À medida que Donald Trump avança nas assinaturas intermináveis de ordens executivas, que servem desde as funções mais esdrúxulas (como renomear o Golfo do México) às mais reacionárias (como a “emergência nacional” na fronteira com o México), os contornos da sua dominação sobre o sistema político americano tornam-se mais claros. Mais clara torna-se também uma fotografia que foi tirada no dia da tomada de posse do presidente estadunidense, que todos vimos como uma antecipação das tormentas que aí vinham.
Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, Elon Musk e o CEO da Google, Sundar Pichai, lado a lado, prestando vassalagem ao homem que reconquistou a presidência dos Estados Unidos da América com o apoio das grandes tecnológicas. Quatro cavaleiros do Apocalipse, trazendo uma nova era da política mundial.
As grandes tecnológicas que estes indivíduos representam são as empresas mais poderosas do mundo. É uma imagem que vale mais de um milhar de biliões (à falta de melhor expressão) em receitas. A Amazon de Bezos regista receitas de 620 mil milhões de dólares, a Alphabet – empresa mãe da Google – 339 mil milhões. Com os 164 mil milhões da Meta, isso significa que as empresas geram 1.123 milhares de milhões de dólares em receitas, e isso é sem adicionar a Tesla, a SpaceX e o X de Elon Musk, bem como a sua fortuna pessoal.
Falta ainda contar o poder social que cada uma destas empresas detém. A Google em todos os Androids do mundo e na nossa barra de pesquisas, a Meta no Facebook e Instagram, a Amazon como principal centro de retalho digital e o X de Musk, cada vez mais desenfreado. E ainda podemos falar dos nomes que ficaram de fora da fotografia, mas que estiveram presentes na cerimónia. Daí destacam-se Tim Cook, CEO da Apple, e Shou Zi Chew, CEO do TikTok.
A chegar a um mês de presidência, a relação de Donald Trump com as Big Tech começa a demonstrar as suas garras e o propósito da oligarquia tecnoliberal que se desenvolveu no centro do capitalismo ocidental. A síntese dessa relação é cada vez mais um tecno-imperialismo multifacetado e pronto a disputar soberanias entre os antigos aliados dos Estados Unidos da América.
Tecno-imperialismo como? Na sua vertente direta, com a interferência das grandes tecnológicas nos regimes pelo mundo fora. A participação de Elon Musk no comício do partido de extrema-direita alemão Alternative für Deutschland, mas também o anúncio do fim da verificação dos factos por parte da Meta, que permite sobrecarregar o mundo todo de informação falsa, ou ainda a colaboração da Amazon com o genocídio na Palestina.
Mas também através das jogadas aparentemente extravagantes e desconexas de Trump no plano internacional. O homem que prometeu acabar a guerra da Ucrânia “no espaço de um dia”, agora negoceia um acordo para manter o apoio americano em troca de terras raras. Terras raras cujo maior produtor do mundo é a China, com quem o governo americano abriu um guerra protecionista, e que são essenciais para a produção tecnológica, dos veículos de Musk aos telemóveis de onde a Google e a Meta extraem os nossos dados.
As declarações de Trump que põe em causa a soberania da Gronelândia e do Canada também têm um papel a jogar. Estes dois países são ricos em minerais e energia, dois recursos essenciais para a indústria tecnológica. O conselheiro de segurança nacional Jesse Watters disse-o de forma contundente à Fox News: “Isto é sobre minerais críticos, sobre recursos naturais, sobre petróleo e gás”.
De forma perversa, a disputa simbólica sobre a soberania da Gronelândia pode até ser mais ambiciosa. Vários investidores próximos de Trump, entre eles Peter Thiel, investiram no projeto Praxis Nation, que tem como objetivo criar um “cripto-Estado” na Gronelândia, uma comunidade libertária experimental com tecnologia baseada nas criptomoedas.
A forma como J.D. Vance se dirigiu aos líderes europeus durante a Cimeira de Ação sobre a Inteligência Artificial é, de resto, uma ilustração da relação entre os Estados Unidos da América e a União Europeia. O vice-presidente estadunidense “repreendeu” a Europa por legislar demasiado sobre a Inteligência Artificial, ameaçou com o papão de “líderes autoritários” e avisou que a América “não aceitará” que haja maior regulação sobre empresas tecnológicas americanas. É como quem diz: são-nos úteis enquanto forem dóceis e pudermos extrair os vossos dados.
Desengane-se quem acha que as posições do presidente estadunidense sobre a Palestina não estão também relacionadas com a indústria tecnológica. Não só Israel tem uma indústria de tecnologia de espionagem avançada com base nas infraestruturas de privacidade das grandes plataformas digitais, como o próprio complexo industrial-militar beneficia as grandes tecnológicas através de contratos multimilionários com o Estado. Nesse sentido, instigar o conflito na região e manter Israel armado é a melhor solução para as empresas estadunidenses.
Tomadas de posição de Trump que nos pareciam aleatórias e absurdas, ao seu estilo habitual, revelam uma complexa rede de interesses por trás, todos eles com origem naquela foto e nos seus intervenientes. Musk, Bezos, Zuckerberg, Pichai, Cook, Chew, Thiel, os grandes detentores dos meios de produção das redes digitais jogaram a sua melhor cartada: acabam com as últimas poucas limitações que tinham aos seus interesses económicos.
