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A guerra está perdida
Em Baltimore, os presidentes de câmaras dos Estados Unidos discutiram e aprovaram uma resolução, “Os Dólares de Guerra de Volta a Casa”, na sua reunião anual. Foi a primeira vez que adoptaram uma posição sobre a guerra desde 1971, quando aprovaram uma resolução semelhante durante a guerra do Vietname. A resolução anti-guerra até chegou às notícias da televisão, que minimizou o facto de que a maioria dos americanos tem querido o fim das suas guerras ilegais durante anos.
É um momento inundado de nostalgia para aqueles a quem romperam os dentes políticos há 40 anos durante a guerra do Vietname, embora seja difícil até reconhecer o Estado da União 40 anos depois. “A Guerra contra a Pobreza” de LBJ [Lyndon B. Johnson] foi substituída “por uma guerra contra o terror”. A América de hoje tem um presidente negro, mas está atolada na recessão e promete apenas níveis de qualidade de vida em queda, infraestruturas em colapso e cada vez mais violações de direitos civis.
Embora os americanos judeus sejam ainda uma parte essencial de um movimento anti-guerra de hoje, muito menos exuberante e menos poderoso, o movimento pró-guerra é agora ofensivamente pró-Israel, diferentemente dos anteriores. Isto reflecte os novos tempos, em que Israel não é mais apenas um ocupante desobediente, temporário, da terra palestina, mas o aliado mais dedicado dos Estados Unidos da América, um respeitado (ou antes temido) imperialista de direito próprio e um jogador-chave na orquestração das guerras dos EUA no Médio Oriente.
No mesmo momento em que os presidentes de câmara apelaram ao fim das guerras infinitas, o Congresso censurou Obama pela sua nova guerra não declarada contra a Líbia, agora no seu terceiro mês, embora não indo ao ponto de lhe negar fundos. Nem as resoluções dos presidentes de câmaras nem as do congresso têm qualquer força. Mas, com os generais sempre em cima dele, o astuto Obama foi capaz de usar esses dois protestos para proteger as costas, ao anunciar os seus planos para retirar 33.000 soldados do Afeganistão até Setembro de 2012, incluindo 10.000 até ao fim deste ano: “América, é tempo de nos concentrarmos em construir a nação cá dentro”.
O anúncio de Obama traz à memória outro paralelo com o Vietname ― o anúncio de Nixon em 1972, durante a sua campanha de reeleição, de que “a paz está à mão”, de que ele também desaceleraria a guerra depois de negociações com o inimigo, desde que o povo lhe desse o seu segundo mandato. Ganhou uma das mais vastas maiorias de qualquer presidente dos EUA em 1972. Depois de ganhar as eleições, conseguiu convencer Karzai (desculpem-me, Thieu/Ky)1 a acordar a um negócio com os Taliban (desculpem-me, com os comunistas), que culminou numa evacuação memorável por helicóptero da embaixada dos EUA em Saigão em 1975, finalmente libertando o Vietname dos seus ocupantes americanos. Não foi um "plano" bonito, mas resultou.
Tal como a maioria dos americanos no final dos 60 se tinha virado contra a guerra no sudeste da Ásia, mesmo com o risco de “perder” o Vietname para os comunistas, também 56% dos Americanos hoje querem uma retirada imediata do Afeganistão, embora 56% também predigam que não haverá lá nenhum governo estável e que os Taliban podem bem voltar ao poder. Mas, como há 40 anos, os americanos desinteressaram-se.
O paralelo não é exacto. Obama teria retirado do Afeganistão em 2009 se os generais tivessem deixado. “Obama teve de fazer este reforço de tropas de 18 meses apenas para demonstrar, com efeito, que não podia ser feito,” diz Bob Woodward citando um assessor no livro “As Guerras de Obama”. Como esperado, o “surge” foi um fracasso espectacular, mais como um reforço de alvos fáceis. O guerreiro-chefe Stanley McChrystal foi despedido em desgraça no ano passado e o seu substituto igualmente devotado David Petraeus foi desviado para a CIA onde já lhe disseram para continuar a guerra por meios encobertos. Os restantes generais estão furiosos mas mostraram cara valente, com Hillary a falar de "estender a mão" aos Taliban, sem dúvida contando ganhar os seus “corações e mentes”.
Todavia, Obama, enquanto desaponta os que esperavam que matasse o dragão, expulsa os vendilhões do templo e traz a paz à terra, é um político esperto digno do seu predecessor Nixon. Como Nixon, sabe muito bem que é tempo de mudar e está exibir-se para a multidão: “estamos a iniciar este declínio económico de uma posição de força”, disse ele solenemente aos americanos. Este fingimento, e o assassinato de Bin Laden, dar-lhe-ão quase de certeza um segundo mandato.
O retrocesso económico não vem muito a tempo, já que as deserções das fileiras da coligação da guerra do Afeganistão começaram no ano passado, com a Holanda, e continuam, com o Canadá, a Alemanha e a Itália que têm prazos limite (os quais, é verdade, mudam dependendo de estratégias eleitorais e das pressões dos EUA). A Inglaterra já está a reduzir o seu contingente e um agradado presidente francês Nicolas Sarkozy imediatamente declarou que as tropas franceses estariam em casa pelo próximo Verão.
"A guerra está perdida. A aproximação aos Taliban não é de modo algum a demonstração de uma 'posição de força', mas um sinal claro de fraqueza dos Estados Unidos ", escreve o comentarista Boris Volkhonsky, embora admita que Obama tem lidado bem com um problema difícil, classificando o seu discurso "um astuto reconhecimento do facto". Na verdade, a única crítica pública a Obama vem de excêntricos, como o senador John McCain, que disse que Obama está a negar aos comandantes militares no Afeganistão a capacidade de finalmente derrotar "um inimigo castigado e quebrado". O presidente Hamid Karzai descreveu o anúncio de que as tropas americanas sairiam como "um momento de felicidade para o Afeganistão".
