, sendo produto de condições sociais objetivas, gera uma amnésia insidiosa sobre a sua própria génese.
Não nos confundamos: o individualismo, conjunto de mitos, crenças e performances que, continuamente,procura despolitizar a atenção, anestesiando-a para a mobilização coletiva, nada tem a ver com os processos de individuação atuantes à escala ontogenética. Estes, resultam da socialização em que as singularidades de cada pessoa se vão forjando em estreita imbricação com as forças (constrangimentos e possibilidades) sociais, moldando uma subjetividade única e irrepetível, mas socialmente produzida e, como tal, intrinsecamente relacional.
Dito de outra forma: a pessoa modelo do individualismo do capitalismo tardio é uma espécie de criador incriado, que cortou toda a relação de dependência/reciprocidade face aos demais e que se imagina aquém e além dos conflitos estruturais da nossa sociedade.
Por isso, proclama-se a “autenticidade”, a “emoção”, a “experiência” ou a “verdade pessoal” como ímpar e totalitário diapasão de perceção da realidade e, até, como arauto da única racionalidade moralmente aceitável: a da livre iniciativa “empreendedora”, autêntico “design psicológico” que coloca a empresa na mente das pessoas e que transforma, por alquimia social, a exploração em projeto e o controlo disciplinar em desejo, mesmo quando se apresenta sob formas enganadoramente empoderadas (os discursos identitários essencialistas e incomunicantes).
Enquanto projeto socializador total, o individualismo atinge as estruturas das disposições éticas e emocionais mais profundas, danificando a forma como cada pessoa se vê a si mesma e a si-mesma-no-mundo.