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Sultan Al Jaber é incompatível com a presidência da COP28

A COP28 será presidida por Sultan Al Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), uma das maiores petrolíferas mundiais. Greta Thunberg apelidou a decisão de “ridícula”, com toda a razão.

A notícia de que a próxima cimeira do clima (COP28) será realizada nos Emirados Árabes Unidos já tinha sido anunciada, no final de 2021, pelo próprio Sheikh Mohammed bin Rashid al-Maktoum, atual soberano do Dubai, vice-presidente, primeiro-ministro e ministro da Defesa dos Emirados Árabes Unidos (EAU). No início de janeiro deste ano foi anunciado que a cimeira seria presidida pelo Dr. Sultan Al Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), uma das maiores petrolíferas mundiais. Na COP27 foi revelada, por várias ONG, a presença de 636 lobistas ligados às indústrias de combustíveis fósseis, um aumento de 25% desde a cimeira passada, agora, a cimeira é presidida por um CEO de uma gigante petrolífera. A notícia foi vista com perplexidade por parte de várias organizações ambientalistas, Greta Thunberg apelidou a decisão de “ridícula”, com toda a razão, e vale a pena conhecer esta personagem, assim como o percurso do “oil money” em toda a sua vida.

De facto, a educação de Sultan Al Jaber é manchada pelo petróleo. A formação que teve nos Estados Unidos da América foi financiada pela ADNOC, empresa a que agora preside. A sua página Wikipedia é uma coleção de cargos governamentais e de empresas ligadas ao petróleo e à energia. É ministro de Estado, da Indústria e Tecnologia dos EAU, cargo que acumula com a direção do grupo ADNOC, a empresa petrolífera estatal, assim como com o cargo de chairman da empresa Masdar. Esta última empresa, também estatal, e da qual Jaber foi um dos seus fundadores, dedica-se a projetos de energias renováveis. Mas não se fica por aqui, Al Jaber é ainda chairman do Banco de Desenvolvimento dos EAU, enquanto faz parte dos conselhos de administração de outros bancos, universidades, grupos de comunicação social, entre outros. Podemos dizer que é um homem com bastante poder nos EAU.

Os EAU têm vindo a fazer um forte investimento nas energias renováveis, não é segredo nenhum, aliás, até é uma das suas principais bandeiras neste momento, a par dos projetos de construção megalómanos. Esta vertente verde é muitas vezes utilizada como argumento para defender o atual presidente da COP28. Tal como diz o ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair, ao Guardian, “a nível nacional e internacional, os Emirados Árabes Unidos demonstraram liderança em investimento e inovação climáticos. Já é um dos maiores investidores em energias renováveis no país e no exterior e é um inovador em tecnologias cruciais para a transição energética, como captura de carbono e produção de hidrogénio”.

Esta ideia poderia levar-nos então à conclusão de que os EAU estão a fazer um caminho em direção à descarbonização, e ao desinvestimento nas energias fósseis, liderados por Sultan Al Jaber. Errado. No início de 2021, meses antes de ser conhecido que a COP28 seria realizada neste país, Jaber revelou ao Financial Times a sua visão para a companhia petrolífera a que preside: aumentar a capacidade de produção dos EAU - que já é o terceiro maior produtor da OPEP - de cerca de 3 milhões de barris de petróleo por dia em 2016 para 5 milhões de barris por dia até 2030.

“Não iremos perder nenhuma oportunidade”, disse. “Vamos continuar com os programas de exploração, identificando reservas comprovadas, aumentando a produção e, sempre que possível, atrairemos parceiros estratégicos.” Mais claro do que isto não poderia ser, mas há mais. Algum tempo antes, em 2019, a ADNOC assinou um contrato de 4 mil milhões de dólares com os gigantes financeiros Blackrock e KKR, para o desenvolvimento de infraestruturas de transporte de petróleo durante os próximos 23 anos! Sultan Al Jaber descreveu o acordo como um “marco importante”. Numa entrevista ao canal CNBC o ministro e CEO disse, sobre este investimento, que “não iria parar por aí” e brevemente iria apresentar mais investimentos. Não mentiu.

Cerca de um ano depois deste acordo, a ADNOC apresentava um acordo, para um investimento nas infraestruturas petrolíferas, de 20.7 mil milhões de dólares (quatro vezes mais que o anterior) através de um consórcio internacional que junta fundos de pensões, assim como grandes investidores internacionais. Mais recentemente, foi revelado que a ADNOC se prepara para comprar parte da empresa russa GUNVOR, um grupo ligado a infraestruturas de energia, e que é neste momento um dos maiores comerciantes de gás liquefeito.

A estes investimentos, que visam proteger o futuro da indústria petrolífera dos EAU, a ADNOC junta uma outra potencialidade para permitir a supremacia do seu negócio no futuro. Trata-se de descarbonizar o processo de extração das reservas petrolíferas. À partida este esquema pode parecer estranho, porque o produto final será sempre um combustível fóssil, produtor de dióxido de carbono mas, entre os maiores produtores mundiais de petróleo, o processo de extração é diferente, e pode levar a mais ou menos emissão de carbono nesta fase. Neste momento, os EAU, a par da Arábia Saudita, são os países que emitem menos carbono na produção. Isto resulta de anos de investimento em tecnologia e a aposta num mecanismo de mercado que premeie os produtores de petróleo mais “limpos”. No futuro, dizem eles, o mercado não vai querer apenas petróleo a baixo custo, vai exigir petróleo “limpo”. O objetivo desta estratégia, como refere a revista The Economist, é manter a longevidade da indústria petrolífera.

Estes são apenas alguns aspetos do currículo de Sultan Al Jaber, futuro presidente da COP28, que atestam o seu empenho na manutenção do negócio do petróleo e que tornam incompatível o seu compromisso com uma política que tenha como objetivo o fim das alterações climáticas. De acordo com o último relatório de avaliação do IPCC (p.16 B.7), as atuais emissões de gases de efeito estufa, projetadas durante a vida das infraestruturas de energia fóssil, existentes e planeadas, e caso não haja qualquer abatimento, já excedem o total de emissões cumulativas necessárias para não ultrapassar o limite de 1.5ºC de aquecimento global. Ou seja, qualquer compromisso com o fim do aquecimento global tem de ter por base uma paragem imediata da extração de petróleo, e uma diminuição da sua utilização. Resumindo: a era dos combustíveis fósseis acabou. Exatamente o contrário que Sultan Al Jaber tem feito nos últimos anos e propõe para o futuro.

A contradição com o futuro presidente da COP é tal que o próprio secretário-geral da ONU, que equiparou recentemente o negócio das grandes petrolíferas à indústria tabaqueira, afirmou que “hoje em dia, os produtores de combustíveis fósseis e os seus facilitadores ainda estão na corrida para aumentar a produção, sabendo bem que o seu modelo de negócio é incompatível com a sobrevivência humana.” Se assim é, Sultan Al Jaber também é incompatível com a presidência da COP28.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro florestal. Estudante de doutoramento no Centro de Ecologia Aplicada "Prof. Baeta Neves" (ISA-UL).
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