Está aqui

Os democratas propõem a paz?

Empurrados por sentimentos fortes dos eleitores, os principais candidatos democratas falam todos em acabar com a guerra do Iraque, e as eleições presidenciais de Novembro parecem encaminhar-se para um ajuste de contas com um republicano comprometido com a guerra e a ocupação a longo prazo.
Mas as coisas não se passam necessariamente assim.

Artigo de Tom Hayden, Janeiro de 2008, publicado em Znet  

A imprensa, os políticos e muitos cidadãos aderiram a um paradigma que faz equivaler o fim da guerra do Iraque à retirada faseada das tropas americanas em combate, uma posição apoiada pelos principais candidatos democratas. A senadora Hillary Clinton, de acordo com as suas declarações durante a campanha, retiraria a maior parte ou todas as tropas em cinco anos, empora "espere" retirá-las mais cedo. O senador Barack Obama faria o mesmo em 18 meses. O antigo senador John Edwards expôs recententemente um calendário de retirada mais rápido e completo.

Mas o facto escamoteado é que as unidades de contra-terrorismo vão permanecer indefinidamente no Iraque para combater bases da Al Qaeda e outros "terroristas" indeterminados, mesmo depois da retirada global das tropas. Há também conselheiros americanos que vão continuar a treinar funções para a polícia e o exército iraquianos e serão incorporados no Ministério do Interior, um reduto Shiita muito criticado pelo recurso à tortura, detenções sem acusação, e outras violações dos direitos humanos. Haverá forças armadas para proteger os diplomatas na embaixada dos EUA em Baghdad, a maior embaixada do mundo. Finalmente, estas unidades vão exigir protecção de outras tropas americanas.

Resumindo, se todas as tropas de combate americanas forem retiradas, continuarão a permancer no Iraque 50 mil a 100 mil americanos envolvidos numa guerra suja e de baixa visibilidade, tal como fizeram com os esquadrões da morte na América Central (anos 70), ou ainda antes com o programa Phoenix no Vietname do Sul, devido ao qual a infra-estrutura dos VietCongs foi dizimada por assassinatos e tortura. Os conselheiros dos EUA que estão hoje no Iraque são os mesmos que conduziram a contra-insurgência em El-Salvador e que elogiaram o programa Phoenix.

Na verdade, tudo isto já está a acontecer. Uma fonte do relatório Baker-Hamilton descreve o regime de Baghdad como uma ditadura shiita. A recente diminuição da violência em Baghdad deve-se em grande medida à limpeza étnica da sua população sunita. Actualmente, pelo menos 50 mil pessoas estão detidas sem acusação formada ou data de julgamento. Os EUA estão a pagar a sunitas para combater sunitas, financiam as forças de segurança dominadas pelos shiitas, e aumentaram cinco vezes os bombardeamentos aéreos desde o último ano.

Moral à parte, não é certo que a transferência dos deveres de combate para o exército iraquiano, com treinadores e conselheiros dos EUA incorporados, tenha sucesso na estabilização do Iraque.

O silêncio dos candidatos e dos media sobre este Frankestein em Baghdad - criado, financiado e armado pelos EUA - talvez reflicta um medo do sistema bipartidário em "perder" o Iraque. Tal receio tem ressoado fortemente na política americana a favor dos republicanos, desde o medo de "perder a China" nos anos 50 até às contínuas polémicas sobre quem "perdeu o Vietname". E talvez este receio esteja fundado também num consenso mudo para segurar uma vantagem dos EUA na partilha das reservas do Golfo Pérsico.

Se os democratas continuarem a desvalorizar este assunto, estarão a dar pretexto para uma candidatura de Ralph Nader, numa disputa presidencial que se prevê renhida entre democratas e republicanos. Além disso, podem desiludir inúmeros cidadãos se, apesar das promessas, a guerra continuar por cinco anos ou mais.

