Onde está o PS “mais à esquerda de sempre”?

porDiogo Machado

09 de março 2025 - 22:03
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O PS continua o que sempre foi: um partido que, apesar de se dizer de centro-esquerda, não diverge fundamentalmente da direita nem das suas políticas e opções fundamentais.

Depois de ter viabilizado o Programa de Governo e o Orçamento de Estado, o PS contribuiu para o chumbo da mais recente moção de censura ao governo perante a revelação dos negócios da empresa do Primeiro-Ministro enquanto está em funções. Apesar das declarações inflamadas, a verdade é só uma: o PS segurou, mais uma vez, o governo da direita.

Desde que Pedro Nuno Santos assumiu a liderança do Partido Socialista (PS), a direita não se cansa de acusar o PS de estar mais radical do que nunca, ou de ser o PS mais à esquerda de sempre. De facto, esta era a esperança de muito povo de esquerda, que contava que a nova liderança, vinda do suposto setor mais à esquerda do PS, resgatasse o partido da ‘terceira via’ liberalizante e o devolvesse às suas raízes social-democratas – não fosse Pedro Nuno um dos famosos ‘jovens turcos’ que durante o período da troika famosamente defendeu que o governo português ameaçasse um default para ‘pôr as pernas dos banqueiros alemães a tremer’.

Este Pedro Nuno terá ficado nesse jantar do PS em 2011. Passado de um ano da nova liderança do PS, já toda a gente percebeu que estas esperanças foram completamente goradas e que a história de um novo PS mais à esquerda não passa de uma ladainha da direita. Na verdade, o PS tem passado entre os pingos da chuva estando constantemente contra os trabalhadores e trabalhadoras deste país, e é preciso dizer-se isto.

Isto surpreende pouco quem tem acompanhado o Partido Socialista nos últimos 50 anos, caraterizados por uma alternância do PS e do PSD/CDS no governo, tendo ambos aplicado, no entanto, essencialmente o mesmo programa com poucas diferenças: o neoliberalismo. Lembremo-nos, só para dar alguns exemplos, que Mário Soares apoiou sem reservas a adesão à moeda única, que Guterres privatizou freneticamente empresas públicas como poucos governos na Europa, e que Sócrates promoveu cortes dramáticos no poder de compra dos funcionários públicos. Ao longo deste tempo, o PS esteve também sempre indisponível para revogar normas absolutamente gravosas do Código do Trabalho como a caducidade da contratação coletiva.

Nos anos mais recentes, os governos de Costa presidiram a um subinvestimento crónico no SNS e a uma externalização veloz dos cuidados de saúde para o privado. O próprio Pedro Nuno Santos, enquanto Ministro das Infraestruturas e da Habitação, fez muito pouco para travar a enorme crise da habitação, que é alias, a maior da OCDE.

Agora na oposição, o ‘novo PS’ parece não ter ainda compreendido verdadeiramente o que esta palavra significa – ou então, mais provavelmente, não existe uma verdadeira oposição entre o programa do PS e o deste governo.

Para começar, que partido de esquerda é este que deixa passar um Orçamento de Estado altamente regressivo do ponto de vista social, com gigantescas borlas fiscais a grandes empresas e indivíduos de alto rendimento, por ter medo de ser penalizado eleitoralmente? Importam mais os princípios e o bem-estar do povo, ou as sondagens? No futuro, não esqueçamos que foi o PS que viabilizou o programa deste governo e que é, assim, responsável pelas suas consequências e resultados.

Contudo, para além do caso do Orçamento do Estado, efetivamente mais mediático e em que o PS esteve sob grande pressão para viabilizar, o PS tem alinhado sistematicamente com a direita em momentos chave, embora vá passando despercebido.

Recentemente, Pedro Nuno Santos deu uma entrevista em que reconheceu os ‘erros’ da política de imigração dos governos de que fez parte. Que erros estes, poderíamos pensar: a fraca expansão da rede consular e insuficiente emissão de vistos? A insuficiente dotação de recursos aos serviços públicos de acolhimento, regularização e integração de imigrantes? Não. Ao invés, Pedro Nuno decidiu, talvez motivado pelas sondagens e dos focus groups, alinhar com a narrativa da extrema-direita (e do governo) sobre a imigração.

Deixou cair definitivamente a manifestação de interesse, que embora não seja o mecanismo central de regularização, fornece uma proteção essencial e indispensável aos imigrantes na ausência de outras respostas. O recuo do PS neste tema é um retrocesso enorme para os direitos dos imigrantes. Mais do que isso, disparou também o talking point da extrema-direita, tirado diretamente do manual de Le Pen, de que os imigrantes ‘devem respeitar a nossa cultura e valores’. Estas afirmações não são mais do que atos de discurso produtivos da extrema-direita para tentar instalar a ideia, obviamente mentirosa, de que as culturas são estáticas, homogéneas em todos os membros e inerentemente incompatíveis, o que é utilizado depois para defender deportações e políticas de discriminação racial. Ao alinhar nestes tropos, o PS está a fazer um favor à extrema-direita e a contribuir perigosamente para perceções xenófobas sobre imigrantes.

O PS também já anunciou que vai deixar passar a nova Lei dos Solos, que, ao permitir a construção de habitação em terrenos antes vedados a esse propósito, é altamente problemática não só a nível ambiental, mas sobretudo porque vai contribuir para aumentar ainda mais o preço das casas. Não basta ter permitido que a crise da habitação chegasse onde chegou, Pedro Nuno quer agravá-la ainda mais.

Nas votações da Assembleia da República, o PS tem-se também juntado à direita para travar avanços importantes para quem trabalha, tendo-se abstido ou votado contra a reposição dos 25 dias de férias, a prorrogação das convenções coletivas de trabalho até à sua substituição por outra subsequente, o reforço da proteção laboral dos trabalhadores das plataformas digitais, entre outras matérias. Uma vez e outra, as credencias de esquerda têm ficado na gaveta.

Apesar da retórica aparentemente mais progressista, o PS tem-se afigurado como uma muleta da direita e como um cúmplice ativo na direitização da política portuguesa. Na verdade, o PS continua o que sempre foi: um partido que, apesar de se dizer de centro-esquerda, não diverge fundamentalmente da direita nem das suas políticas e opções fundamentais. Por esta razão, a real alternativa nunca virá do PS, com ou sem Pedro Nuno. Saibamos reconhecer este facto e fazer-lhe a oposição devida.

Diogo Machado
Sobre o/a autor(a)

Diogo Machado

Mestre em Relações Internacionais e trabalhador do setor financeiro
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