De quem é o Bloco?

26 de June 2011 - 0:02

Contributo de David Cordeiro

PARTILHAR

A quem pertence, a quem serve e a quem deve dar ouvidos o Bloco de esquerda ?

Deverão as suas reuniões de aderentes, os ideais dos activistas mais eloquentes e as várias correntes organizadas internas ser as linhas mestras inquestionáveis da orientação do bloco ?

Isso limita e afasta irremediavelmente o bloco dos seus eleitores, de grande parte dos aderentes e dos reais anseios da sociedade portuguesa.

A participação política activa implica, de uma forma muito generalizada, um determinado perfil de pessoa e estilo de vida. No caso do bloco de esquerda, o perfil do aderente activo tem sido aliás infinitamente caricaturado na sociedade e nos média. O professor, o funcionário público, o estudante politizado, o sindicalista ou a velha guarda de organizações de esquerda extintas são varias facetas dessa caricatura do "Bloquista". Será uma representação injusta ? Talvez, mas o certo é que, como todas as caricaturas, parte de linhas gerais correctas.

O trabalhador do sector privado (permitam-me generalizar aqui de novo) que mal tem tempo para a família, ou para ler, ou para se informar fora da chuva de propaganda, que vive o eterno desespero de um dia a seguir ao outro, não será certamente visto muitas vezes em reuniões de aderentes do bloco. Mais, se por acaso assistir a um elaborado debate sobre as importantíssimas clivagens ideológicas entre a ruptura/FER, a UDP e outros sabores, vai achar: "estes gajos têm demasiado tempo livre", e procurar outro emprego temporário mal pago e sem direitos para acrescentar ao que já tem e que não sabe quando vai perder.

O bloco tem de sair fora da caixa que é o bloco. Abrir-se a outras formas de participação que não impliquem viver dentro de Lisboa, ter um trabalho das 9 às 5 e mover-se em determinados círculos sociais. Se não o fizer vai continuar numa bolha ideológica estanque e deixa pura e simplesmente de ser relevante fora dela.

Por muito eco que faça determinada discussão aí dentro, cá fora faz muito pouco sentido.

Um exemplo é a discussão sobre o apoio ao Alegre por, segundo certas opiniões o ter aproximado demasiado do PS. Mas afinal qual é a missão do bloco ? É ser um depurador de esquerdistas, separando os puros dos impuros, ou levar a sociedade para um rumo mais justo e melhorar a vida das pessoas? Somos miúdos casmurros ou adultos responsáveis ? Haveria outra alternativa para tentar levar Cavaco a uma segunda volta ?

E a moção de censura? Como poderá ser vista pelos eleitores? A ter passado, a moção de censura do bloco de esquerda teria sido o rastilho da maior vitória da direita neoliberal nos tempos da democracia. Como não passou, a responsabilidade do bloco é um pouco menor, mas não deixa de ser um resultado catastrófico que pode ser interpretado por sectores do eleitorado de esquerda como a prova de como não serve de nada ter um bloco forte no parlamento.

Cometo então eu a heresia de perguntar, não teria sido melhor ter um mau governo fraco do PS sem legitimidade para aplicar o programa da Troica do que ter aberto o caminho a um péssimo forte governo do CDS/PSD que vai atirar o país ainda mais depressa para o abismo ? Não serei eu de esquerda por achar que o bloco deveria ter tido a ousadia de segurar o Sócrates no governo até cair de podre?

O bloco precisa de trazer gente para dentro, precisa de criar uma democracia real dentro dele. A base de aderentes e de participação têm de crescer. Passo a sugerir duas coisas.

-A participação e as discussões online:

O portal esquerda.net tem feito um valioso serviço de divulgação, mas está longe de ser um espaço de discussão.

Fóruns públicos ou privados, chats em directo ou até video-conferências, não há nada que justifique não haver uma forma estruturada de participar na vida no partido além das reuniões pessoais. A comunicação escrita tem até a vantagem de equilibrar a discussão retirando poder à eloquência ou facilidade de falar em público. É já possível tirar cursos superiores online com exames presenciais, o que impede que a discussão se faça também online e as votações sejam presenciais?

-Abrir uma luta pela informação:

A ladainha da troica é repetida a toda a hora em todos os órgãos de comunicação. Tem sido uma barragem incrível de desinformação e formatação de opiniões, cá dentro e lá fora. É preciso uma resposta. Se a ideia feita sobre os simpatizantes do bloco é certa, não faltam nas fileiras realizadores, animadores, músicos e artistas. É tempo de juntar os economistas aos artistas, e quem sabe com o apoios de outras organizações ou partidos de esquerda, contar o outro lado da história.

"Os donos de Portugal" o documentário seria uma boa ideia penso eu.

É tempo de mobilizar as pessoas, temos tudo a perder.