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Não há Orçamento porque António Costa não quer

O Governo pede à Esquerda que aceite a inevitabilidade da permanência das leis da troika no país. Em troca, oferece apenas intransigência e a ameaça de uma crise política.

Depois de ter rejeitado um acordo para a legislatura, de ter falhado o cumprimento de várias medidas negociadas anteriormente, e de ter ignorado as propostas do Bloco na preparação do Orçamento, o Governo pede à Esquerda que aceite a inevitabilidade da permanência das leis da troika no país. Em troca, oferece apenas intransigência e a ameaça de uma crise política.

Quarta-feira é votado o Orçamento do Estado, e até agora o Governo não conseguiu explicar porque se recusa, por exemplo, a repor o valor das horas extraordinárias, a voltar atrás nas indemnizações por despedimento (voltando ao que constava do Código de Trabalho de Vieira da Silva!) ou a acabar com o fator de sustentabilidade (como esteve previsto na anterior legislatura).

Em resposta a propostas sérias, há muito defendidas pela Esquerda, o Governo quer apenas regatear. Diz que aceita repor o valor das horas extraordinárias, mas não refere que esse aumento só se aplica a partir da 120ª hora, quando o limite legal são 150 horas. Argumenta que cedeu nas indemnizações por despedimento, mas não fez nenhuma proposta para repor as compensações neste caso. Recusa-se a tocar no fator de sustentabilidade, e procura até confundir o debate dizendo que está em causa a sustentabilidade da segurança social, o que não tem sentido. A proposta do Bloco não toca na idade da reforma nem sequer no corte de 6% ao ano, que se mantém para muitas reformas antecipadas. O que pretendemos é apenas retirar o corte de 15,5% na pensão de quem tem mais de 60 anos de trabalho e 40 de descontos e recalcular as pensões de pessoas com muito longas carreiras contributivas que foram penalizadas pela troika de uma forma que hoje já não seria possível. O Governo argumenta que a medida é cara, mas sempre se recusou a apresentar os dados que sustentam essa afirmação. De resto, eliminar integralmente o fator de sustentabilidade foi posto em cima da mesa pelo anterior ministro do PS, Vieira da Silva. E o precedente dos recálculos foi aberto em 2020 pelo próprio Governo. Em troca desta recusa incompreensível, o Governo admite revogar o corte do fator de sustentabilidade apenas a trabalhadores com mais de 80% de incapacidade, mais de 60 anos e 20 de carreira contributiva, mantendo nestes casos, contudo, um corte de 39,5% na pensão (o tal fator de redução) Ou seja, uma medida que não só não está relacionada com a proposta do Bloco como abrange muito poucas das pessoas com graus elevados de incapacidade a quem o Governo insiste em manter os cortes.

Se o Governo quer aprovar o Orçamento à Esquerda então deve ceder à Esquerda em medidas que respeitem o seu mandato eleitoral. Regatear, decidir pelos outros partidos quais as suas prioridades, obrigando-os a abdicar permanentemente do objetivo mínimo de destroikização das regras da nossa sociedade não é procurar um acordo. É estar indisponível para fazê-lo.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 26 de outubro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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