Economia: ressalto ou afundanço?

porMichel Husson

A retoma da economia não será miraculosa porque as empresas ficaram endividadas e procurarão cortar emprego e salário, as famílias empobreceram e vão reduzir o consumo. Os governos irão mais tarde ou mais cedo procurar “sanear” as finanças públicas às custas dos de sempre. Por Michel Husson.

20 de May 2020 - 21:25
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Efeito ressalto.

Tudo o que era sólido e estável desvaneceu-se no ar; tudo o que era sagrado é profanado e os homens, finalmente, veem-se forçados a encarar sobriamente a suas condições de existência e as suas relações recíprocas”(1)

Esta crise é a combinação de uma crise sanitária e uma crise económica à escala mundial. A interação entre estas duas dimensões da crise arrisca desencadear um ciclo específico que alternaria travagens e novos arranques, inscrevendo-se numa trajetória recessiva. Esta é a hipótese examinada nesta contribuição.

A difícil regulação do desconfinamento

As medidas de contenção afetam agora quase 2700 milhões de trabalhadores, ou seja à volta de 81% da força de trabalho mundial (2): estamos frente a uma crise sem precedentes. O efeito de encerrar uma grande parte da atividade económica desmultiplica-se nos seus efeitos indiretos, instaurando-se um ciclo infernal. No entanto, o confinamento não pode, como é óbvio, ser total, nem pode prolongar-se de maneira indefinida, já que colocaria em perigo as próprias condições de subsistência da população. É uma retroação (feedback) de grande envergadura que leva à necessidade de uma difícil arbitragem.(3)

Face a este verdadeiro dilema, podem-se distinguir três formas de reação dos Estados, retomando a classificação proposta por Jêrome Baschet: “o minimalismo sanitário liberal-darwinista; a contenção aplicada por Estados bem preparados e dotados de potentes meios materiais e técnicos; medidas generalizadas de confinamento, aplicadas de forma mais ou menos autoritária”.(4)

A primeira orientação, minimalista, foi inicialmente a de Boris Jonhson ou de Donald Trump. Nos Países Baixos também foi considerada e, o que é menos conhecido, no México, país pelo qual um pequeno desvio será esclarecedor. O seu presidente, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), brandiu imagens religiosas como a melhor defesa contra o vírus. (5) Foi no passado dia 18 de março. Mas a deriva de AMLO também é política. Quando foi presidente da capital, entre 2000 e 2005, ganhou um forte apoio popular graças aos seus programas sociais (6). Mas foi o mesmo AMLO quem suprimiu, a partir do dia 1 de janeiro, o programa Seguro Popular, que assegurava até então proteção social às pessoas sem cobertura sanitária, substituindo-o por um fantasmagórico “Instituto de saúde para o bem-estar”. O contraste é nítido com a posição da direção zapatista que, dois dias antes desta famosa conferência presidencial, tinha declarado a alerta vermelha nos territórios rebeldes e tinha pedido “aos povos do mundo que tomassem consciência da gravidade da doença e que adotassem medidas sanitárias excecionais, sem abandonar contudo as lutas em curso”.(7)

A linha “liberal-darwinista” tem sido abandonada pouco a pouco face à realidade e só a seguem realmente Trump (dissimuladamente) e Jair Bolsonaro, que acaba de despedir, consequentemente com esta lógica, o seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Em ambos casos, a crise cria um conflito entre o governo federal e alguns estados. Por conseguinte, na prática, a política de contenção leva-se a cabo na maioria dos países.

Em princípio, trata-se obviamente da forma mais eficaz de reduzir as possibilidades de transmissão, como se ilustra neste gráfico de um epidemiológico (muito) amador. À esquerda, cada pessoa infetada contamina outra três, em função da avaliação da taxa de reprodução inicial (R0) do vírus. À direita, o confinamento bloqueia a propagação do vírus.

Querida: é incrível, os meus amigos perito em economia que se transformaram em peritos nas alterações climáticas são agora peritos em virologia”.

Este mecanismo de redução depende obviamente da duração do confinamento, como o explicou Angela Merkel numa intervenção muito clara.(8) Mas o confinamento não pode manter-se durante demasiado tempo, por razões não só económicas, mas também sociais, em todos os sentidos da palavra. No entanto, ao mesmo tempo, continuam a existir muitas incertezas sobre o modo exato de transmissão do vírus, sobre a proporção de pessoas infetadas mas assintomáticas, sobre a eficiência dos testes, sobre a possibilidade de reinfeção, etc. Um internauta fez um quadro bastante divertido:

 As aporias do confinamento  (9)

  1. Não podes sair de casa, mas se o tens de fazer, podes.

  2. As máscaras são inúteis, mas talvez devesse usar uma, porque pode salvar-lhe a vida. Podem ser que sejam inúteis, mas poderiam também ser obrigatórias.

