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A Primavera do Brasil
Uma gota d'água de 20 centavos foi suficiente para que o descontentamento popular extravasasse todas as barreiras no Brasil e expusesse os pés de barro do seu tão falado desenvolvimento. Neste dossier coordenado por Luis Leiria, o Esquerda.net reúne informações que permitam ao leitor compreender melhor o contexto dos atuais acontecimentos, para além de dar acesso à cobertura que o portal vem fazendo desde o início.
Começamos com uma cronologia desde o dia 6 de junho, data da primeira manifestação contra o aumento do preço dos transportes de S. Paulo; mostramos o triste papel de alguns dos principais meios de comunicação; fornecemos dados que mostram que apesar do aumento do salário mínimo e de diversas prestações sociais, o Brasil continua a ser dos mais desiguais do mundo; expomos os incríveis gastos com o Mundial de futebol, que espalharam o descontentamento; trazemos opiniões de diversos dirigentes da esquerda brasileira.
Dossier:
Dossier 209: A Primavera do Brasil Comentários (1)
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Apesar do processo de
Apesar do processo de redemocratização do Brasil ter resultado numa democracia quase nada autêntica e muito superficial, estamos acostumados com a ideia de que ela é um bem imóvel plenamente entendido e estabelecido em nossas vidas. Mas na verdade as decisões de monta são tomadas pelas grandes organizações financeiras internacionais, os bancos mundiais etc. Enquanto ficamos aqui, de quatro… em quatro anos entrando numa fila para exercer um rito central disso que chamamos democracia, aqueles que efetivamente governam o mundo não são eleitos democraticamente pelo povo, e manipulam aqueles que elegemos.
Um dos resultados mais escancarados dessa situação em que os representantes públicos representam, na verdade, os interesses do poder econômico, o qual seqüestrou e adulterou o que continuamos chamando de democracia, é a crescente despolitização do debate político.
Como alianças foram feitas segundo o consenso de que não se governa sem barganhas, em nome da governabilidade, que significa, na verdade, a manutenção do poder, todas as correntes ideológicas tendem a se diluir numa massa disforme que constitui a classe de representantes públicos, a qual alimentamos. E os partidos políticos PARECEM convertidos em meras moedas de troca.
Partindo daí, ao que parece, os “representantes da vontade popular” são percebidos como atores mais empenhados na manutenção do poder do que nos esforços pelo bem comum. Grosso modo, no senso comum há uma divisão binária de grupos:
- um, formado pelos ocupantes de cargo no poder constituído que se alimenta em todos os sentidos do outro grupo, nós.
- este outro, uma imensa maioria, que sustenta o primeiro, o qual vive, integralmente, de explorá-lo.
Talvez, em perigoso resumo, o que está sendo dito nas ruas é: até quando suportaremos mantê-los sobre nossas costas acreditando na ilusão de que estamos sim cumprindo um rito democrático que tem por objetivo zelar pela nossa saúde, nossa educação, nossa segurança e nosso bem-estar em geral? A motivação das manifestações é uma reação contra esse estado de coisas estabelecido politicamente na sociedade brasileira.
Por isso, quando eu reclamei da falta de foco do movimento, em que medida não estou apenas ressentido por não ver as agendas da minha corrente ideológica em primeiro plano? Essa agenda dará conta desse momento? É óbvio que a grande micareta cívica que percorre as ruas não corresponde à totalidade do movimento, mas é justamente ela talvez um território fértil para a penetração das forças mais conservadoras da sociedade.
Quando Aécio diz que Dilma, em seu pronunciamento, reproduziu exatamente o tipo de ação política que está sendo rechaçada nas ruas de todo o país, ele sabe muito bem do que está falando, ele sabe muito bem estar ele mesmo desde sempre completamente inserido nessa prática política a que alude. Por mais que coloquem carros-palanque apartidários em meio à turba, dificilmente eles cooptarão a massa.
Nem por isso acho que as manifestações deverão ter por substância APENAS uma percepção coletiva altamente negativa em relação à classe política. Isso porque, ainda que em larga medida homogeneizados por conta dos expedientes de barganhas, ainda existem diferenças ideológicas entre os partidos, ao contrário do que vociferam os mais exaltados.
O PT se afastou muito de pautas como reforma agrária, proteção e garantia de territórios para os povos originais, envolvimento estreito com os movimentos sociais etc, mas os avanços sociais conquistados nos últimos anos dizem de um imenso residual ideológico que ainda o diferencia do PSDB.
É um tanto utópica, mas não descartável, a possibilidade de que a “energia das ruas”, de que falou Dilma, possa desvencilhar consideravelmente o governo dos embaraços adquiridos justamente na consolidação de sua governabilidade.
Tomara.
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