A votação final e o seu significado

09 de abril 2010 - 1:00
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A legislação de Obama é bastante conservadora, baseada nos republicanos, diferente do New Deal. Caso se baseasse no New Deal, teria oferecido Medicare a todos os americanos ou, pelo menos, uma opção de seguro público.



Não é tão importante quanto a aprovação do Medicare (programa de saúde da segurança social, administrado pelo governo dos Estados Unidos) em 1965, e não vai alterar a forma como os americanos vêem as redes de segurança social. Mas a aprovação da lei de reforma do sistema de saúde de Obama é a maior coisa que o Congresso fez em décadas, e tem um grande significado político para o futuro.



A Medicare fez alterações directas na vida nos cidadãos de terceira idade nos Estados Unidos (o programa só abrange pessoas com mais de 65 anos), fornecendo-lhes segurança na saúde, e reduziu drasticamente as taxas de pobreza nos mais velhos. Em contraste, a maioria dos americanos não será afectada pela legislação do sistema de saúde do Obama. Muitos de nós vão continuar a receber os seguros de saúde pelos nossos empregadores. (Apenas uma minoria relativamente pequena vai ser obrigada a comprar um seguro que não quer, ou será subsidiada para conseguir pagar. Só algumas empresas é que vão ser obrigadas a providenciar os seguros, se ainda não o fazem.)



O Medicare foi criado seguindo a concepção do "New Deal", de Franklin D. Roosevelt, do governo como segurador, com cidadãos a fazer pagamentos ao governo, e o governo a pagar em benefícios. Essa era a ideia central da Segurança Social, e de um Medicare "às costas" da Segurança Social.



A legislação do Obama vem de uma ideia alternativa, que começou sob a administração de Eisenhower e foi desenvolvida sob Nixon, de um mercado para o sistema de saúde baseado em seguradores privados e nos empregadores. Eisenhower centrou-se no desconto de impostos para os benefícios de saúde dos trabalhadores; Nixon criou planos pré-pagos, planos de saúde concorrentes, e exigiu que os empregadores cobrissem os seus empregados. Obama reiterou a ideia de Nixon e levou-a ainda mais longe, exigindo que todos os americanos tenham um seguro de saúde, e oferecendo subsídios aos que precisam.



Por isso, não acreditem em ninguém que diga que a legislação do sistema de saúde do Obama marca uma reviravolta, de volta à Great Society ou ao New Deal. A legislação de Obama é bastante conservadora, baseada nos republicanos, diferente do New Deal. Caso se baseasse no New Deal, teria oferecido Medicare a todos os americanos ou, pelo menos, uma opção de seguro público.



O significado da legislação do Obama é mais político do que substancial. Pela primeira vez desde que Ronald Reagan disse que o governo americano era um problema, a legislação de saúde de Obama reitera que o governo pode providenciar uma grande solução. Em termos políticos, é um grande feito.



A maioria dos americanos continua a suspeitar do governo. Essa desconfiança está entranhada na nossa cultura e tradições. O nosso sistema de governo foi inventado por pessoas que desconfiavam do governo e que criaram intencionalmente uma divisão de poderes, em três ramos diferentes, e possibilidades quase insuperáveis de fazer grandes mudanças. O período que se estende de 1933 a 1965 - o "New Deal" e a "Great Society" - foi uma aberração histórica em relação a uma longa tradição, animada pelas crises escepcionais da Grande Depressão e da II Guerra Mundial, e pela coesão social que dela decorreu por uma nova geração. Ronald Reagan apenas retomou a tradição onde Calvin Coolidge e Herbert Hoover a tinham deixado.



Mas a visão de Reagan do governo como um problema está cada vez mais em dissonância com uma nação em que o sistema de saúde é baseado em grandes entidades lucrativas destinadas a fazer dinheiro em vez de melhorar a saúde; e cuja economia é dependente do capital global e de empresas globais e de instituições financeiras sem qualquer lealdade aos Estados Unidos; e em que muito do combustível vem de áreas perigosas e instáveis do mundo. Nestas condições, o governo é a única entidade que pode zelar pelos nossos interesses.



Não vamos regressar ao New Deal ou à Great Society, mas também não vamos continuar chafurdar na visão crescentemente obsoleta de Reagan de que não precisamos de um governo forte e competente. A votação de hoje confirma a nossa esperança que podemos ter tanto a força quanto a competência em Washington. É uma esperança audaciosa, mas não temos outra.

Tradução de André Costa Pina

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