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Covid-19: agir agora, não deixar ninguém para trás e preparar o futuro

O momento que vivemos é de emergência. As consequências da crise epidemiológica far-se-ão sentir na economia de forma pesada. Mas o modo como isso vai acontecer depende do que fizermos e de como nos organizarmos para o futuro.

1. Agir agora

Há o vírus e o combate a travar no campo da saúde pública. Mas há também a nossa reação enquanto sociedade e a nossa resposta enquanto comunidade. Já foi sublinhado, e faço-o também. Uma parte deste combate passa por cada um de nós, individualmente: isolamento e abrandamento das interações sociais, lavar as mãos, evitar tocar nos olhos, nariz e boca. Outra parte passa por decisões coletivas que estão a ser tomadas: suspender as aulas presenciais, restringir o acesso aos espaços comerciais que concentram muita gente, privilegiar a realização do trabalho a distância, multiplicar canais de informação credível sobre o que se passa. Em tempos de emergência, não devemos olhar a meios para travar esta batalha. Por isso, este combate passa por decisões políticas inadiáveis: reforçar já o Serviço Nacional de Saúde, garantir a autonomia para contratação temporária e aquisição de equipamento, suspender tudo o que não seja urgente, garantir o acesso gratuito à Linha de Saúde 24 (que nem sequer devia estar concessionada), não ter medo de avançar para a requisição civil dos profissionais, dos equipamentos e das instalações do setor privado de saúde sempre que se afigure necessário. É com o Serviço Nacional de Saúde que todos contamos: todos os meios existentes devem agora ser colocados ao seu serviço.

2. Não deixar ninguém para trás

Para que as pessoas possam parar, é preciso que haja condições e que se garantam os seus rendimentos, sob pena de somarmos à crise epidemiológica e sanitária uma crise social. Por isso, é correta a medida já anunciada de alargamento da baixa por doença aos casos de isolamento profilático e que seja paga a 100%, quer para trabalhadores com contrato quer para recibos verdes. É correto, também, que se preveja a justificação das faltas dos pais e mães que ficam em casa com os filhos, embora talvez se devesse alargar essa norma para além dos 12 anos. E, como dizemos desde a primeira hora, não se pode esquecer todos os trabalhadores independentes, com rendimento flutuante, com proteção social de segunda e que não gozam dos mecanismos de manutenção de rendimento que foram historicamente pensados para os trabalhadores por conta de outrem. Por isso, proteger todos e não deixar ninguém para trás deve ser uma prioridade. É uma vitória importante que o Governo tenha incorporado, nas propostas que ontem à noite aprovou, a criação de uma forma de manter o rendimento para os trabalhadores a recibo verde que estão a ver canceladas as suas atividades, ou de diferir no tempo as suas contribuições.

Contudo, permanecem três preocupações.

Primeira: o grau de proteção e os montantes pagos. Ao contrário da licença para acompanhamento a filhos (que o Orçamento prevê que seja paga a 100%), os pais e mães que fiquem com as crianças por causa do encerramento das escolas vão receber 66% do salário. Para salários baixos, e se a situação for prolongada, pode criar situações complicadas que têm de ser acauteladas. Por outro lado, no caso dos recibos verdes, recebem 1/3 do seu rendimento médio dos últimos três meses. Ora, é imprescindível garantir, a este nível, que um limiar mínimo absoluto permita pagar as contas básicas. E é preciso considerar que há, em Portugal, centenas de milhares de trabalhadores cujo trabalho é feito na informalidade, como as trabalhadoras domésticas, que também devem ter uma resposta. Finalmente, é preciso que o lay-off não seja a política geral para um momento de dificuldade – porque pode ser submetido a inúmeros abusos patronais, porque é um convite à suspensão dos contratos, porque não é a única possibilidade de proteger emprego para períodos em que a produção decresce (como lembraram os operários da Autoeuropa), porque o corte no rendimento cria constrangimentos individuais e é mau para a economia.

Segunda preocupação: as populações vulneráveis. O Governo já anunciou algumas medidas neste campo, mas não é demais insistir. As cantinas das escolas devem continuar a fornecer refeições, por exemplo em take-away, às crianças e famílias que dependem daquelas para poderem alimentar-se em condições. Os idosos dependentes, bem como as pessoas com deficiência e doença crónica, não podem ficar, de um momento para o outro, sem o apoio domiciliário, ainda que seja preciso garantir a proteção dos profissionais que o fazem, para que não sejam expostos a riscos nem exponham a riscos as pessoas que cuidam. As pessoas em situação de sem-abrigo não podem ficar sem acesso aos balneários de que depende a sua higiene (como aconteceu no centro do Porto), ou ficar sem refeições (que, ao estarem muitas vezes dependentes de voluntários, já estão em risco) ou sem um sítio onde fazer quarentena. Num momento destes, não pode haver despejos nem cortes de água ou de luz.

Terceira preocupação: não rebentar com a segurança social. O maior erro da generalização do lay-off como resposta, no campo do emprego, a uma crise deste tipo seria, além do problema no rendimento imediato dos trabalhadores, pôr os seus descontos a pagar as dificuldades das empresas e da economia. Que tem de haver medidas excepcionais, é evidente. Mas todas estas medidas devem ser pagas por via de uma transferência extraordinária do Orçamento de Estado, para o qual todo o tipo de riqueza contribui através dos impostos, e não delapidando o sistema contributivo da Segurança Social, que é no fundo uma parte do salário dos trabalhadores.

3. Preparar o futuro

O momento que vivemos é de emergência. As consequências da crise epidemiológica far-se-ão sentir na economia de forma pesada. Mas o modo como isso vai acontecer depende do que fizermos e de como nos organizarmos para o futuro. Num artigo hoje publicado, argumenta-se em favor de uma “Economia da sensatez”. A OCDE e até o FMI já reconhecerem, com efeito, que é preciso uma visão da política orçamental totalmente diferente se queremos evitar uma depressão económica com custos sociais gravíssimos. A ortodoxia económica e o fetiche do superavit orçamental devem ser, assim, imediatamente abandonados. O pacote financeiro anunciado pela Comissão Europeia é, desse ponto de vista, risível. A obsessão com o cumprimento de metas irracionais estabelecidas nos tratados seria de uma intolerável inconsciência e irresponsabilidade. Investimento a sério, um programa de reconstrução do emprego e da economia e o reforço da proteção social devem ser prioridades para impedir que mergulhemos a seguir numa longa depressão. O instrumento de que dispomos para esta política económica é o Estado. Convinha que nos preparássemos já para isso.

Artigo publicado em expresso.pt 13 de março de 2020

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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