  3. As lojas estão encerradas, exceto as que estão abertas.

  4. Este vírus é mortal, mas não é de temer, contudo poderá morrer por causa dele, ou pode já ter sido infetado sem o ter sabido.

  5. As luvas não ajudam mas podem ser úteis.

  6. Toda a gente tem que ficar em casa, mas saia para fazer exercícios físicos, só que estará a correr riscos, a não ser que seja o único a fazer exercícios nesse lugar.

  7. O supermercado está bem abastecido, mas faltam muito produtos, exceto de manhã. Às vezes.

  8. O vírus não tem nenhum efeito nas crianças exceto aquelas que são infetadas.

  9. Terá muitos sintomas se adoecer, mas pode estar doente sem apresentar sintomas, ou ter sintomas sem estar doente.

  10. Pode comer imediatamente a comida que o distribuidor de um restaurante lhe pode entregar em casa, mas descontamine as suas compras durante três horas.

  11. Estará em segurança ser mantiver um metro de distância relativamente às demais pessoas, desde que estas sejam desconhecidas. Está proibido de ver os seus amigos a uma distância de segurança.

  12. O vírus mantém-se ativo em diferentes superfícies durante duas horas, não, quatro, não, seis, não, talvez uns dias? Para que o vírus se mantenha ativo, precisa de um ambiente húmido. Mas também de um ambiente seco.

  13. Estamos a contar os mortos mas não sabemos quantas pessoas estão infetadas porque só fazemos testes aos que estavam quase mortos para saber do que iam morrer.

  14. Não temos um tratamento, mas pode haver um tratamento que funcione, a menos que não se tome a dose certa. Não há maneira de o saber.

  15. Deveríamos ficar em casa até que o vírus desapareça, mas isso só atrasará a imunidade coletiva para a alcançar é preciso que saia de casa. Por isso, saia de casa com moderação.

Tendo em conta estas incertezas, pode-se prever uma sucessão de fases de re/des/confinamento, como aparece ilustrado no seguinte esquema do Imperial College. (10)

Este cenário induziria uma trajetória de recuperação e depois de travagem da atividade económica, o que levaria a uma recuperação titubeante da economia, na forma de uma sucessão em W. Os economistas utilizam toda a sua imaginação para diferenciar possíveis perfis: alguns falam da sigla de uma famosa marca de calçado desportivo e inclusive a letra Baa no alfabeto árabe.

Poderíamos imaginar um afrouxamento do confinamento com, por exemplo, o recomeço gradual das atividades (mas com, pelo menos, 50% das atividades não essenciais paradas), com as escolas encerradas e os idosos isolados. Este é o cenário previsto num meticuloso estudo do Inserm (Instituto Nacional de Investigações Médicas)(11) que fornece informação complementar. A primeira é que o nível atual da imunidade seria baixo – entre 1 a 6% de pessoas já infetadas –(12) enquanto que é necessário um patamar de pelo menos 60% para garantir a imunidade coletiva e a erradicação do vírus.

Por outro lado, esse modelo só pode funcionar se for acompanhado de uma campanha massiva de testes e com a disponibilização de máscaras. No entanto, os recursos materiais e logísticos não estão disponíveis de imediato, pelo menos em França. Resumindo, pode-se, na melhor das hipóteses, ganhar tempo e “achatar” as curvas, mas é impossível evitar uma nova queda, pode-se repeli-la e minorar o impacto. Como diz Vittoria Colizza, uma das pessoas responsáveis pelo estudo: “o confinamento vai durar muito tempo porque não podemos viver normalmente com esta pandemia.”(13)

A análise comparativa das políticas aplicadas nos diversos países não permite eliminar as incertezas. Alguns sucessos são dificilmente transponíveis: admitindo a veracidade das estatísticas oficiais, a China utilizou medidas ultra-autoritárias ou inclusive totalitárias. É provável que o êxito da Alemanha se baseie (como na Coreia do Sul), pelo menos em parte, numa política de testes sistemáticos, impossível de aplicar noutros países. A Suécia é citada como exemplo de um país que colocou em prática um confinamento muito moderado, mas levantam-se dúvidas comparando com países vizinhos como a Dinamarca, Noruega ou Finlândia.(14)

Segundo Annie Thébaud-Mony, especialista em doenças profissionais, a escassez de testes não é uma explicação satisfatória: “os nossos governantes alegam uma razão técnica, quando na realidade fizeram uma escolha estratégica: a de não fazer testes.”(15) Deveríamos matizar esta fórmula: o governo francês mostrou uma profunda desorganização, como no caso das máscaras, e também mentiu descaradamente.(16) Mas este desastre tem que ver também com uma escolha de método, que é a rejeição – ou a incapacidade – de assumir as responsabilidades, fazendo o inventário das capacidades de produção, fazendo requisições, em suma, a planificando.

