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A ómicron a fechar as economias europeias e a vacina a encher os cofres das farmacêuticas

A cada segundo que passa, Pfizer e Moderna lucram 880€ pela venda das vacinas. Ao contrário do que prometem os arautos do mercado livre, o aumento da produção e a concorrência não baixaram os preços das vacinas.

Estamos prestes a completar um ano do início do processo de vacinação contra a Covid-19. Em Portugal, um sucesso inquestionável: basta ver pelo número de mortes e de internamentos. Mas cedo, várias organizações internacionais, entre as quais a Organização Mundial de Saúde (OMS), alertaram os governos dos países mais ricos para a necessidade de vacinar o mundo todo ao mesmo tempo, sob pena de deixarmos o vírus proliferar em áreas de baixa vacinação, mutando, originando novas variantes e reinfectando de novo a população vacinada. O que fizeram esses governos? Ignoraram os avisos, açambarcaram vacinas e esqueceram África! Et voilà... surgiu a Omicron. Nova variante, muito mais contagiosa e que agora grassa pela Europa!

Os recentes números da infeção por SARS-Cov2 têm deixado os europeus perplexos: Reino Unido e Alemanha atingiram recordes diários, Itália e França caminham no mesmo sentido. É verdade que há uma gigantesca diferença em relação às vagas anteriores: o número de mortes e de internados é muito menor e isso é fundamental para manter serviços de saúde em funcionamento. No entanto, apesar da menor gravidade, vários países europeus estão já a adoptar novas medidas de confinamento, fecho de escolas, limitação de serviços. E isso tem efeitos na educação das crianças, na economia dos países, no normal funcionamento das nossas sociedades.

Há um ano, a OMS pediu a abertura das patentes das vacinas para facilitar a distribuição global de vacinas. As farmacêuticas opuseram-se e os governos dos países ricos fizeram-lhes o favor de protegerem os seus lucros milionários. Nenhum argumento para a recusa da abertura das patentes se mantém de pé! Falta de tecnologia para a produção? Se tivessem aberto as patentes no início do ano, por esta altura já se tinha instalado capacidade noutros locais! Logística? Qualidade do produto? Falta de supervisão? Esqueceram-se que a Índia (um dos países que pediu a abertura das patentes) é o maior produtor mundial de medicamentos? Então os medicamentos que consumimos hoje nos países ricos e que vêm, maioritariamente, de fábricas localizadas na Ásia não têm qualidade e não são supervisionados? Falta de infraestrutura de saúde para distribuir as vacinas? O mesmo argumento utilizado no caso da SIDA e que caiu por terra quando se percebeu que a adesão dos povos Africanos aos medicamentos era pelo menos tão boa quanto a dos países ricos.

No final de 2021, os países mais pobres distribuíram apenas 9,3 vacinas por cada 100 pessoas, ao passo que nos países ricos se distribuíram 155 vacinas por cada 100 (sim, mais vacinas que pessoas). Das 700 milhões de doses previstas para chegar aos países mais pobres até ao final do ano, chegaram até hoje apenas 40 milhões (Winnie Byanyima, da ONU). Até à data, na Europa foram compradas 4,6 mil milhões de doses para 448 milhões de pessoas.

Os pedidos de abertura das patentes foram generalizados, das Nações Unidas à OMS, de António Guterres ao Papa, passando por todas as organizações que estão no terreno. As recusas dos países ricos mantêm-se

Os pedidos de abertura das patentes foram generalizados, das Nações Unidas à OMS, de António Guterres ao Papa, passando por todas as organizações que estão no terreno (em África) há vários anos e conhecem bem as populações destes países. As recusas dos países ricos mantêm-se. A Comissão Europeia, com o apoio dos governos europeus, não só permitiu como promoveu esta pornográfica ascenção de lucros, assinando contratos opacos com as farmacêuticas, mantendo uma parte da população mundial excluída das vacinas e prejudicando a suas próprias economias.

E se dúvidas houvesse sobre as prioridades da Comissão Europeia, basta ler o contrato que assinou com a CureVac, que estabelece o pagamento de indemnizações à farmacêutica no caso de surgirem efeitos secundários da vacina ou concede à farmacêutica o poder de decidir se a União Europeia pode enviar vacinas para África.

A cada segundo que passa, Pfizer e Moderna lucram 880€ pela venda das vacinas. São 52.800€ por minuto, 3.168.000€ por hora, 76.032.000€ por dia, mais de 2 mil milhões por mês! (People’s Vaccine Alliance). Ao contrário do que prometem os arautos do mercado livre, o aumento da produção e a concorrência não baixaram os preços das vacinas. Pfizer e Moderna aumentaram o preço cobrado à União Europeia, no segundo contrato que assinaram ambas as partes. O gráfico seguinte ilustra essas diferenças:

Preço unitário das vacinas (em dólares dos EUA)

Fonte: Investigate Europe

Toda esta triste história se resume numa simples frase: para proteger os lucros das farmacêuticas, os países ricos deixam os Africanos desprotegidos e prejudicam as suas próprias economias. A solução também é simples: basta cumprir os acordos internacionais de comércio (convenção de Doha) e abrir as patentes, conforme está previsto em situações de emergência sanitária. Por enquanto, ficamos a ver a ómicron a fechar as economias europeias e a vacina a encher os cofres das farmacêuticas.

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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