O chauvinismo “português suave" de PNS

porAlberto Matos

27 de janeiro 2025 - 12:28
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Sob a designação generalista de “modo de vida” escondem-se conceitos muito diferentes e até antagónicos. Integração não deve confundir-se com assimilação passiva e acrítica de práticas sociais, mas sim como uma construção ativa que nos enriquece a todos e a todas na medida da sua diversidade.

Em entrevista ao Expresso, Pedro Nuno Santos fez "mea-culpa" por oito anos de governação, tendo este semanário concluído: “o PS vira ao centro na imigração".

Mais importante do que o lugar do PS no cenário nacional e europeu – já lá irei – é dissecar o conteúdo político das afirmações do seu secretário-geral, que provocaram ondas de choque no interior do partido.

A primeira e mais grave mereceu destaque no Observador: os imigrantes têm de “perceber que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada”, revelando um indisfarçável paternalismo em relação aos/às imigrantes que deveriam submeter-se ao “nosso modo de vida”. O insuspeito Eduardo Cabrita respondeu-lhe que não sabe o que é isso do “modo de vida português”, tal como Ana Catarina Mendes e outros dirigentes do PS.

Direitos Humanos são universais

Sendo mais de 90% dos imigrantes trabalhadores nas profissões mais duras e indispensáveis, mas tantas vezes invisíveis, a que “modo de vida” devem habituar-se? Ao chico-espertismo e à violência patronal? À fuga ao fisco e ao pagamento dos descontos para a segurança social? À precariedade e, no limite, ao trabalho escravo? A calar e suportar insultos como “volta para a tua terra” e a agressões racistas e xenófobas? Ou a resistir, organizar-se e lutar lado a lado com a classe trabalhadora de que são uma parcela muito significativa?

Sob a designação generalista de “modo de vida” escondem-se conceitos muito diferentes e até antagónicos. Integração não deve confundir-se com assimilação passiva e acrítica de práticas sociais, mas sim como uma construção ativa que nos enriquece a todos e a todas na medida da sua diversidade. Numa sociedade polarizada, onde crescem as desigualdades, a ideologia dominante é a da classe dominante e, por isso, a construção intercultural é também um ato de resistência contra-hegemónico.

Mariana Mortágua

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04 de junho 2024

Afinal, PNS quer imigrantes cidadãos de corpo inteiro, iguais em direitos e deveres, ou “assimilados” e submissos? Sem esquecer que séculos de colonialismo deixaram uma marca indelével, persistente e porosa de racismo, xenofobia e chauvinismo imperialista.

A islamofobia e a hindustanofobia são hoje pontas de lança de velhas políticas de dividir para reinar, como se o fundamentalismo ou a violação dos direitos das mulheres fossem exclusivos de uma religião ou cultura – vide os ataques ao aborto legal na Europa e nos EUA.

Um recuo de 17 anos

Outro tema em destaque na entrevista de PNS foi a rejeição da manifestação de interesse, sob o aplauso geral da direita, com remoques do PSD de que o PS se tinha convertido às posições do governo e com o Chega a vangloriar-se de trazer o PSD e agora o PS a seu reboque.

Vamos por partes. O mecanismo da manifestação de interesse remonta ao governo Sócrates, aos artigos 88-2 e 89-2 da Lei de Imigração, 23/2007. É verdade que na versão inicial, a possibilidade de regularização de quem fosse portador de um visto de turismo, conseguisse um contrato de trabalho e a inscrição na segurança social, era considerada um procedimento excecional e oficioso, sujeito ao critério discricionário do SEF – uma espécie de “favor” que o Estado podia ou não conceder.

Já no quadro da “geringonça”, a Lei 59/2017 reconheceu que este procedimento era a regra e não exceção na regularização de imigrantes, como os números provam de forma exuberante. O que era oficioso tornou-se oficial, o “favorzinho” foi reconhecido como um direito, sujeito às garantias do Código de Procedimento Administrativo e ao prazo de 90 dias que o Estado nunca cumpriu – a situação agravou-se com a pandemia, ultrapassando os dois anos.

É óbvio que “o PS não fez tudo bem”, começando por contemporizar com a sabotagem deste processo dentro do SEF, logo em 2017, até à demissão da Diretora Nacional. Só em 2020, após o bárbaro assassinato de Ihor Homeniuk, após horas de tortura no centro de detenção do Aeroporto de Lisboa, o governo decidiu extinguir o SEF – um processo arrastado até Outubro de 2022 e que conduziu a um acumulado de cerca de 400 mil processos em atraso.

Foi e continua a ser evidente a falta de resposta dos serviços públicos – saúde, educação, finanças, segurança social e outros – à crescente procura, não só, mas também de imigrantes.

Qual efeito de chamada?