Neste contexto de incerteza, a possibilidade de um efeito de ressalto – também é motivo de preocupação para os bancos, como o Morgan Stanley, que prevê muito precisamente uma segunda vaga no início de 2021.(17) É o que aparece no gráfico seguinte, que se mostra aqui só a título de exemplo da complexidade arriscada que apresentam os modelos aplicados.

Idas e voltas do vírus a escala mundial

O modo de organização da produção mundial, sob a forma de cadeias de valor, está a sofrer o impacto brutal da crise. E de várias maneiras. Dentro de um território ou país, a queda da procura leva inevitavelmente a quebra a curto e médio prazo de aqueles produtores que não têm meios (financeiros) sólidos. Este fenómeno, quando se estende às empresas de transporte pode mesmo levar a que se perca a produção de alimentos por não poderem ser entregues aos compradores.

Nos Estados Unidos, este fenómeno já está a caminho. Por um lado, alguns agricultores vêm-se obrigados a destruir as colheitas e por outro lado, há habitantes pobres nas cidades que fazem fila nos bancos de alimentos para conseguir comer. A imagem seguinte, que põe frente a frente dois artigos do New York Times, simboliza o absurdo desta situação.(18)

Ou ainda, variante francesa reveladora, falta mão de obra para algumas colheitas porque esta era habitualmente composta por trabalhadores sazonais estrangeiros que já não podem entrar no país de forma a garantir esta produção.(19) O mesmo acontece no Reino Unido, que tenta “re-importar” trabalhadores estrangeiros expulsos pelo Brexit.

O comércio internacional já se reduziu consideravelmente, mas é provável que se reduza ainda mais devido às perturbações nas cadeias de abastecimento. No que diz respeito aos alimentos básicos, a OCDE teme que “algumas cadeias específicas de abastecimento de alimentos sejam seriamente perturbadas, em particular pela falta de trabalhadores sazonais para a plantação ou para a colheita de culturas essenciais, devido às exigências logísticas e às medidas sanitárias”. (20)

Ora tais perturbações já estão em marcha, como o demonstra um relatório do Banco Mundial sobre a África subsaariana. (21) Aí, a propagação do vírus começou mais tarde e continua a ser relativamente limitada (5425 casos em 45 dos 48 países). Mas os seus efeitos económicos já marcam presença e o Banco Mundial traça um quadro muito sombrio, com um crescimento negativo para 2020 de entre -2,1% e -5,1%. Para além das estimativas numéricas, o relatório apresenta de maneira sintética os principais canais de transmissão da crise.

O primeiro canal é a interrupção do comércio e das cadeias de valor. Isto afeta tanto os países da região exportadores de produtos básicos, com a queda dos preços internacionais das matérias primas, quanto países que estão fortemente integrados nas cadeias de valor, como por exemplo a Etiópia ou o Quénia. O segundo embate deve-se à retirada brutal de capitais e em geral, à redução de todos os fluxos de financiamento externo (investimentos diretos, ajudas, remessas de dinheiro, receitas do turismo). Esses países serão confrontados com graves crises da balança de pagamentos, com défices comerciais que se aprofundarão e a queda das taxas de câmbio. De seguida, vêm as consequências especificamente sanitárias, que vão ter um efeito multiplicador, dada a dificuldade de organizar um confinamento.(22)

Para complementar este quadro que já é por si sombrio, temos que adicionar a forte dependência de vários países africanos das importações agrícolas. Efetivamente, pode-se observar que alguns países produtores estão a adotar medidas de auto-proteção que consistem em restringir as suas exportações de produtos agrícolas. Isto pode desencadear uma crise alimentar em países como a Argélia, Egito, Marrocos e Nigéria, muito dependentes dos abastecimentos externos.(23)

Por razões semelhantes, muitos países da América Latina estão expostos aos mesmos perigos. Como refere Pierre Salema, “vão produzir-se quebras consideráveis nas suas receitas fiscais devido à redução das exportações de matérias primas combinada com a queda dos preços”. Isto poderia conduzir a uma crise fiscal, o que reduziria ainda mais a sua capacidade orçamental para responder à crise económica e social”.(24)

Como podemos ver, todos os países emergentes e em vias de desenvolvimento são afetados: deparam-se com as mesmas dificuldades e terão que pedir empréstimos ao mesmo tempo. As fugas de capitais já começaram, em proporções sem precedentes, já que os mercados financeiros preferem reduzir os riscos e financiar os Estados Unidos, a China e os países europeus. É por isso que a pandemia é uma “bomba-relógio para defaults das dívidas soberanas”.(25) Não é de estranhar, então, que muitos dos países já tenham solicitado ajuda financeira de emergência ao FMI, que as concedeu apesar da oposição do Trump. Mas esta ajuda é distribuída a conta gotas e a suspensão da dívida combinada com alguns países é apenas provisória.

