O fim da discriminação no casamento e o medo do Partido Socialista

19 de setembro 2008 - 0:00
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Nestas questões de fundo, sobre direitos fundamentais, medem-se a coragem e os princípios de cada um. E podem avaliar-se as responsabilidades dos partidos. A primeira reacção do Partido Socialista ao agendamento da proposta do Bloco é extraordinária: a questão é fracturante, não consta do programa eleitoral e portanto não pode haver uma opinião do PS sobre o assunto. Apesar disso, o PS é contra o reconhecimento desse direito e quer impor disciplina de voto a todos os seus deputados.



Entre e Maio e Junho deste ano, o Bloco percorreu o país com as Jornadas SEM MEDOS - contra a homofobia. Nessas Jornadas, levantámos a discussão sobre a discriminação da população LGBT e apresentámos ideias para a combater. Visibilidade da diversidade, educação sexual nas escolas, fim da discriminação na doação do sangue, criação do Dia Contra a Homofobia, facilitação das denúncias e formação das forças de segurança foram algumas das propostas apresentadas. Além disso, tornámos público, logo no lançamento das Jornadas, que agendaríamos o projecto de lei para alargar o direito ao casamento a todas as pessoas, independentemente da orientação sexual. Dia 10 de Outubro, o Parlamento vai votar esse projecto.



Desde Maio que a discussão em torno do casamento reacendeu. Quando tornámos pública a nossa intenção de o agendar para o início desta sessão, sucederam-se notícias nos jornais, fóruns nas rádios, debates. Entretanto, saíram dois livros sobre o assunto. E a Juventude Socialista, depois do Fórum Internacional que o Bloco realizou em Lisboa, fez uma conferência no Parlamento sobre o assunto. Afirmou o seu líder, então, que só estavam à espera do Bloco para avançar. Chegou a hora.



O alargamento do direito ao casamento a todas as pessoas é uma questão de respeito e de igualdade. É um direito que não retira nada a ninguém, apenas acrescenta, que não cria nenhuma condição de excepcionalidade, mas de igualdade. É reconhecer a possibilidade de duas pessoas que querem oficializar a sua relação o poderem fazer e, assim, terem os direitos decorrentes do casamento, poderem escolher e ser felizes. É uma condição do cumprimento da Constituição, que no seu artigo 13º proíbe a discriminação em função da orientação sexual. E é uma luta que implica e tem consequências do ponto de vista do Estado e da sociedade. Do Estado, porque este terá sempre uma legitimidade diminuída para combater a homofobia enquanto ainda existirem leis que são, na sua essência e na sua prática, homofóbicas: não pode haver um direito que o Estado só reconhece aos cidadãos de uma determinada orientação sexual - e é isso que, hoje, acontece com o casamento. Da sociedade, porque o reconhecimento do casamento muda a percepção social que as pessoas têm acerca da própria homossexualidade, dessacraliza o casamento enquanto instituição heterosexista e religiosa, torna o conjunto da sociedade mais respeitador da dignidade de toda a gente, torna as relações entre pessoas do mesmo sexo mais visíveis, mais reconhecidas, logo, mais aceites.



Nestas questões de fundo, sobre direitos fundamentais, medem-se a coragem e os princípios de cada um. E podem avaliar-se as responsabilidades dos partidos. A primeira reacção do Partido Socialista ao agendamento da proposta do Bloco é extraordinária: a questão é fracturante, não consta do programa eleitoral e portanto não pode haver uma opinião do PS sobre o assunto. Apesar disso, o PS é contra o reconhecimento desse direito e quer impor disciplina de voto a todos os seus deputados. Da JS, nenhuma voz se ouviu ainda a contrariar esta ideia.



Os argumentos do PS são os argumentos covardes. Primeiro, porque o argumento das "questões fracturantes" como desculpa para a fuga está estafado. Não há nada mais fracturante que o Código de Trabalho, que divide o país e suscita opiniões diferentes e contraditórias: sobre essa questão, o PS não hesita em escolher o seu lado. Em segundo lugar, porque o argumento de que o programa eleitoral não falava disso é uma anedota vindo de quem vem: os deputados do PS não se importaram de votar contra o referendo ao Tratado Europeu, apesar de ele constar do programa eleitoral. Nem nunca se importaram de fazer e aprovar leis que não estavam especificadas nesse programa, como a do divórcio. Usá-lo como desculpa para não se comprometerem com um direito que faz cumprir a Constituição é pura e simplesmente oportunista. Em terceiro lugar, a imposição da disciplina de voto é reveladora do autoritarismo da direcção do Partido. No PS há opiniões diferentes e toda a gente sensata, de todos os partidos representados na Assembleia da República, percebe que é um acto de elementar justiça o reconhecimento da diversidade e o fim da discriminação no casamento. Mas a direcção do PS quer proibir os seus deputados de agirem de acordo com a sua consciência, em nome de uma estratégia eleitoral e de uma táctica de partido. O PS não quer reconhecer os direitos LGBT e tem medo e vergonha de ser associado aos "gays" num ano de eleições.



Perante isto, resta esperar que haja, no Parlamento, muitos deputados que ponham os valores da igualdade e do bom senso à frente dos seus cálculos de carreira e da obediência à direcção e que assumam orgulhosamente a luta contra a discriminação. O Bloco faz agora o que sempre disse e assume o seu compromisso com a liberdade e com a igualdade de todos, sem excepção. Precisaríamos que, no país, fosse assim toda a Esquerda. Há momentos em que a palavra ou o silêncio nos definem.



José Soeiro

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