A Generalitat da Catalunha (governo autonómico) convocou para 1 de outubro um referendo para que a cidadania catalã se pronuncie sobre a Independência do território. A pergunta expressa é "Quer que a Catalunha seja um Estado independente em forma de República?". Acontece que o Estado Espanhol não autoriza este referendo, recusou mesmo ao longo de anos qualquer negociação com o Parlamento e Governo com sede em Barcelona.
O Tribunal Constitucional tornou público que vai anular a lei catalã, aprovada agora, que permite a consulta. O mesmo tribunal prepara-se para acusar penalmente os seus autores. O Governo espanhol está a tomar todo o tipo de medidas administrativas para barrar a realização do voto de 1 de outubro, incluindo a ameaça de despedimento dos funcionários públicos da Comunidade e das autarquias que colaborem com a organização do ato, como aliás o fez em 2014 em iniciativa similar.
Neste momento, há até um processo judicial em curso, requerido por acólitos de Rajoy, a deputados e membros da Generalitat apenas por terem falado do assunto, delito de opinião, mesmo em sessão no seu próprio Parlamento. Delito de opinião de eleitos!
Toda a ação referendária é equiparada a traição ao Estado pelas autoridades centrais. O governo de Rajoy chegou ao ridículo de ordenar o controlo mensal de gastos na Catalunha para impedir quaisquer despesas relacionadas com a organização do referendo. Tem sido uma história pícara a de saber se há urnas para votar (?) porque Rajoy está no encalço das urnas. Puigdemont, presidente do governo catalão, diz que as urnas estão bem guardadas. A especulação sobre a intervenção da Guarda Civil espanhola, ultrapassando a Guarda Catalã, os Mozos de Escuadra, tem inflamado a discussão popular e suscitado uma contestação que recorda o tempo da ditadura.
E esse é o panorama em progresso: repressão. Os média espanholistas, onde se destaca o El País, para além dos periódicos da direita franquista, vão dramatizando ao dia esse aguardado clímax! Entrou no metafórico deste debate a imagem do choque dos comboios. Nem Rajoy nem Puigdemont vão travar a marcha da colisão.
Se o referendo terá lugar ou será ilegalizado são hipóteses em aberto da luta política. Contudo, os promotores do referendo avisam que a 2 de outubro, consoante os resultados, ou convocam eleições constituintes para elaborar a Constituição da República Catalã ou convocam eleições para o Parlamento da Autonomia. Essa garantia não tranquiliza o espanholismo mais desbragado.
Diz-nos a experiência que nenhum poder abandona as suas prerrogativas sem ser derrotado ou fortemente enfraquecido. Infelizmente, as outras nacionalidades históricas submetidas por Espanha, Euskadi e Galiza, não estão em condições de uma solidariedade ativa com a Catalunha, embora a questão catalã não seja indiferente aos povos que a veem com simpatia.
Há vários sinais que mostram algum desgaste do processo soberanista catalão desde a grande participação na consulta não vinculativa de 2014, logo a seguir ao choque do Tribunal Constitucional ter chumbado um novo estatuto para a Catalunha. Recorde-se que este estatuto autonómico foi anulado, depois de ter passado no Parlamento espanhol e num referendo catalão! Os casos de corrupção da direita nacionalista, Pujol e outros, ajudaram sem dúvida neste desgaste, bem como um longo impasse entre Barcelona e Madrid em torno de uma consulta "consensual",à moda do que aconteceu na Escócia no âmbito da regulação da própria Grã-Bretanha. Estes são os óbices evidentes a que se contrapõem a determinação popular, as maiorias institucionais, e uma radicalidade já sem retorno.
Do lado do Sim estão a Esquerda Republicana (social-democratas), Partido Democrata Europeu Catalão (direita liberal, ex-Convergência), Candidaturas de Unidade Popular (esquerda radical). Do lado do Sim está também o ramo catalão do Podemos, embora contrariando Pablo Iglesias que decidiu apoiar a posição de Ada Colau, a presidente de Câmara de Barcelona, uma espécie de neutralidade ainda que exiba ambiguidades várias. O partido de Ada Colau, Catalunha em Comum, que absorveu o ramo catalão da Esquerda Unida, está fortemente dividido. Do lado do Não está o PP, o PS da Catalunha e a patronal catalã.
A esquerda espanhola, se por um lado condena a intransigência de Rajoy, por outro distancia-se do referendo em nome de uma Espanha que não existe (República federativa) a não ser em desejo. O pior é quando invocam a tradição comunista para se justificar. Bem sabemos que Lenine defendeu o direito irrestrito de autodeterminação das nacionalidades e o direito livre dos povos a separar-se ou juntar-se a outros. O PSOE, agora admirador confesso de António Costa, faz frente com Rajoy em nome da unidade de Espanha, embora invente que o Reino é uma "Nação de Nações", e fale de uma reforma constitucional para reforçar as Autonomias, reforma essa que não tem hipótese há décadas e não passa de outro desejo.
A mobilização popular é uma manifestação pela soberania, a única que se tornou possível. Não vale a pena idealizar cenários que não existem. Não adianta censurar aqueles que pedem a intervenção histórica de um povo. Não cabe a um não catalão votar, mas cabe respeitar o referendo, processo e resultado. Cabe avisar o governo português que nem na remota Europa é parte do assunto. Algo sairá decerto de 1 de outubro, para além da anunciada repressão, a monarquia começa a fraturar tal como a Constituição de 78.