Está aqui

Aforro e desaforo

A decisão de reduzir a remuneração dos certificados de aforro é o último desaforo lançado pelo governo às pessoas que trabalham.

É certo que, sob especulação e aumento das taxas de juro, há cada vez menos quem consiga chegar ao fim do mês e deixar algum dinheiro de lado. São os trabalhadores mais qualificados e com carreiras mais longas. No caso da função pública, tiveram as mais baixas percentagens de aumento e a maior perda real de salário. São chamados “classe média” e isso basta para não conhecerem qualquer alívio fiscal, mesmo em tempo de crise e mesmo quando as contas públicas excedem, ano após ano, as melhores previsões do governo. São eles, enquanto contribuintes, quem carrega às costas a receita pública, por estarem nos escalões que pagam a maior fatia do IRS. Mas quando precisam de hospital para os pais ou professora para os filhos, muitas vezes não encontram o serviço que pagaram.

Nos últimos anos cresceu muito a aquisição de certificados de aforro. As pessoas preferem-nos aos depósitos a prazo, remunerados pelos bancos com juros muito baixos. Os certificados de aforro tornaram-se um refúgio onde alguma pequena poupança familiar pôde alojar-se com taxas um pouco mais vantajosas.

A captação de parte da chamada poupança popular é um modo de o Estado se financiar diretamente junto dos cidadãos, evitando pedir empréstimos fora do país (os juros pagos ficam assim na economia nacional) e obtendo fundos para investimentos estruturantes. Pelo seu lado, os cidadãos têm a segurança de saber que deixam as suas poupanças em mãos mais fiáveis que as de qualquer banco. Ambas as partes saem a ganhar. O problema é que a parte governamental está disposta a perder para que uma terceira parte fique a ganhar - os bancos.

Desaforro

Depois de perderem muitos depósitos para os certificados de aforro, os bancos tinham duas hipóteses. Primeira: aumentar as taxas de juro pagas aos depositantes, descendo um pouco os seus enormes lucros (timidamente, o governador do Banco de Portugal chegou a sugeri-lo); segunda: confiar que o governo colocaria os lucros da banca acima do alívio da “classe média”. Optaram pela segunda hipótese e - surpresa! - resultou. O governo cortou na remuneração dos certificados de aforro, fazendo a vida destes trabalhadores um pouco mais difícil.

Alguém mais distraído poderia perguntar se o dinheiro das poupanças que o governo recolhe na emissão de certificados de aforro não seria útil nas mãos do Estado para, em vez de forrar os acionistas dos bancos, sustentar um plano público de habitação, acelerar a transição climática ou melhorar as carreiras e tentar reter os profissionais da saúde e educação nos serviços públicos. Para esses distraídos, o governo já tem sempre advertência pronta: “não podemos dar o passo maior que perna!”. É o chamado desaforro…

Artigo publicado em O Regional - junho de 2023

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
(...)