Mas o pior desta entrevista é que PNS se rendeu ao argumentário da direita, segundo o qual a manifestação de interesse provocaria um “inegável efeito de chamada” de imigrantes, no que foi secundado pelo inefável e presidenciável António Vitorino, há tempos nomeado por Luís Montenegro para liderar o Conselho Nacional para as Migrações .

Considerando a procura intensa de mão-de-obra em setores como a agricultura, a construção civil e o turismo, com os números do desemprego em mínimos históricos, esta tese rebate-se numa simples frase: “É a economia, estúpido”! Nem é preciso ser marxista para reconhecer que a base económica é determinante; as leis respondem, quase sempre em atraso, ao pulsar duma economia que, em Portugal, se caracteriza pelos baixos salários. É este o verdadeiro efeito de chamada!

Basta olhar para a vizinha Espanha, onde a regularização de imigrantes é um calvário e, só na província de Huelva, em 2022, o número de imigrantes sazonais perfazia três vezes Alqueva e cinco vezes Odemira. Com uma diferença: não podem apresentar queixa às autoridades e, além de explorados pelas máfias patronais, ainda têm de fugir à polícia. É este o paradigma do Vox, do Chega e do governo da AD. Mas não pode ser o projeto da esquerda.

Sobre o fim da manifestação de interesse, vale a pena citar o artigo de Ana Mendes Godinho, deputada do PS e ex-ministra do Trabalho, no Público de 4 de janeiro, até pelo conhecimento concreto da realidade.

“Quando a ideologia empurra trabalhadores para o beco da escravatura” 
“Era mais do que previsível que o fim do mecanismo da manifestação de interesse suscitaria, de imediato, problema óbvios: 
• Empresas que precisam de contratar trabalhadores não o conseguem; 
• Empresas que desejam regularizar os descontos para a Segurança Social não o podem fazer, porque o processo de atribuição imediata do NISS foi suspenso; 
• Trabalhadores a laborar sem serem declarados, numa clara imposição da realidade sobre a burocracia e a ideologia; 
• Trabalhadores que, mesmo contratados, continuam fora do sistema, porque a lei não permite a sua regularização; 
• Trabalhadores sem direito a seguro de acidentes de trabalho, sem cobertura pelo sistema de Segurança Social e sem acesso ao Serviço Nacional de Saúde; 
• Trabalhadores que, apesar de cumprirem as suas funções, são tratados como se não existissem; 
• Crianças que perdem o acesso a apoios escolares porque os pais, apesar de contribuírem, não possuem os documentos adequados para serem reconhecidos pelo sistema. Em vez de admitir o erro, o Governo faz agora uma fuga para a frente. Se mal estavam os trabalhadores imigrantes, pior vão ficar.”

Está tudo dito. Acossado por críticas internas e externas, o secretário-geral do PS anunciou para a próxima semana uma iniciativa legislativa que permita regularizar imigrantes portadores de um visto de turismo e que, entretanto, tenham obtido um vínculo laboral. Ao mesmo tempo, reafirma “não ter fé” na manifestação de interesse.

A ver vamos que coelho sairá da cartola, com uma certeza: não precisamos de processos de regularização extraordinária que mantêm vidas em suspenso; nem de favores ao desporto profissional ou à construção civil; nem da “via verde” anunciada para empresas que tenham um “comportamento ético”.

Independentemente do nome do nome que lhe queiram dar, Portugal precisa de voltar a ter um “mecanismo” de regularização permanente que integre quem nos procura para viver e trabalhar, respondendo em tempo útil às necessidades da economia e das pessoas, sem esquecer o reagrupamento familiar. Estes são apenas os primeiros passos de uma integração humanista e respeitadora dos direitos humanos.

Sinais dos tempos

Da entrevista de PNS e das suas réplicas durante o fim de semana, fica a marca indelével da cedência às pressões da direita e da extrema-direita. Não é, aliás, uma novidade histórica. Já vimos este filme em França. A direita com Sarkozy copiou a agenda de Le Pen,  insultando a “racaille” (escumalha) dos bairros sociais e dos guetos das periferias. O PS indignou-se mas, sob a presidência de François Hollande, copiou a mesma agenda xenófoba e racista, numa França eivada da mentalidade colonial e chauvinista. Hoje, com Macron ao leme e Marine Le Pen à espreita, a France Insoumise reergueu a bandeira da Frente Popular.

Por cá, o governo e a polícia encostam os imigrantes à parede, sob aplauso da extrema-direita. E é neste momento que PNS recua, na imigração e não só. Em tudo isto, é impossível não ver uma adaptação aos ventos da "nova era" trumpista.

Saibamos juntar forças para resistir e rasgar novos horizontes

NÃO PASSARÃO!

Alberto Matos
Sobre o/a autor(a)

Alberto Matos

Dirigente do Bloco de Esquerda, Ativista da Solidariedade Imigrante no Alentejo
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