Poderíamos dizer que a pandemia apresenta, como a economia mundial, um “desenvolvimento desigual e combinado” e ela revela-nos isso mesmo. As trocas internacionais vão estar sujeitas aos mesmos ziguezagues que as conjunturas nacionais, porque é impossível adaptar as correntes de valor mundiais em tempo real. Se um país da “periferia” já não poder abastecer um país do “centro” porque por sua vez está afetado também pela pandemia, essa interrupção repentina da produção no primeiro país repercute-se na atividade económica do segundo.

O efeito de ressalto

As observações anteriores não são partilhadas por quem fala de uma recuperação em forma de “V”, que permitiria, a partir de 2021, colmatar as lacunas de 2020. A versão mais radical desta tese é sem dúvida a do Office for Bugdet Responsability, o equivalente britânico do Tribunal de Contas. O organismo britânico perspetiva uma queda de -12,8% no PIB em 2020, seguida de uma recuperação de +17,9% em 2021, o que pode ver no gráfico seguinte.(26)

No mesmo registo cómico, podemos citar a entrevista “trumpista” de Larry Summers, ex-Secretário de Estado de Clinton, ex-assessor de Obama, etc. A sua intuição, “sem dúvida otimista”, diz, é que “a recuperação pode ser mais rápida do que é esperado, porque é da mesma natureza do que acontece depois da depressão completa que atinge a economia de Cape Cod a cada inverno [Cape Cod é o local turístico – caro – preferido pelas elites de Boston e Nova Iorque] ou a recuperação do PIB norte-americano que acontece a cada segunda-feira”. Depois deste “traço de humor”, Summers acrescenta: “acredito que se conseguirmos controlar a situação sanitária, o regresso à normalidade será mais rápido que depois das crises financeiras ou das recessões habituais” mas, prudente, avança “não tenho a certeza”.(27)

Nem todas as previsões quantificadas caem neste ridículo, ainda que seja precisa muita coragem para empreender exercícios semelhantes. Em todo o caso, podemos ver que a maioria destas projeções esforçam-se por apresentar trajetórias otimistas. É difícil saber se isto se deve a um método que subestima a dimensão da crise atual, ou se é para tranquilizar (os investidores?) minimizando a dimensão do choque. De qualquer forma, os gráficos que seguem aproximam-se de votos piedosos, wishful thinking, diríamos em inglês. À esquerda vemos o prognóstico de Xerfi, para a França, à direita aparece o prognóstico do FMI, mais bem em forma de “swoosh”.(28) Segundo o FMI, os países emergentes e em desenvolvimento deveriam, sair rapidamente da depressão com um crescimento de 10% para finais de 2021, algo que é verdadeiramente incompreensível.

Para encerrar o ciclo, podemos citar um artigo muito esclarecedor,(29) em que o autor estabelece um paralelismo (de gosto duvidoso) com o jogo da toupeira (whack a mole), no qual há que esmagar o maior número possível de toupeiras que não param de sair dos buracos.

A fábula da poupança forçada

Um dos efeitos do confinamento é que a despesa dos consumidores caiu mais que os rendimentos. No exemplo da França, a taxa de poupança, que oscilava em torno do 15%, deverá subir 35% no segundo trimestre de 2020.(30) Esta “poupança forçada” atingirá uns 55.000 milhões de euros em oito semanas de encerramento.(31) Se a taxa de poupança voltasse ao seu nível anterior à crise, o consumo que não foi possível durante o confinamento recuperaria o atraso provocando uma rápida recuperação “em forma de V”. O seguinte gráfico, que foi recolhido do mencionado estudo de Xerfi, ilustra com clareza este cenário ultra-otimista cuja probabilidade é próxima do zero (gostávamos de ver a “equação” que levou a este resultado).

Por outro lado, este otimismo foi imediatamente temperado pelo próprio autor do estudo: “em teoria”, explica, poder-se-ia contar com “a famosa poupança debaixo do colchão para o fim do mês” mas “apesar disso, não vamos ver um final feliz. Não haverá um amanhã que canta, nem sequer um choque atenuado”.(32)

O problema destas três hipóteses é que postulam implicitamente o fim completo do confinamento e um reinício imediato da produção. Nisto subestimam o ciclo pandemia/economia e o da procura/oferta. Ainda, enfrentam-se com uma dificuldade clássica relativa à taxa de poupança. Ainda antes da crise, esta era uma das variáveis determinantes de todo o exercício de previsão económica e provavelmente uma das mais difíceis de modelizar. A razão é que não existe uma taxa de poupança que possa ser determinada pelo comportamento de um “agente representativo”, isto é, um consumidor médio. Desde Keynes, sabe-se que são os mais ricos que poupam mais. O gráfico seguinte ilustra-o perfeitamente: 20% das famílias com receitas mais baixas (quintil Q1) tem inclusive uma taxa de poupança negativa (endividam-se), os 20% seguintes têm uma taxa de poupança nula e a maior parte da poupança provém dos rendimentos mais altos.(33) Alguns estudos pontuais mostram que o comportamento da poupança depende da estrutura dos rendimentos: em geral, os assalariados poupam menos. (34)

