Cabo Delgado: o que faz o neocolonialismo

porAndreia Galvão

11 de abril 2021 - 17:29
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A atenção internacional só foi captada a partir do momento em que se verificaram lesados estrangeiros - sete mortos no ataque terrorista em Palma, levando-nos a questionar se há preocupação com as vidas moçambicanas quando não se colocam questões de conflito geopolítico.

O mundo chocou-se com a província do norte de Moçambique. Os ataques terroristas já não eram novidade naquela região (evidente desde 2017), contando com cada vez mais combatentes radicais, gerando um conflito de guerrilha que o governo de Moçambique já não conseguia combater e implicando a vida de centenas de civis, entre os quais mulheres e crianças. No entanto, a atenção internacional só foi captada a partir do momento em que se verificaram lesados estrangeiros - sete mortos no ataque terrorista em Palma, levando-nos a questionar se há preocupação com as vidas moçambicanas quando não se colocam questões de conflito geopolítico.

Estes insurgentes surgem associados a movimentos religiosos radicais, que declaram a sua fidelidade a interpretações literais do Corão. Estes jovens, que se declararam sem futuro, chocam a opinião internacional, por repetirem o mesmo que vários outros pelo mundo todo, com consequências drásticas.

Quando olhamos para o panorama político-social percebemos o que é neocolonialismo.

Quando nos referimos a neocolonismo pensamos na dependência económica que algumas nações da África, Ásia e América Latina têm em relação aos países ricos, derivando da dominação política, económica, cultura e social das potências capitalistas ocidentais sobre algumas regiões do continente africano e asiático, principalmente. Cabo Delgado viu estas dinâmicas visibilizadas pela sua atratividade de exploração a céu aberto. O gás natural foi viabilizado como uma promessa para a Nação, que traria mais-valias para a população. Isto foi o inverso do que se verificou - a região tornou-se um parque a céu aberto onde as multinacionais, instrumentos do sistema sócio-económico global, fragilizavam cada vez mais a situação das pessoas que precisavam de um sustento digno para a sua subsistência. A chegada de petrolíferas piorou a situação, piorou as condições de vida da população local. Esta exploração desenfreada roubou o presente a milhares de moçambicanos, que se tornaram mais vulneráveis ao discurso radical dos movimentos como os que levaram a cabo a ofensiva bélica.

A hipocrisia é gritante. As mesmas empresas que geram o caos em regiões do Sul Global são as que levam a cabo campanhas de greenwashing (a injustificada apropriação de virtudes ambientalistas, mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas), apresentando somente falsas soluções para a maior desafio que assolará as nossas sociedades - a crise climática, potenciada pelas emissões do que se procura explorar em Moçambique. Estas acrobacias de marketing garantem que não se efetuam transformações estruturais na sociedade de modo a que possamos efetuar uma transição energética que garanta justiça social.

Além disso, ignorar a vertente étnico-racial seria um erro. Sabemos que são as comunidades do Sul Global, em especial as racializadas, as mais flageladas pelas crises a nível global. A luta por recursos naturais exponencia todas as desigualdades que são inerentes ao sistema que gere as nossas vidas. Com a degradação climática, quantos movimentos radicais surgirão e que capacidade de resposta teremos para estes conflitos políticos?

Parece-me que não entendemos a magnitude da crise climática e como é um problema que afeta todos os setores da nossa sociedade. Implica o reforço das dinâmicas coloniais, que servem de base para o racismo estrutural que tanto serve ao Norte Global.

Se Cabo Delgado nos chocou, que nos motive a preparar um futuro que consiga endereçar não só os sintomas mas a raiz dos seus problemas. Porque (e felizmente) ainda vamos a tempo.

Andreia Galvão
Sobre o/a autor(a)

Andreia Galvão

Atriz, ocasional jornalista freelancer. Membro da Comissão Política do Bloco de Esquerda.
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