Uma diferença fundamental entre Vietname e Afeganistão é o plano de manter bases no Afeganistão depois de sair. Os vizinhos do Afeganistão, Rússia (quase-vizinha), China, Irão, Paquistão ― até o governo fantoche de Cabul ― juram que isto não vai acontecer. Como se estivesse seguindo a deixa, o Presidente Mahmoud Ahmedinejad do Irão convidou Karzai e o presidente do Paquistão Asif Ali Zardari esta semana para Teerão para uma conferência sobre terrorismo e para conversações unilaterais. À parte os planos dos EUA para o Afeganistão, as conversações de Zardari trataram de concluir o “Oleoduto de Paz”, o projecto de gás Irão-Paquistão que tem forte oposição dos EUA. Mas os EUA não devem estar muito surpreendidos com esta amizade promissora: o aspecto negativo do reforço de tropas e do assassinato de Bin Laden é que o Paquistão pode finalmente desembaraçar-se do abraço mortal americano sem quaisquer desculpas.
Quanto a Karzai, ele lê os avisos agoirentos, e está ansioso por sobreviver uns anos mais, o que significa cortejar os seus vizinhos para tomar o lugar dos odiados americanos. Todos indicaram que o apoiarão. A sua viagem a Teerão também não deve constituir surpresa. Os EUA terão de abandonar quase de certeza as suas bases militares acabadas de pavimentar no norte do Afeganistão, preparadas como parte do “plano Blackwill” da era Bush para partir o Afeganistão ao meio. Esta fantasia neoconservadora iria ceder o sul aos Talibancom o entendimento de que eles podem brincar a criar “um Pashtunistão maior” se deixarem os EUA manter o norte predominantemente tajik. Nem Karzai nem Zardari vão alinhar com isso. Nem a China, Rússia ou Irão. É muito improvável que os Taliban alinhem também.
O Ministro de Defesa iraniano Ahmed Vahidi acabou de visitar Cabul na semana passada e disse ao vice-presidente do Afeganistão Mohammed Fahim que “a nação grande e valente do Afeganistão é capaz de estabelecer a sua segurança da melhor forma possível sem a interferência das forças trans-regionais”. Assinando um acordo de cooperação de segurança bilateral com o seu equivalente iraniano, o Ministro da Defesa do Afeganistão, Abdulrahim Wardak, atirou cá para fora: “Acreditamos que a cooperação de segurança e defesa conjunta entre o Irão e o Afeganistão é muito importante para estabelecer a paz e a segurança na região”.
O mais importante ― e muito perturbador ― paralelo entre essas guerras americanas está na percepção e na realidade de quem "ganhou". A percepção popular consiste em que os EU perderam o Vietname e que perderam no Afeganistão. Mas isto é enganador, já que os EUA conseguiram “uma vitória na derrota” em ambos os casos.
No caso do Vietname, destruiu qualquer possibilidade de desenvolvimento próspero de um país socialista forte como catalisador na transformação não-imperial do sudeste da Ásia. Como Fidel de Cuba, Ho Chi Minh era muito instruído e altamente respeitado pela sua gente e ― de forma igualmente importante ― tanto pelos líderes soviéticos como pelos chineses. Sem a invasão do Vietname pelos Estados Unidos, todo o sudeste da Ásia seria hoje muito provavelmente comunista (em mais do que um simples nome). O mundo pareceria muito, muito diferente.
De modo semelhante no Médio Oriente, os EUA, seguindo o exemplo imperial britânico, cultivaram wahabitas passivos e introspectivos e a monarquia saudita anticomunista, que deixaram os imperialistas dirigir brutalmente a região durante mais de um século, todo o tempo fornecendo o Ocidente com o petróleo precioso. Juntamente com a Arábia Saudita, o império minou os seus desafiadores seculares no Irão, Egipto, Afeganistão, Iraque e Líbia (ainda um trabalho em curso) e os desafiadores islâmicos na Argélia e no Irão pós-revolucionário, assegurando que eles não se tornem modelos para a região ― e ameaças ao império.
Como o Vietname em 1975, o Iraque e o Afeganistão jazem agora em ruínas. O Egipto está fatalmente comprometido depois de quatro décadas de neoliberalismo e corrupção descontrolada sob tutela dos Estados Unidos. Os islamitas do Irão sobreviveram milagrosamente a uma década de guerra com o Iraque sob patrocínio dos Estados Unidos e a mais duas décadas de sanções e subversão pelos EUA, Israel e seu bando, mas o regime duro, austero, de lá não é grande modelo para, digamos, o Egipto, com a sua elite ocidentalizada e com muitos laços íntimos com o ocidente decadente. Sem as guerras e subversão pelos EUA (para não falar de Israel), todo o Médio Oriente seria mais provavelmente hoje unido como um califado islâmico moderno, compartilhando a riqueza do petróleo como o Islão requer e mandando o império ao diabo.
Assim, mesmo se os helicópteros tiverem de evacuar Karzai e os últimos diplomatas dos Estados Unidos de Cabul num futuro próximo, os patrioteiros e seus adeptos neoconservadores sem escrúpulos ainda podem celebrar "vitória"; num sentido, têm razão.
Eric Walberg escreve para o Al-Ahram Weekly. Pode ser contactado em http://ericwalberg.com
Retirado de Counterpunch
Tradução de Paula Sequeiros para o Esquerda.net
1 Ki foi primeiro ministro e Thien chefe de estado do Vietname do sul, ambos aliados dos EUA durante a guerra.
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