Em setembro passado, questionei o ministro Matos Fernandes no parlamento sobre a iniciativa que resta ao governo português na defesa a segurança das populações: o recurso à avaliação de impactos ambientais transfronteiriços, direito que o Estado espanhol não quer reconhecer a Portugal mas que a legislação europeia garante quanto a novas instalações nucleares. É o caso do novo depósito em construção junto à central de Almaraz, que viabilizará a continuação do seu funcionamento para lá do previsto.
Nessa altura, o ministro português explicou a falta de avanços com a indefinição política havida em Espanha com a repetição das eleições, e anunciou que, constituído então o novo governo Rajoy, estava já pedida uma reunião ao seu homólogo espanhol. E o ministro ficou à espera, garantindo que “Portugal sublinhará junto do Reino de Espanha os direitos que detém na discussão deste projeto”. Dois meses depois, em finais de novembro, o governo ainda aguardava a marcação da tal reunião.
O Bloco voltou então a insistir (http://www.esquerda.net/) e, no parlamento, entregou uma recomendação em que, constatando que “os esforços do governo português para uma solução bilateral não estão a resultar”, apelava ao “imediato início dos procedimentos para a determinação de uma avaliação dos impactos ambientais transfronteiriços da construção do armazém de resíduos nucleares da central de Almaraz, nos termos da legislação europeia e da Convenção de Espoo”. Mas o ministro do Ambiente, estoicamente, continuava a aguardar a decisiva reunião com o governo espanhol.
Por fim, já a fechar o ano, Madrid concede a Matos Fernandes a honra da marcação de uma audiência. Porém, ao mesmo tempo e pelos jornais, faz saber que já autorizou a construção do depósito nuclear, o tal que deveria ser discutido no encontro bilateral tão ansiado. Foi assim que o governo português passou de olimpicamente ignorado a publicamente humilhado.
Em suma, o ministro Matos Fernandes acena há mais de três meses com uma reunião a que nem poderá sequer comparecer. “Muitíssimo surpreendido”, acabaria coberto de ridículo, a receber a notificação do facto consumado em Madrid. Como o Bloco preveniu, os lucros de Almaraz - acumulados pela Endesa, Iberdrola e GasNatural Fenosa - acabariam por falar mais alto que as tímidas iniciativas diplomáticas junto à foz do Tejo.
Mas o mais preocupante é que Lisboa continue a adiar a queixa às instâncias internacionais. Em novembro, o ministro prometia avançar “caso o governo português sinta que há impactos transfronteiriços neste projeto”. Ora, depois da “surpresa” espanhola, é caso para perguntar se o ministro Matos Fernandes já está a sentir alguma coisa.
![Jorge Costa](/sites/default/files/jorge_costa2.jpg)