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O que separa os programas económicos de Macron e Le Pen?

Tanto o atual Presidente como a candidata da extrema-direita adaptaram os seus programas económicos à realidade atual, mas sem abdicarem dos fundamentos da sua política: favorecimento dos grandes grupos económicos e divisão da população trabalhadora.
Cartazes eleitorais na segunda vota das presidenciais francesas. Foto de Sebastien Nogier/EPA

Este domingo realiza-se a segunda volta das eleições presidenciais francesas. Tal como em 2017, o lugar é disputado entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen. As intenções de voto indicam, no entanto, que a disputa pode ser mais renhida este ano: se há cinco anos, Macron foi eleito com 66,1%, agora as últimas sondagens dão-lhe entre 55% e 57%. 

A política francesa entretanto alterou-se e ambos tiveram que adaptar a sua estratégia. Se em 2017 Macron recolheu votos do Partido Socialista, nesta primeira volta escolheu captar os votos dos conservadores. Le Pen, por seu turno, com o aparecimento de Zemmour no panorama político, escolheu mostrar-se mais moderada, sublinhando preocupações de maior índole social para tentar captar votos à esquerda. Os seus programas no plano económico e sobre o mercado laboral sofreram algumas alterações - para uma comparação entre os seus programas de 2017 ver aqui e para 2022 ver aqui. No entanto, nessas áreas os dois não divergem substancialmente da sua essência. 

Le Pen quer cortar prestações sociais a residentes de origem estrangeira

Por um lado, Marine Le Pen concentrou a sua campanha na recuperação do poder de compra. Apostou em propostas como a redução do IVA da eletricidade e combustíveis de 20% para 5,5%, a isenção de IRS para jovens com menos de 30 anos ou o aumento do salário mínimo e das pensões. Joga com estas medidas para que possa atrair a classe trabalhadora, o que se afigura uma boa estratégia por o seu adversário ser cunhado como o “presidente dos ricos”. Não será de mais sublinhar que as suas políticas económicas não são à esquerda, não havendo um verdadeiro apoio aos trabalhadores.

Marine Le Pen abdicou das reivindicações feitas em 2017 de melhoria das condições laborais. Já não exige que a idade de reforma diminua globalmente para os 60 anos, mas apenas para quem tem 40 anos de carreira. Abdicou também da diminuição da semana de trabalho para 35 horas e da alteração do código laboral. 

O aumento de salário mínimo que propõe é feito através da redução de contribuições para a segurança social, o que tem uma dimensão penalizadora a longo prazo, e o aumento do valor das pensões que sugere é meramente simbólico. Apesar de defender a renacionalização da concessão de autoestradas, advoga por contraponto a privatização dos principais canais televisivos.

Para contrabalançar esta despesa, Le Pen foca-se na criação de uma “prioridade nacional” em termos de apoios sociais, cortando os benefícios para estrangeiros que residem em França. A candidata estima que estes rondam os 16 mil milhões de euros, o que diverge substancialmente dos 6 mil milhões contabilizados pelo Tribunal de Contas. 

O programa de Le Pen tem uma série de inconsistências económicas e políticas, além do grande problema de ser inconstitucional ao defender um tratamento diferenciado dos cidadãos.

O think-thank liberal Institut Montaigne compara a sustentabilidade orçamental do plano dos dois candidatos e avança que Le Pen gastaria 101 mil milhões de euros enquanto Macron 44 mil milhões de euros. Os dois, ainda que em escalas diferentes, aceitam a necessidade de gastos públicos porque entendem o clima político atual.

Macron promete alívio fiscal e mais cortes no subsídio de desemprego

Os gastos de Macron devem-se essencialmente aos apoios públicos desde o início da guerra - 22 mil milhões de euros alocados à proteção dos consumidores pelo aumento dos preços da energia - e às suas propostas de redução de impostos e de aumento de investimento público. Estima que este corte fiscal ascenderia a 15 mil milhões de euros, alegadamente divididos em partes iguais entre as empresas e as famílias. Para as primeiras, promete poupar 7 mil milhões em impostos sobre a produção e a eliminação do CVAE, um imposto de valor acrescentado pago a nível local. Quanto aos consumidores, concentra-se na abolição da tarifa anual de 138 euros de contributo para a televisão estatal. A partilha igual de um menor peso fiscal é meramente retórica, tendo em conta que o mandato anterior de Macron mostrou um tratamento bem diferente entre os dois grupos. 

Quanto ao investimento público, e especialmente com o início da guerra na Ucrânia, foca-se nos setores da energia, defesa militar, tecnologia e investigação. Vai mais longe e promete construir um “metaverso Europeu” para competir com as gigantes tecnológicas dos EUA. Não é claro ainda no que isto se traduz e como pensa concretizá-lo, mas parece provável que passe também por maiores regalias fiscais para atrair investidores estrangeiros. 

Para compensar esta despesa recorre à sua fórmula de liberalização do mercado laboral. Aquando do anúncio do seu manifesto, declarou: “O pleno emprego é atingível. Significa fazer nos próximos cinco anos o que fizemos nos últimos cinco”. Nesta linha, promete continuar os planos políticos que tinha no primeiro mandato e que não conseguiu concretizar. 

No final de 2019 o Governo tentou implementar uma reforma do sistema de pensões assente em dois pilares: aumento da idade de reforma de 62 para os 65 anos e simplificar os 42 esquemas de reforma existentes ao agregá-los num único sistema universal. A medida foi altamente impopular e milhares de pessoas protestaram nas ruas durante semanas, forçando o Parlamento a chumbar as alterações em 2020. Macron volta a defender esta reforma, ainda que se mostre disponível para subir a idade de reforma apenas para os 64 anos, na tentativa de agradar ao eleitorado. 

Na sua lógica de criação de emprego por cortes nos subsídios ao desemprego, já largamente implementados nos últimos 5 anos, propõe condicionar a atribuição do Rendimento de Solidariedade Ativa (rendimento mínimo) a quem cumpra 15 a 20 horas em programas de formação. 

Tanto Macron como Le Pen parecem ter alterado os seus programas económicos para se adaptarem à realidade atual, mas nenhum dos dois abdica dos fundamentos da sua política: favorecimento dos grandes grupos económicos e divisão da população trabalhadora.

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