A COP29 defraudou todas as expetativas – como, de resto, todas as outras. Esta conferência foi chamada a ‘cimeira do financiamento’ devido à necessidade, imposta pelos Acordos de Paris de 2015, de rever o montante de financiamento climático concedido pelos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento. O antigo compromisso de 100 mil milhões USD anuais, atingido apenas em 2022 com dois anos de atraso, foi triplicado e enquadrado num objetivo mais global 1.3 biliões USD por ano, contando com financiamento de outras origens, nomeadamente privado.
Conforme denunciado por vários delegados de países em desenvolvimento, o acordo da COP 29 é muito insuficiente para colmatar as suas necessidades de financiamento, estimadas em 2.4 biliões USD anuais até 2035. Globalmente, estima-se que o financiamento necessário para atingir o objetivo de 1.5ºC seja entre 6.7 e 11.7 biliões USD anuais até ao mesmo ano, o que representaria um aumento de pelo menos 6 vezes do valor registado em 2023, o mais alto de sempre (cerca de 1.5 biliões USD).
Refira-se, de passagem, também que o investimento em combustíveis fósseis a nível mundial atingiu os 1.1 biliões USD em 2023, tendo aumentado uns chocantes 28% nas economias desenvolvidas entre 2020 e 2022. Em paralelo, os subsídios aos combustíveis fósseis mais que triplicaram neste período, tendo atingido um novo recorde de 1.4 biliões USD em 2023.
As perspetivas são sombrias. Diversas organizações alertam para o facto de já nos encontrarmos muito longe do limite de aumento da temperatura global a 1.5ºC, acordado em 2015, a partir do qual os riscos das alterações climáticas serão «elevados, graves e generalizados». O IPCC alerta que num cenário de manutenção das políticas atuais caminhamos para um aquecimento que pode superar os 3ºC até 2100. Assim, a próxima década é absolutamente decisiva e irrecuperável: se não cortarmos as emissões de GEEs em cerca de 43% até 2030 e 60% até 2035, o objetivo de 1.5ºC neste século será inalcançável.
Mesmo que os Estados respeitassem os seus compromissos de redução de emissões e de chegada a net zero, o que não tem acontecido, isso não chegaria para cumprir este objetivo. Neste contexto em que precisamos urgentemente de metas de redução de emissões muito mais ambiciosas e de financiamento adequado para as atingir, os Estados comprometeram-me com verbas irrisórias, sendo que o elemento de transferências diretas é minoritário no objetivo global, confiando-se cegamente na ‘mobilização’ do capital privado. Posto isto, importa debater não só o volume do financiamento, mas também a sua composição e utilização.
A falência do modelo atual de combate à crise climática
Esta reflexão tem que começar por uma constatação óbvia: o modelo vigente falhou. Até agora, temos sido absolutamente incapazes de reduzir drasticamente as emissões como se exige, estando perigosamente perto de um ponto de não retorno. Prova disto é o facto de, na década onde o corte de emissões é mais urgente do que nunca, 2024 vir a ser o ano com mais emissões de que há registo e o primeiro cuja subida de temperatura anual ultrapassará os 1.5ºC. Caminhamos a passos largos para a catástrofe – evitá-la requer uma mudança radical do nosso modo de produção.
A finança é a pedra de toque desta mudança. É necessária uma transição estrutural das nossas economias de atividades com altas emissões para produção e modos de vida sustentáveis e com baixa intensidade carbónica. Como já vimos, este é um empreendimento muito dispendioso, que, por isso, não dispensa o contributo das instituições e mercados financeiros, especialmente num contexto em que os Estados têm limitada capacidade orçamental, particularmente no Sul Global, onde vários Estados enfrentam graves problemas de endividamento e de acesso a financiamento.
Neste contexto, como mobilizamos financiamento para a transição climática? A abordagem até agora tem sido de deixar o setor privado e os mercados financeiros liderar esta transição. Segundo esta abordagem, as alterações climáticas são um caso clássico de uma ‘externalidade negativa’, partindo do princípio que os agentes económicos têm subestimado os riscos climáticos porque não sentem diretamente os custos das suas emissões. Bastaria, então, fornecer-lhes informação e incentivos no sentido de internalizarem estes riscos nos preços e assim corrigir esta ‘falha de mercado’. Assim, a intervenção pública limitar-se-ia:
- a fornecer informação aos agentes económicos privados conducente a uma avaliação adequada dos riscos climáticos;
- influenciar os sinais de preços, ajustando os perfis de risco/retorno de investimentos privados em função do seu impacto ambiental, nomeadamente através de recursos públicos ou da socialização do risco (taxas de carbono, mercados de emissões, contratos por diferença, etc.).
Neste sentido, a sabedoria convencional liberal diz-nos que os agentes económicos reorientar-se-iam rapidamente para atividades verdes por puras considerações de ‘racionalidade económica’, pois estas tornam-se menos arriscadas e mais lucrativas. O problema desta lógica é que ela não encontra pura e simplesmente respaldo na realidade.
