
Ao reconhecer esse poder legal e constitucional a República Portuguesa está também a confiar que essa Autoridade faz uso daquilo que a define. Desse uso resultará um "valor de uso", um benefício para a sociedade.
Vejamos o caso da ACT:
“A Autoridade para as Condições do Trabalho é um serviço do Estado que visa a promoção da melhoria das condições de trabalho em todo o território continental através do controlo do cumprimento do normativo laboral no âmbito das relações laborais privadas e pela promoção da segurança e saúde no trabalho em todos os sectores de atividade públicos e privados.”
Em coerência com o nº1 do artigo 59º da Constituição, este serviço do Estado deve cumprir o desiderato para o qual foi criado: o cumprimento e respeito pelos direitos legais de “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas”.
Num Estado democrático que se preze, a Autoridade deve ser atuante e respeitada. Os sucessivos governos têm desautorizado esta Autoridade. Os recursos humanos têm sido esvaziados e as suas capacidades de atuação drasticamente diminuídas. Tudo é propositado, tem como objetivo facilitar o abuso de poder por entidades patronais repressoras e desrespeitadoras dos direitos das pessoas. Os sucessivos governos têm escolhido o lado do abuso, da instabilidade laboral e do medo nas empresas.
Este governo anunciou o reforço de 124 inspetores na ACT, em 17 de abril. A ministra anunciou ainda a requisição de inspetores a outros serviços. Mas, como refere hoje a presidente do Sindicato dos Inspetores, “não sabem nada de Direito do Trabalho”.
Este governo mantém uma atitude que evidencia que vale mais a ACT parecer do que ser, vale mais a perceção do que a realidade. Mas nem parecer já consegue: em todo o ano de 2020 a ACT só tem um comunicado publicado na sua página!
Se quisesse ter uma atitude consequente com os direitos das pessoas este governo chamava os representantes sindicais a participar na atividade da Autoridade. Nós conhecemos o que se passa, nós estamos dentro das próprias empresas. Essa atitude mostraria que se escolhia o lado do mais fraco, o trabalhador, não o fingimento da neutralidade – como se a relação laboral fosse uma relação comercial ou entre iguais.
Entretanto, continuamos a ter trabalhadores agrícolas imigrantes quase escravizados, pessoas chamadas para locais de trabalho que a Direção de Saúde mandou encerrar, pessoas despedidas por boca, contratados ao dia ou à tarefa transformados em empresários individuais, assédio nas empresas…
Pasme-se: já há leilões de trabalho, via internet, em que fica com o teletrabalho o trabalhador que se oferecer a trabalhar por menos! É a indigna praça de jorna dos tempos modernos.
Como dirigente do Sindicato das Indústrias, Energias e Águas de Portugal, SIEAP, conheço bem como em muitas empresas do país o 25 de abril e a democracia ainda não entraram. O medo da fome e do desemprego continua a imperar, os governos continuam a fingir!
No dia em que nasceu Karl Marx, 5 de maio, o fim da exploração da pessoa pela pessoa continua a ser esperança.
Artigo publicado em Mais Ribatejo, a 5 de maio de 2020
