Não panicar. Militar. Organizar

porManuel Afonso

10 de novembro 2024 - 21:20
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Um fascista voltou ao poder na maior potência mundial. As ondas de choque em 2016 foram enormes, agora serão maiores. Resistimos hoje para contra-atacar amanhã.

Nuvens de chumbo. Um fascista voltou ao poder na maior potência mundial. As ondas de choque em 2016 foram enormes, agora serão maiores. 2024 será o primeiro ano em que as temperaturas médias da Terra superarão os 1,5.º acima da média do período pré-industrial – ou seja, o teto do Acordo de Paris. A catástrofe em Valência mostra o que isso significa; mas estas cheias mortais só se distinguem de outros eventos extremos por nos serem próximas – do Bangladesh ao Caribe, tais fenómenos são recorrentes. Na Palestina e no Líbano, o genocídio corre solto, podendo escalar para uma guerra aberta na região. No Sudão, o cenário é igualmente tenebroso, apenas menos visível. A guerra na Ucrânia ameaça o mundo com um conflito global. Mas não só: Tawian ou as Coreias têm igual potencial explosivo. O perigo de catástrofe nuclear concorre com o do colapso climático. Internacionalmente, há lutas e resistência. A esquerda existe e resiste. Mas o cenário é de ascensão do fascismo e de recuo da esquerda, sobretudo dos seus setores mais combativos. A classe dominante escolhe cada vez mais um grande salto para o abismo como futuro do capitalismo. Não é estupidez, apenas a lógica inerente ao sistema. O autoengano de nada serve: a situação é duríssima.

Ângulos mortos. Há quem compare estes dias aos anos 30 do século passado, quando Hitler, Mussolini, Franco e Salazar caminhavam para o poder e o mundo para a guerra total. Todas as analogias são parciais. A meia-noite do século, quando os exércitos nazis ocupavam quase toda a Europa e visavam o mundo, parecia inaugurar mil anos de chumbo. Três, quatro, cinco anos depois, os exércitos aliados, mas também os povos ocupados, derrubaram o eixo e as ditaduras. Na Grécia, na Albânia, na Jugoslávia, na China, a resistência nacional transbordou em revolução social. No ocidente, a militância operária revivia, conquistava-se o Estado Social, o voto feminino, os sindicatos ganhavam um poder inaudito. Os fascistas, ontem senhores, eram julgados, condenados, marginalizados. Uma onda de movimentos nacionais ruía os impérios coloniais. Alguns revolucionários marxistas anteciparam estas possibilidades latentes, mesmo quando nem os seus protagonistas as anteviam. Mas foram poucos. No auge do nazismo, a esquerda estava prostrada, a classe trabalhadora esmagada e faminta. Parecia impossível a esperança. Isto acontece, ontem e hoje, porque é natural ver o mundo a partir do nosso lugar e o momento. As derrotas turvam a visão, apequenam as expectativas, diluem a estratégia. São os ângulos mortos da história. Reconhecer o quão defensiva é a situação atual é uma lucidez imprescindível; confundir esse reconhecimento com o encerramento das possibilidades históricas é derrotarmo-nos a nós mesmos. O recuo do horizonte é ilusório: é o ponto de observação que há muito que não era tão baixo. Para lá do que a vista alcança, há mundo e ele move-se. Por vezes, muito rápido. Será isto fé? Talvez. Mas fundamentada na experiência histórica.

Um passo em frente. Durante a meia-noite do século, uma chama do futuro ardia na tenaz resistência do gueto de Varsóvia. A derrota da sua insurreição, em 1943, pronunciou não o esmagamento final da Europa, mas o fim do nazismo. Não há opressão sem resistência. Os mais explorados, oprimidos, invisibilizados, esquecidos – são mesmo esses que se levantam e levantarão. Vemo-lo quando os bairros da periferia ocupam a Avenida da Liberdade; quando uma onda de solidariedade com a Palestina incendeia as universidades do Império; quando operários ocupam a fábrica GKN em Florença, por empregos e pelo Planeta. Os povos não pedem autorização para levantar a cabeça. Sejamos honestos: não precisam da esquerda para o fazer. Mas queremos mais: não basta resistir; lutamos para vencer. A classe dominante poderá fazer concessões, mas não abandonará o poder a bem – não entregará a cidadela armada do capital. Ela tem de ser tomada, porque com o poder nas mãos de uma minoria oligárquica, a guerra e o colapso ecológico não serão travados. Resistimos hoje para contra-atacar amanhã. A resistência é espontânea, mas a vitória tem de ser preparada. Exige estratégia, organização, reflexão e ação coletivas. Precisamos de esquerda, movimento e partido. É preciso dar um passo em frente.

Quem está desanimado, que se indigne. Quem está revoltado, organize-se. Se és simpatizante, adere; se és aderente, milita. Deixemos o pessimismo para dias melhores.

Manuel Afonso
Sobre o/a autor(a)

Manuel Afonso

Assistente editorial e ativista laboral e climático
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