Apesar de um declínio consistente nos preços da energia solar e eólica, os investidores tardam em fazer os investimentos necessários nas mesmas e continuam viciados nos combustíveis fósseis, cujas empresas bandeira expandem a produção e obtêm lucros recorde. Por outro lado, os fluxos financeiros privados continuam a estar extremamente concentrados nos países desenvolvidos, excluindo grande parte do mundo de acesso a este tipo de financiamento, que acarreta para os países em desenvolvimento taxas de juro muito mais elevadas do que as que os países desenvolvidos têm acesso.
Apesar da (incipiente) regulação financeira com objetivos climáticos, dos incentivos ao ‘greening’ dos portefólios e créditos, e da retórica de ESGs, uma descarbonização liderada pelo setor privado nunca será eficaz por várias razões. Primeiro, o foco na questão do risco sobrestima a capacidade de o medir e a capacidade de os agentes económicos o incorporarem. É também sabido que muitas destas taxonomias de risco são desenvolvidas por privados ou então fortemente condicionadas por lobbys destes, o que obviamente leva a captura regulatória, limitando a sua eficácia.
Segundo, as empresas intensivas em carbono continuam a ter uma vantagem de incumbente e a ser apelativas para investidores. A complexidade e opacidade dos mercados financeiros fornecem vários caminhos para a continuidade do financiamento a dirty activities. Mesmo que os bancos e os investidores institucionais se estejam a afastar progressivamente destas em transações públicas, há evidências de que têm feito justamente o percurso oposto nos mercados privados (e.g., hedge funds, private equity). A regulação mais relaxada destes segmentos, nomeadamente no que toca às exigências de transparência, criou vias alternativas de crédito e capital de grande escala para estes setores problemáticos.
Fica claro que deixar os mercados (financeiros) funcionar, relegando o Estado a um mero papel de assistência, não provocará uma realocação sistémica de capital para atividades de baixas emissões. Falhará, assim, em salvar-nos da crise climática.
Intervenção pública e controlo da finança
Um punhado de investidores e grupos financeiros tem hoje a posse e o controlo dos recursos que podem condenar-nos à crise climática, ou salvar-nos dela. É urgente, pois, debater formas de controlo público da finança, pois é mais do que justo que sejam os povos a decidir democrática e coletivamente como alocam os recursos por eles gerados, sobretudo quando está em causa a sua existência. Estas decisões fundamentais não podem ser deixadas a uma elite económico-financeira, até porque foi ela que nos trouxe até à situação de emergência atual. Além disso, a condução da descarbonização pelo capital privado é incompatível com a magnitude e a velocidade necessárias para a transição climática, exigindo, em vez disso, forte direção e coordenação públicas.
Por esta razão, o Estado terá que ir muito além de melhorar a informação e ser muleta do capital privado, dando-lhe incentivos e absorvendo o risco dos seus investimentos. Terá, pelo contrário, que usar todo o leque alargado de políticas ao seu dispor. Em primeiro lugar, uma política industrial robusta para criar e promover atividades económicas nacionais com potencial de redução de emissões. O investimento público é absolutamente essencial para a transformação estrutural rápida das economias, fomentando a produção de energia renovável e a sua incorporação nas indústrias e nos edifícios, uma rede robusta de transportes públicos e de mobilidade suave, melhorias na gestão do território e reflorestação, a promoção de agricultura sustentável, entre outras. Isto é também uma oportunidade de desenvolvimento nacional, promoção de inovação e criação de emprego.
Em segundo lugar, terá que usar ferramentas regulatórias para limitar o financiamento a atividades de elevadas emissões, estimulando ao mesmo tempo o financiamento a setores alinhados com os objetivos climáticos. Algumas propostas incluem, por exemplo, aumentar rácios de capital quando está em causa o financiamento de empresas/atividades com altas emissões, definir percentagens mínimas de créditos a ‘atividades verdes’ nos portefólios dos bancos, ou quotas para atividades dirty, podendo equacionar-se mesmo a proibição de financiamento a determinados setores.
Terceiro, os bancos centrais devem libertar-se da sua obsessão com o controlo de preços e priorizar metas climáticas no seu mandato. Devem, por exemplo, não comprar obrigações de empresas intensivas em carbono nos seus programas de quantitative easing, não aceitar ativos desta natureza como garantias nas operações de refinanciamento, nem permitir a titularização de empresas (ou de títulos) deste tipo.
No entanto, não estou convencido que bastará disciplinar o capital privado. A propriedade pública tem que voltar a estar em cima da mesa, sendo imperativo o controlo público de empresas chave do setor industrial e da energia, assim como de uma parte significativa do setor financeiro, para assegurar a efetiva descarbonização da economia e os recursos financeiros para o seu efeito. Não há razões para acreditar que a finança privada mobilizará o financiamento necessário voluntariamente.
Mais cético estou ainda de que as transformações necessárias nas nossas economias e modos de vida sejam possíveis num paradigma capitalista. A acumulação de capital não conhece limites, nem sequer os da própria natureza, o que é provado pela resistência histórica do grande capital fóssil à descarbonização das economias. É por isso que acordos como o que sairá da COP29 com pacotes de financiamento cosméticos e aposta na ‘boa fé’ do capital privado, sem contemplar quaisquer mudanças estruturais no modo de produção vigente, estão condenados ao fracasso.