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O escândalo (silencioso) das rendas elétricas

Portugal paga a eletricidade mais cara da Europa e bate recordes de mortalidade excessiva no inverno.

Agora que a Direita se calou acerca do imposto sobre a fortuna imobiliária dos 1% mais ricos, muita gente se interroga: como foi possível tanto ruído, tanto insulto e manipulação contra uma medida de justiça social redistributiva? Como conseguem os 1% mais ricos ter tanta voz, e tão alta? Trato hoje de outro exemplo, este esquecido. Aqui é o silêncio (e não o ruído) que é de ouro. Falo das rendas excessivas do setor elétrico, os lucros garantidos que o consumidor paga na fatura da luz.

A privatização da EDP consistiu na criação de uma renda para os privados: um negócio com rentabilidade garantida pelo Estado a pagar pelos consumidores quaisquer que sejam os preços do "mercado". Em 2004, o Governo Barroso, assessorado pela Goldman Sachs, alterou estes contratos, fixando obrigações ainda mais gravosas para o Estado e para os consumidores. Este tipo de erro repetiu-se na introdução das energias renováveis, cujos promotores privados não só conseguiram contratualizar preços altamente subsidiados como fixar prazos muito longos - e difíceis de justificar - para esse subsídio. Foi assim que, no ano passado, a multinacional chinesa EDP Renováveis registou 21% dos seus lucros em Portugal, onde apenas produz 7% da sua energia.

O escândalo das rendas excessivas era tal que a própria troika achava necessário revê-las. Mas essa foi a parte esquecida do memorando. O secretário de Estado da Energia que iniciou esse trabalho acabou por ser afastado, com Mexia e Catroga a brindar nos gabinetes. Resultado: Portugal paga a eletricidade mais cara da Europa e bate recordes de mortalidade excessiva no inverno.

Para estancar esta dívida e baixar a fatura elétrica, para combater a miséria energética, é preciso a coragem de tocar nas rendas garantidas. O alargamento da tarifa social (a pagar pela EDP) foi o primeiro passo. Depois do alerta lançado pelo Bloco, o Governo prepara-se para poupar milhões desperdiçados no "subsídio de interruptibilidade" que tem sido pago a meia centena de indústrias por um serviço à rede que muitas nem estão em condições de prestar. Mas é preciso rever também as rendas das próprias elétricas e chamar as renováveis a contribuir para que o país acerte as contas da energia. Agora que estão estabelecidos e sustentados, os produtores renováveis devem deixar de estar isentos de qualquer contribuição e devem ajudar a equilibrar o sistema que os apoiou.

Não se vence a pobreza energética sem tocar nos lucros abusivos das multinacionais da eletricidade.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 27 de setembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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