Contar com a libertação dessas “poupanças forçadas” para impulsionar a economia é, por isso, revelador de uma forma de distanciamento social, que equivale a ignorar o destino dos mais desfavorecidos, dos que estão a passar dificuldades porque perderam o emprego e os rendimentos, dos que fazem fila para conseguir alguma coisa para comer. Baseando-se numa sondagem sobre a habitação do INSEE (Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos, pelas suas siglas em francês) e numa sondagem do Ifop (Instituto Francês de Opinião Pública),(35) Pierre Concialdi mostra que a redução da atividade teve “um impacto nos rendimentos de mais de um terço da população ativa”, afundado-a em graves dificuldades financeiras. Ainda que tivessem sido adotadas algumas medidas relativamente ao seguro de desemprego parcial, esses dispositivos “estão longe de compensar a totalidade da perda de rendimentos. Em média, para os trabalhadores afetados, pode-se estimar que a perda é de 400 euros por mês, ou seja 800 euros ao fim de dois meses de confinamento”. Concialdi estima que “à volta de 2,5 milhões a 2,8 milhões dr famílias (6 a 7 milhões de pessoas) estão muito afetadas pela recessão” e recomenda “uma intervenção mais enérgica dos poderes públicos ao nível nacional com uma moratória das rendas e/ou através da criação de um fundo de solidariedade”. (36)

É verdade que diversas medidas evitaram uma queda brutal dos salários, mas são sobretudo os ricos os que poderão impulsionar o consumo e o emprego dos demais. Mas como vão sofrer perdas no seu património, será pouco provável, nessas condições, que voltem a consumir em excesso no imediato.

Os estudos mencionados (OFCE e Xerfi) proporcionam uma calibração minuciosa mas assinalam outra dificuldade. O OFCE (Observatório Francês das Conjunturas Económicas) indica que “as oito semanas de confinamento levariam a reduzir a taxa de lucro das empresas em 2,9 pontos de valor agregado ao longo do ano, o que equivale a uma perda de 35 mil milhões de euros”. Um dos efeitos imediatos da crise é, de facto, a redução da rentabilidade das empresas, da sua taxa de lucro (para as que não tenham entrado em falência). Seria preciso fazer tudo para “salvar o soldado Ryan”.

A recuperação em forma de “V” não só implicaria um pico de efeito de ressalto no consumo mas também, a prazo, no investimento. Só que “não se consegue obrigar a beber um burro que não tem sede”. O investimento estará limitado de forma duradoura por causa do endividamento das empresas e pela ausência de visibilidade na procura. Depois da crise de 2008, as empresas tinham-se visto confrontadas com esta mesma necessidade de reduzir o seu endividamento e fizeram-no travando o investimento, os salários e os empregos. Estas evoluções “correm o risco de reproduzir-se depois da crise do coronavírus” como alerta Patrick Artus.(37)

Efeito de ressalto? Disse... efeito de efeito de ressalto?

Poderíamos imaginar um efeito de ressalto a priori favorável à recuperação económica: aliviados por ter saído finalmente da crise, os consumidores decidiriam compensar as angústias vividas gastando as suas “poupanças forçadas” e a consumir do bom e do melhor para, de alguma forma, recuperar o atraso. A confiança voltaria e a atividade económica poderia reiniciar-se energeticamente. Já expusemos as razões pelas quais tais hipóteses, que supõem implicitamente um desconfinamento integral e imediato, não têm em conta o campo de ruínas sobre o qual esta recuperação será construída.

Este cenário esquece-se de outro fator: o medo da doença. É o que destaca a análise do epidemiólogo Joshua Epstein que propõe o conceito de “contágio ancorado” que combina a doença em si com o medo da doença.(38) Segundo este modelo, o medo de doença leva num primeiro momento a tomar medidas que limitam a propagação da epidemia. Quando as coisas parecem melhorar, o medo desvanece-se e as medidas de proteção são flexibilizadas gradualmente ou abandonadas. É então “o recuo do medo que causa estragos. Ainda que sejam poucos os casos infetados que continuam a circular, o recomeço das atividades têm efeito de lançar gasolina nas brasas da infeção (sob a forma de pessoas expostas) e uma segunda onda deflagra”.

