Apesar de o Banco Central Europeu (BCE) já ter reduzido as taxas de juro há três meses, a verdade é que isso ainda não se reflete no bolso das pessoas. Os dados mais recentes do INE, noticiados pelo Público, ajudam a perceber porquê. Nos últimos dois anos, desde que o BCE começou a subir as taxas de juro, a prestação média dos créditos à habitação passou de €261 para mais de €400 em Portugal. E os juros representam uma fatia cada vez maior das prestações: em 2022, correspondiam a cerca de 17% do valor pago todos os meses, em julho deste ano já representam 60% do total. Tendo em conta que o rendimento médio líquido em Portugal é de €1137 mensais, isto significa que a prestação da casa representa hoje mais de um terço do salário médio.
A política monetária do BCE agravou a crise do custo de vida para muitas famílias. Mas nem todos se podem queixar. Os principais bancos em Portugal lucraram 1,2 mil milhões de euros só nos primeiros três meses deste ano, o que representa uma subida de 33% face ao mesmo período do ano anterior. Os valores tornam-se ainda mais impressionantes quando se tem em conta que, no ano passado, os lucros dos bancos portugueses já tinham batido recordes. Depois dos lucros extraordinários acumulados em 2023, os bancos ainda conseguiram superar estes valores no início de 2024, muito devido à margem financeira - a diferença entre os juros que cobram aos clientes nos empréstimos e aqueles que pagam nos depósitos.
O problema da política monetária do BCE não é só o facto de ter assente em premissas erradas. É que, ao contrário do que muitos economistas assumem, as opções de política monetária são tudo menos neutras, sobretudo do ponto de vista distributivo. Um aumento das taxas de juro tende a prejudicar os devedores, sobretudo os que se encontram nos escalões de rendimento mais baixos, e a beneficiar os credores. Na prática, tende a beneficiar os mais ricos. Tendo em conta que a redução da taxa de inflação teve pouco a ver com a atuação dos bancos centrais, convém questionar a quem serve a política monetária do BCE.
Artigo publicado em Ladrões de Bicicletas a 26 de agosto de 2024