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Chegaram as férias da Páscoa, e agora?

A UNESCO estima que 82,5% dos estudantes do mundo estejam sem aulas, o que representa desafios inimagináveis para os países. A médio prazo, o agravamento das desigualdades sociais; a curto prazo, a dúvida sobre a conclusão do ano letivo.

Uma das primeiras medidas que muitos países tomaram para travar o contágio do COVID-19 foi o fecho das escolas. A UNESCO estima que 82,5% dos estudantes do mundo estejam sem aulas, o que representa desafios inimagináveis para os países. A médio prazo, o agravamento das desigualdades sociais; a curto prazo, a dúvida sobre a conclusão do ano letivo. No imediato, manter as crianças e as famílias em isolamento social, afinal é esse o objetivo de não irem à escola.

Em Portugal, as escolas suspenderam as aulas por determinação do Governo a partir do dia 13 de março, exceto as que foram destinadas a garantir as refeições dos alunos mais carenciados e acolher os filhos de pessoal de emergência. Ao mesmo tempo, encerraram todos os Centros de Atividades Ocupacionais, Centros de Dia e Centro de Atividades de Tempos Livres.

Sem respostas fora de casa, as famílias foram informadas pela Direção Geral de Saúde que o tradicional “recurso aos avós para ficarem com as crianças não é uma boa alternativa”. Graça Freitas foi, aliás, muito firme no apelo aos jovens para pensarem nos riscos de cada saída de casa. “Se um jovem adoecer pode provocar a morte ao seu avô ou avó”.

A questão é óbvia, onde deixar as crianças? A solução encontrada pelo Governo é correta e a única possível. Um regime extraordinário de assistência à família para trabalhadores por conta de outrem ou independentes, acessível a um dos progenitores, que justifica as faltas junto do empregador e mantém parte da remuneração.

É a medida ideal? Não. Tem muitas fragilidades, desde logo todos os riscos do confinamento familiar, mas isso é a tragédia dos tempos que correm. É suficiente? Não. Os valores previstos não substituem o salário, sobretudo no caso dos trabalhadores independentes, e levam a reduções significativas do rendimento familiar, expondo particularmente as mulheres, que têm salários mais baixos e são a maioria das famílias monoparentais.

Mas a medida tem vantagens inegáveis. Cumpre o objetivo de evitar o contacto social e de manter parte da família em isolamento, assegura parcialmente o rendimento, alivia as empresas porque lhes permite dividir com a Segurança Social o encargo deste apoio extraordinário e garante uma coisa fundamental, que é a proteção do emprego.

Sujeita a aperfeiçoamento, a solução estava encontrada. O que já não faz sentido, e tem motivado a incompreensão geral, é a sua interrupção durante as férias da Páscoa. O Governo argumenta que as famílias já tinham esse período acautelado e portanto não é necessário estender o apoio, à exceção das crianças que frequentam creches (porque não têm pausas letivas). No entanto, e como têm vindo a alertar as associações de pais e encarregados de educação, a situação não é bem assim.

Em primeiro lugar, é perigosa a ilusão de que todos os trabalhadores podem tirar férias neste período ou já o fizeram. Muitas famílias contam com colónias de férias, com respostas sociais das autarquias, com o prolongamento das atividades nas escolas e colégios. Tudo isso está fechado. A alternativa mais comum é, outra vez, os avós. Também impossível. Então como vai ser?

Se este apoio for suspenso, os trabalhadores que faltarem ao trabalho não terão justificação e perdem esses dias de salário, agravando a perda de rendimento neste momento de crise. Mas, se retornarem, com quem ficam as crianças? Certamente que não será em casa sozinhas.

Neste momento de fragilidade não nos podemos dar ao luxo de correr nenhum destes riscos. Tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias e esta até nem é nada complicada. O apoio extraordinário de assistência às famílias deve ser prolongado durante as férias da Páscoa. Não basta pedir às pessoas para cumprirem o isolamento social, é preciso dar-lhes condições para ficarem em casa.

Artigo publicado no jornal “I” a 26 de março de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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