Temos de tomar em consideração um tipo de efeito de ressalto completamente diferente, o de um regresso das políticas de reequilíbrio orçamental. É preciso abrir aqui, com muita prudência, um breve parêntese para avaliar as medidas tomadas ou anunciadas hoje. Pode dizer-se, pelo menos no que respeita a Europa, que os governos aceitaram fazer um esforço orçamental importante, ou pelo menos resignaram-se a ele. O alcance disto pode ser medido através da comparação da taxa de desemprego, que explode nos Estados Unidos enquanto se mantém relativamente contida na Europa. As medidas adotadas são evidentemente insuficientes, com uma orientação que não é a adequada e não estão suficientemente coordenadas. Mas, apesar das limitações, implicam em todo caso um aumento significativo da dívida pública.

As avaliações do FMI(39) reproduzidas neste quadro dão uma ideia das ordens de grandeza: para o conjunto da zona euro, a dívida pública iria passar do 84,1% ao 97,4% do PIB, ou seja, um aumento de 13 pontos. Mas este impacto poderia ser ainda mais forte – e dramático – para a Grécia, seguida dos países “do sul”, Itália, Espanha, Portugal e… França. Para outros países, como a Alemanha e os Países Baixos, o impacto seria mais leve.

A nossa hipótese é que os governos vão aproveitar o menor desanuviamento para justificar as medidas de “saneamento” segundo modalidades eventualmente diferentes de um país para país. A experiência da crise anterior reforça esta hipótese: as políticas de austeridade levadas a cabo a partir de 2010 e 2011 provocaram um regresso da recessão. Sem dúvida que os governos aprenderam e tentarão não fechar a torneira cedo demais. Mas o debate vai-se centrar mais sobre qual o momento adequado dos ajustes e não sobre a necessidade ou não de os fazer. A oposição entre países “frugais” e “gastadores” será seguramente exacerbada, apesar das intervenções do BCE (Banco Central Europeu) e das diversas propostas que já estão a florescer (e sobre as quais será preciso debruçar-nos). O vaivém das políticas orçamentais não sincronizadas, combinado com os fluxos e refluxos da epidemia, pode contribuir para uma recuperação hesitante e irregular.

De resto, não se pode dizer que não tenhamos sido alertados, como o mostra esta pequena antologia (40): “será preciso esforçarmo-nos para reduzir a dívida” (ministro francês da Economia); “trabalhar mais que antes” (a sua secretária de Estado); “o tratamento das dívidas herdadas da crise vai supor necessariamente um esforço orçamental rigoroso com uma despesa pública mais seletiva” (o governador do Banco da França); “tarde ou cedo haverá que colocar-se a questão da jornada laboral, dos feriados e das férias pagas para acompanhar a recuperação ou facilitar, trabalhando um pouco mais, a criação de um crescimento suplementário” (o presidente do MEDEF, Movimento de Empresas da França).

Mas foi sem dúvida Phillipe Aghion quem providenciou a chave essencial. Numa entrevista de rádio, repetiu várias vezes a ideia de que, quando se trata da dívida pública, “o importante é a confiança que se inspira nos mercados.”(41) Tocou num aspeto fundamental: para além dos debates técnicos, a realidade é que as dívidas públicas que deveriam financiar as necessidades sociais (e ambientais) têm de passar no crivo dos mercados financeiros, dito de outra forma, no final de contas, ajustar-se aos interesses privados dos quais os famosos mercados não são mais que os porta-vozes.

Os nossos dirigentes estão-nos a preparar para o golpe seguinte. São acompanhados pelas exortações de editorialistas como Eric Le Boucher que afirma que “a preservação da vida é um princípio sagrado, mas o regresso ao trabalho e a defesa das liberdades individuais também representam um valor humano”.(42) Para um outro, presidente de um instituto ultraliberal, “a vida é um risco e este é o seu preço”.(43) O prémio leva-o o jornalista do Libération, Jean Quatremer, com o seu tweet de 9 de abril, no qual escreveu: “é uma loucura se pensarmos nisto: levar o mundo à recessão mais grave desde a Segunda Guerra Mundial por uma pandemia que matou até ao momento menos de 100 mil pessoas (e sem falamos da avançada idade das vítimas) num mundo de 7.000 milhões de pessoas”. Dois minutos depois, reiterou a sua indignação: “Pergunto-me quando voltaremos
à razão? Quando a recessão tiver chegado ao -20%?”(44)

Os abutres também estão à espera. Nos Estados Unidos, o Wall Street Journal(45) constata que “um número crescente de investidores estão-se a preparar para o que acreditam ser uma oportunidade única de comprar bens imóveis em dificuldades a preços vantajosos”. Empresas de investimento como Blackstone Group Inc, Brookfield Asset Management e Starwood Capital Group têm milhares de milhões de dólares (e) estão à procura de hotéis e comércios hipotecados e outros ativos que tivessem sofrido tensões nas últimas semanas. A crise poderia ser então um maná, uma “bonança”, como explica David Schechtman do Meridian Capital Group. Claro, toma o cuidado de expressar toda a sua compaixão: “os nossos pensamentos e orações vão a todos os nossos concidadãos americanos e sabemos que ninguém procura aproveitar-se da desgraça alheia”, a seguir, “deixa de lado a emoção” para expressar o fundo do seu pensamento: “mas vou-te dizer: muitos investidores imobiliários estavam à espera disto há uma década”. Este exemplo, entre outros, mostra que a saída da crise será um desafio político e social.