Uma alternativa foi apontada pelo antigo director da CIA John Deutch, que sustenta que os EUA devem decidir-se pelo fim da ocupação e abrir uma ofensiva diplomática com o Irão, "o único país que podia tornar complicada a nossa retirada do Iraque". O relatório Baker-Hamilton concluiu que o Irão não apoiará qualquer solução para o Iraque enquanto acreditar que o objectivo dos EUA é derrubar o regime de Teerão.

Entretanto, os dias imediatamente anteriores às primárias na Califórnia (5 de Fevereiro) vão ser uma das últimas oportunidades para, perante os media e o público, os democratas clarificarem se realmente planeiam retirar todas as tropas do Iraque.

Tom Hayden é o autor de "Notas para um Sociedade Democrática: O Leitor de Tom Hayden" prestes a ser publicado pela City Lights Books

(...)

Neste dossier:

Clinton versus Obama

A superterça-feira das primárias dos EUA resolveu a disputa do lado republicano, mas acirrou ainda mais o confronto do lado democrata. Hillary Clinton e Barack Obama saíram do dia 5 de Fevereiro ainda mais empatados do que estavam, com a perspectiva de uma disputa delegado a delegado até à Convenção do Partido Democrata. Mas o que defendem eles realmente? O que os une e o que os separa? Que argumentos esgrimem os seus defensores?

Indecisos: Porque fiz uma viragem de 180 graus e voto em Hilllary

Se ainda está indeciso hoje, eis um pensamento: se quer "mudança", e todos queremos, então tem de haver um agente dessa mudança que conheça o sistema e tenha os contactos para criá-la. Talvez as ideias que me levaram a fazer uma viragem de 180 graus e a apoiar Hillary Clinton sejam úteis.

Superdelegados, mas não muito

As primárias americanas do lado dos democratas encaminham-se para a disputa mais renhida desde 1984. As campanhas de Hillary Clinton e de Barack Obama preparam-se para uma batalha de delegados. Se a corrida se decidir por uma unha negra, um contingente de elite de superdelegados - membros do partido sem compromisso e dirigentes eleitos que não são escolhidos pelos votantes nas primárias - pode desempenhar um papel determinante, muito embora a maior parte dos eleitores não saibam da sua existência. Mas como pode o Partido Democrata ser, neste contexto, não democrático?

A dança macabra da democracia ao estilo EUA

O ex-presidente da Tanzânia Julius Nyerere perguntou uma vez: "Por quer não temos todos direito de voto nas eleições americanas? Toda a gente que tem um aparelho de TV certamente merece esse direito, só por sofrer o bombardeamento cruel a cada quatro anos." Como cobri quatro campanhas eleitorais para a presidência, dos Kennedys a Nixon, de Carter a Reagan, com os seus Zepellins de superficialidades, seguidores robotizados e esposas deslumbradas, posso simpatizar com esta ideia.

Obama é o mais talentoso dos políticos de que há memória recente

Christopher Hayes, da histórica revista de esquerda americana The Nation, defende neste artigo que os progressistas americanos estão diante da rara e histórica oportunidade de eleger um presidente com uma maioria progressista e um mandato para uma mudança progressista. Para ele, quem melhor pode desempenhar esse papel é Barack Obama.

Gaza e os candidatos presidenciais nos EUA

No momento em que as notícias sobre Gaza tomam as manchetes internacionais, a Democracy Now! foi ver que posições assumem os candidatos presidenciais republicanos e democratas acerca do conflito israelo-palestiniano e falou com Ali Abunimah, co-fundador do site Electronic Intifada em 24 de Janeiro.

Os democratas propõem a paz?

Empurrados por sentimentos fortes dos eleitores, os principais candidatos democratas falam todos em acabar com a guerra do Iraque, e as eleições presidenciais de Novembro parecem encaminhar-se para um ajuste de contas com um republicano comprometido com a guerra e a ocupação a longo prazo.
Mas as coisas não se passam necessariamente assim.

Saúde: Clinton e Obama ignoram a questão chave

Nada do que é proposto pelos principais candidatos de ambos os partidos pode acabar com as frequentes histórias de horror das companhias seguradoras que negam os cuidados necessários, o acesso a especialistas ou a diagnósticos, mesmo quando prescritos por um médico.