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Trabalho e emprego: a situação económica e social mais crítica da história recente

A comparação dos objetivos anunciados em maio de 2011 com os resultados em novembro de 2013 poderia parecer uma piada, se não fosse uma tragédia. Segundo a OIT, Portugal sofreu a mais significativa deterioração do mercado de trabalho entre os países europeus, depois da Grécia e de Espanha.
Foto de Paulete Matos.

“O mercado de trabalho não registou qualquer melhoria desde o lançamento do programa de assistência financeira acordado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, em 2011.” Quem faz esta afirmação não é um partido de oposição ao atual governo, mas sim a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no seu relatório “Enfrentar a crise do emprego em Portugal”, divulgado em novembro de 2013.

Para os técnicos da OIT, “Portugal enfrenta a situação económica e social mais crítica da sua história económica recente. Desde o início da crise global, em 2008, perdeu-se um em cada sete empregos – a mais significativa deterioração do mercado de trabalho entre os países europeus, depois da Grécia e de Espanha.”

O relatório alerta para as consequências de longo prazo que as políticas da troika vão ter: o investimento produtivo foi reduzido, “provocando uma erosão nos ganhos de produtividade e prejudicando uma prosperidade futura”; os mais de 56 por cento de desempregados sem trabalho há mais de um ano “estão a perder competências e motivação, e terão acrescida dificuldade em participar numa retoma económica futura”, e muitos têm vindo a ser empurrados para a emigração.

Mesmo diante das projeções do FMI que apontam para uma recuperação económica em 2014, a OIT mantém o ceticismo: “À luz das atuais tendências, a recuperação esperada revelar-se-á demasiado incipiente para provocar qualquer efeito positivo no desemprego”.

Em resumo: segundo a insuspeita OIT, a aplicação do programa da troika mergulhou Portugal na maior crise da sua história recente: perdeu-se um em cada sete empregos, houve erosão dos ganhos de produtividade, cresceu o desemprego de longa duração; estes desempregados terão dificuldade de participar da retoma; outros foram empurrados para a emigração; e os incipientes indícios de recuperação não terão qualquer efeito positivo no desemprego.

Que dizia o Memorando da Troika?

Ora o programa da troika afirmava que as medidas recomendadas iriam ter o resultado exatamente oposto. Os objetivos anunciados no capítulo dedicado ao trabalho do Memorando de Entendimento de maio de 2011 eram:

– “Reduzir o risco de desemprego a longo prazo, reforçando simultaneamente redes de segurança social”;
– “Promover a criação de emprego e facilitar a transição dos trabalhadores em todas as profissões, empresas e sectores”;
– “Aumentar a competitividade das empresas; promover a evolução dos custos salariais compatível com a criação de emprego e o aumento da competitividade”;
– “Melhorar a empregabilidade dos jovens e das categorias desfavorecidas”;
– “Elevar a qualidade do capital humano”.

A comparação dos objetivos anunciados em maio de 2011 com os resultados, em novembro de 2013, poderia parecer uma piada, se não fosse uma tragédia. Mais inacreditável ainda é saber que o governo insiste em dizer que correu tudo bem.

As medidas aplicadas nestes anos

Eis as principais medidas adotadas pelo governo, seguindo a orientação da troika, na área do trabalho e emprego:

Alterações ao código do trabalho e outra legislação

Despedimento mais fácil: alargamento do conceito de justa causa. Passaram a ser possíveis despedimentos individuais por inadaptação mesmo sem a introdução de novas tecnologias ou outras alterações no local de trabalho, responsabilizando-se o trabalhador sempre que não atinja os objetivos acordados e abrindo a porta à subjetividade da avaliação. Eliminaram-se os critérios que obrigavam a despedir o trabalhador mais novo. Passa a empresa a decidir os critérios sobre o posto de trabalho a extinguir.
Redução da compensação por cessação do contrato de trabalho: para contratos de trabalho celebrados após 1 de novembro de 2011, redução das indemnizações, em caso de despedimento, de 30 para 20 dias por ano trabalhado, até ao máximo de 12. Dividiu-se a antiguidade dos contratos em dois segmentos: a antiguidade decorrida desde o início da vigência do contrato até 31 de outubro de 2012 dá direito a compensação correspondente a um mês de retribuição por cada ano; para a antiguidade nova (posterior a 31 de outubro de 2012) aplica-se as novas regras. Para 2014 está previsto novo corte. Diminuição também para contratos a termo.
Criação de um Fundo de Compensação do Trabalho ou mecanismo equivalente: o novo regime institui a obrigação de o empregador efetuar o pagamento mensal de 1% da retribuição do trabalhador com vista a garantir o pagamento de metade da compensação por cessação de contrato de trabalho.
Corte nas horas extraordinárias: redução da remuneração por horas extraordinárias e eliminação do descanso compensatório: redução para metade das majorações por trabalho suplementar: em dia útil passaram de 50% na primeira hora e 75% nas subsequentes para 25% e 37,5%, e em dia de descanso complementar ou feriado de 100% para 50%. Redução do preço do trabalho normal prestado em dia feriado para metade do preço do trabalho normal prestado em qualquer dia útil
Aumento do horário de trabalho: redução de 3 dias de férias (resultantes da assiduidade do trabalhador), supressão de 4 feriados e liberalização do banco de horas (150 horas individuais a serem negociadas diretamente com o trabalhador).
Alterações à mobilidade: alargamento das condições em que o empregador pode, unilateralmente, transferir o trabalhador, temporária ou definitivamente para outro local.

Outras medidas:

Congelamento do salário mínimo, apesar de acordo em concertação social.
Limitação da extensão às convenções coletivas
Agravamento fiscal por via do IRS: sobretaxa, escalões, isenções, novas tabelas, taxa de solidariedade para rendimentos superiores.
Subsídios em duodécimos escondem agravamento fiscal.

Algumas consequências destas medidas, para além do que é dito no relatório da OIT já citado:

Taxa desemprego: 12,7/2011, 15,7%/2012, 17,4%/2013, 17,7%/2014
Entre 2º trimestre de 2010 e 1º trimestre de 2013 foram destruídos cerca de 500 mil empregos. O número total de desempregados aumentou 60% e o número de jovens desempregados aumentou 107%.
Em 2011 emigraram, segundo o INE, mais de 100 mil pessoas.
Subemprego: um milhão de portugueses trabalha dez ou menos horas por semana. É aí que reside a tão falada “recuperação do mercado de trabalho”. 32,5% da população ativa está no desemprego ou com subemprego.
Segundo dados do banco de Portugal, entre 2011 e 2012, mais de 39% dos trabalhadores que conseguiu manter o emprego sofreu uma redução salarial na ordem dos 23%. Quem mudou de emprego viu o rendimento cair 11%.

Medidas específicas para os funcionários públicos

Eliminação das promoções e progressões na carreira.
Contribuição ADSE passou de 2,25% (2013) para 3,5%
Sobretaxa IRS desde 2011 – 3,5 e agravamento fiscal em sede de IRS
Aumento do horário de trabalho de 35 para 40h.
Programa de rescisões “amigáveis”
Mobilidade/Requalificação, que significa despedimento de funcionários públicos

Cortes salariais

Final 2010: cortes entre 3,5% e 10% dos funcionários públicos com salários superiores a 1500€.
2014: cortes acima dos 675€ de 2,5% e progressivos até aos 2000€, até 12%.
2011: corte 50% subsidio de natal
2012: supressão de subsídios de férias e natal funcionários públicos (acima de 1100 euros e pensionistas acima dos 600€). Inconstitucional mas permitido nesse ano.
2013: supressão dos subsídios declarada inconstitucional. Com o aumento da carga fiscal (IRS), o resultado líquido foi mais ou menos o mesmo.
Cortes no rendimento de trabalhadores em licença extraordinária, por vezes levam a salários abaixo do salário mínimo.
Os sucessivos cortes no Estado retiraram ao trabalhador médio um total de 3,7 salários líquidos. Altos quadros perderam mais de meio ano de remunerações.

 

 

 

(...)

Neste dossier:

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