O capitalismo abalado

O capitalismo recebeu um sério golpe e não lhe será fácil recuperar. Este rápido panorama revelou pelo menos cinco mecanismos que vão representar um travão para uma eventual recuperação:

  1. As empresas, por estarem endividadas e devido às incertezas do mercado, hesitarão em investir e tratarão de reduzir os postos de trabalho e os salários;

  2. As famílias, empobrecidas ou preocupadas, reduzirão o consumo, privilegiar uma poupança preventiva ou adiar a compra de bens duradouros;

  3. Os governos vão acabar por procurar “sanear” as finanças públicas;

  4. As cadeias de valor estão desorganizadas e o comércio internacional vai abrandar;

  5. Os países emergentes, afetados pelas saídas de capitais e pela queda dos preços das matérias primas, vão contribuir para a contração da economia mundial.

Como vemos, a crise está a exacerbar as tendências ou tensões que existiam antes do seu eclodir. Mas ela combina-se com a crise sanitária que tem o efeito de introduzir um clima geral de incerteza e de imprimir à retoma um perfil hesitante.

O seguinte gráfico ilustra o prognóstico que se pode fazer hoje em dia: obviamente, é uma conjetura mais que uma previsão impossível. A curva verde corresponde à tendência anterior à crise. A curva azul é uma representação estilizada de uma possível trajetória da atividade económica. Durante um primeiro período, observamos flutuações (poderíamos falar de oscilações) causadas pela alternância do confinamento e desconfinamento. Estas flutuações contribuem para gerar (em combinação com as contradições económicas) uma tendência recessiva. A amplitude destas oscilações reduz-se gradualmente de forma a permitir à economia voltar aproximadamente à tendência anterior a crise, mas a um nível inferior.


Michel Husson é economista, investigador no IRES (Instituto de Investigações Económicas e Sociais).

Texto publicado originalmente a 29 de abril de 2020 no A L’encontre. Traduzido por Diego Garcia para o Esquerda.net a partir da versão em espanhol publicada no Correspondencia de Prensa.


Notas

[1] Karl Marx, Friedrich Engels, Le manifeste du parti communiste, 1848. Tradução de Laura Lafargue revista por Friedrich Engels.

[2] ILO, « COVID-19 and the world of work. Updated estimates and analysis», 7 de abril de 2020.

[3] Ver Michel Husson, « Sur l’inanité de la science économique officielle: de l’arbitrage entre activité économique et risques sanitaires», A l’encontre, 14 de abril de 2020.

[4] Jérôme Baschet, « Qu’est-ce qu’il nous arrive?», LundiMatin, 13 de abril de 2020.

[5] « AMLO usa imágenes religiosas como ‘escudo protector’ contra el Covid-19 », Diario de México, 18 de março de 2020. Ver um trecho (bastante alucinante) da sua conferência de imprensa aqui.

[6] Ele tinha instituído especialmente uma prestação para os adultps de mais de 70 anos (Pensión Universal Alimenticia para Adultos Mayores), as mães solteiras e as pessoas portadoras de deficiência e disponibilizado cuidados médicos e medicamentos gratuitos para 750 mil famílias pobres sem proteção social.

[7] EZLN, « Comunicado do Comité Clandestino Revolucionário Indígena», 16 de março de 2020.

[8] Angela Merkel, « Conferência de imprensa de 15 de abril de 2020», trechos transmitidos por @BenjAlvarez1 (com legendagem em inglês).

[9] Comunicado por Jane Maher, uma oncologista, no twitter.

[10] Imperial College, « Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand», 16 de março de 2020.

[11] Laura Di Domenico et al., «Expected impact of lockdown in Île-de-France and possible exit strategies», Inserm, 12 de abril de 2020.

[12] Esta proporção seria “muito provavelmente inferior a 15%, mesmo nas zonas mais afetadas pela primeira vaga da epidemia” estima o Conselho Científico COVID-19 no seu relatório de 2 de abril de 2020: « Etat des lieux du confinement et critères de sortie».

[13] Citado por Paul Benkimoun, « Une levée du confinement sans mesures strictes de tests et d’isolement serait inefficace», Le Monde, 12 de abril de 2020.

[14] Hans Bergstrom, « The Grim Truth About the Swedish Model», Project Syndicate, 17 de abril de 2020.

[15] Annie Thébaud-Mony, « Le gouvernement affaiblit notre capacité collective à lutter contre le virus», Bastamag, 10 de abril de 2020.

[16] Yann Philippin, Antton Rouget, Marine Turchi, « Masques: les preuves d’un mensonge d’Etat», Mediapart, 2 de abril de 2020; Ismaël Halissat et Pauline Moullot, «Masques: un fiasco et des mensonges», Libération, 28 de abril de 2020.

[17] Morgan Stanley, « COVID-19: A Prescription To Get The US Back To Work», 3 de Abril de 2020.

[18] Obrigado a Gilles Raveaud por ter mostrado esta montagem feita por Matt Huber.

[19] É o caso dos morangos e espargos tornados célebres pelo inenarrável porta-voz do nosso governo que evocava de passagem os professores confinados “que não estão a trabalhar”. Ver: Sibeth Ndiaye, «Fraises et asperges», BFMTV, 25 de março de 2020.

[20] OCDE, « Covid-19 and International Trade: Issues and Actions», Abril de 2020.

[21] The World Bank, « Assessing the Economic Impact of Covid-19 and Policy Responses in Sub-Saharan Africa», Abril de 2020.

[22] Sarah Diffalah, « Comment gérer l’impossible confinement en Afrique», L’Obs, 13 de abril de 2020.

[23] Antoine Bouët, « Coronavirus et sécurité alimentaire en Afrique », Telos, 9 de abril de 2020.

[24] Pierre Salama, « En Amérique latine, la pandémie s’ajoute à d’autres crises », Libération, 8 de abril de 2020.

[25] Pierre-Olivier Gourinchas, Chang-Tai Hsieh, « COVID-19 : Une bombe à retardement de défauts souverains», Project Syndicate, 9 de abril 2020.

[26] Office for Budget Responsibility, « OBR coronavirus reference scenario», 14 de Abril de 2020.

[27] Larry Summers, « Recovery Could Be Faster Than Anticipated», Vanity Fair, 2 de abril de 2020.

[28] Olivier Passet, « Covid-19 : la contagion sectorielle de l’économie réelle L’ampleur du choc, les limites du rebond», Xerfi, 20 de abril de 2020; FMI, «The Great Lockdown», World Economic Outlook, abril de 2020.

[29] Ed Yong, « How the Pandemic Will End», The Atlantic, 25 de março de 2020.

[30] Olivier Passet, « Covid-19 : la contagion sectorielle de l’économie réelle L’ampleur du choc, les limites du rebond », Xerfi, 20 avril 2020.

[31] OFCE, « Évaluation de l’impact économique de la pandémie», 20 de abril de 2020.

[32] Olivier Passet, « Le rattrapage après-crise: les illusions perdues» Xerfi, 24 de abril de 2020.

[33] Mikael Beatriz, Thomas Laboureau, Sylvain Billot, « Quel lien entre pouvoir d’achat et consommation des ménages?, Nota de conjuntura, Insee, junho de 2019.

[34] Jean-François Ouvrard e Camille Thubin, « La composition du revenu aide à comprendre l’évolution du taux d’épargne des ménages en France», Bulletin de la Banque de France, fevereiro de 2020.

[35] Ifop/Fondation Jean Jaurès, « Les actifs et le télétravail à l’heure du confinement», março de 2020.

[36] Pierre Concialdi, « Confinement, récession et baisse des revenus?», Ires, abril de 2020.

[37] Patrick Artus, « Comment les entreprises se désendettent-elles?», 21 de abril de 2020.

[38] Joshua M. Epstein, Jon Parker, Derek Cummings, Ross A. Hammond, « Coupled Contagion Dynamics of Fear and Disease: Mathematical and Computational Explorations», PLoS ONE, Volume 3, Número 12, 1 de dezembro de 2008.

[39] FMI, « Policies to Support People During the COVID-19 Pandemic », Fiscal Monitor, Abril 2020.

[40] Por ordem: Bruno Le Maire, « Il faudra faire des efforts pour réduire la dette», Reuters, 10 de abril de 2020; Agnès Pannier-Runacher, «Travailler plus que nous ne l’avons fait avant», AFP, 11 de abril de 2020; François Villeroy de Galhau, «Il n’y a pas de miracle : nous devrons porter plus longtemps des dettes publiques plus élevées», Le Monde, 8 de abril de 2020; Geoffroy Roux de Bézieux, «La reprise, c’est maintenantLe Figaro, 10 de abril de 2020.

[41] Philippe Aghion, « Penser l’économie de demain», France Culture, 24 de abril de 2020.

[42] Éric Le Boucher, « Il faut sortir la France du confinement», Les Echos, 10 abril de 2020.

[43] Jean-Philippe Delsol, « Confinement: jusqu’où peut-on aller?», Les Echos, 10 de abril de 2020.

[44] Jean Quatremer, « Une sélection de tweets» tweet, abril de 2020.

[45] Konrad Putzier e Peter Grant, « Real-Estate Investors Eye Potential Bonanza in Distressed Sales», The Wall Street Journal, 7 de abril de 2020.

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