Graxa democrática para botas militares egípcias

O Ministério do Interior anunciou que vários órgãos de segurança que foram desmantelados depois do levantamento popular de 2011 serão restabelecidos. O governo também disse que pode voltar a adotar a Lei de Emergência, usada durante anos para reprimir a oposição política. Por Cam McGrath, da IPS

08 de agosto 2013 - 17:57
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A morte de membros da Irmandade Muçulmana só fortaleceu a decisão do movimento de continuar lutando. Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS

Cairo – O chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito, general Abdel Fatah El-Sissi, esforça-se por dar um verniz democrático à decisão castrense de derrubar em julho o presidente Mohammad Morsi. Nas semanas posteriores à destituição de Morsi, el-Sissi, de 58 anos, insistiu que a intervenção militar foi necessária para resolver a crise política e para “salvar a democracia”.

A popularidade de Morsi caiu em queda livre um ano após a sua vitória eleitoral. O líder islâmico ignorou apelos à reconciliação nacional e fez vista grossa para manifestações de massas a pedir eleições antecipadas. Os militares argumentam que isto não lhes deixou outra opção senão removê-lo do cargo.

Desde o derrube, no dia 3 de julho, El-Sissi suspendeu a Constituição e instalou um governo civil interino, que lançou uma campanha de represálias políticas contra o ex-presidente e os seus aliados na Irmandade Muçulmana. Dezenas de líderes islâmicos foram presos e acusados de vários crimes, como incitar à violência, vandalismo e “insultar o sistema judicial”.

Morsi está virtualmente incomunicável por ação do exército desde que foi derrubado. Promotores acusaram-no de assassinato e espionagem em relação a uma fuga de presos em 2011, acusações que, afirmam alguns investigadores de direitos humanos, têm apenas motivos políticos. “Os militares começaram a desacreditar e destruir a Irmandade Muçulmana utilizando todos os meios necessários”, disse o advogado de direitos humanos Negad El-Borai.

O governo tirou do ar vários canais de televisão simpatizantes da Irmandade Muçulmana, e advertiu vários meios de comunicação estrangeiros para não “desinformarem” e impediu-os de cobrir várias manifestações a favor de Morsi. Enquanto isso, jornais e televisões estatais, que elogiavam Hosni Mubarak durante o seu regime de 30 anos (1981-2011), agora adulam as forças armadas. Muitos órgãos de comunicação privados também se uniram ao coro.

El-Sissi dedicou grande parte do mês passado a tentar reunir apoio público e legitimar o papel do Conselho Supremo como árbitro final da democracia egípcia. Os mais firmes partidários do general – liberais e seculares que se opõem ardentemente à Irmandade Muçulmana – dizem que os militares “tiveram de destruir a democracia para salvá-la”. Porém, muitos criticam a nova incursão militar na política do Egito.

Os militares impediram “todo o esforço de último minuto que teria mantido as aparências e preparado o caminho para uma mudança construtiva, como realizar um referendo sobre a Presidência ou formar um governo de unidade, buscando eleições antecipadas”, escreveu o analista político Marwan Bishara. Os militares prometeram pôr fim às divisões e assegurar a estabilidade. Contudo, empurraram o principal movimento do país, a Irmandade Muçulmana, para fora do cenário político e parecem estar a polarizar a população.

Na semana passada, El-Sissi exortou os egípcios a apoiarem o governo de transição frente à oposição da Irmandade Muçulmana. “Peço-vos que me deem um mandato para poder deter a violência e o potencial terrorismo”, disse num discurso transmitido pela televisão a todo o país. Dias depois, pelo menos 80 partidários de Morsi morreram e centenas ficaram feridas durante a repressão a uma manifestação no Cairo. Foi a segunda ação violenta contra simpatizantes da Irmandade Muçulmana desde o derrube do presidente.

No entanto, a violência só fortaleceu o movimento islâmico. Membros da Irmandade Muçulmana prometem continuar com os protestos até a dissolução do governo interino e o retorno de Morsi ao poder. Porém, os militares não dão sinais de voltarem atrás. E redobram a pressão contra os partidários de Morsi, multiplicam as prisões e endurecem a repressão, inclusive contra manifestantes pacíficos. Analistas dizem que a ameaça do “terrorismo” é usada como pretexto para restaurar polémicas práticas e instituições da era Mubarak.

No começo desta semana, o Ministério do Interior anunciou que vários órgãos de segurança que foram desmantelados depois do levantamento popular de 2011 serão restabelecidos. O governo também disse que pode voltar a adotar a Lei de Emergência, usada por anos para reprimir a oposição política.

Embora o exército goze de propagado apoio, muitos egípcios recordam os abusos aos direitos humanos e a violenta repressão durante os 18 meses de governo militar após a queda de Mubarak em 2011. Um alto membro da Irmandade Muçulmana alertou: “Estão a reprimir os islâmicos, e uma vez que estejam firmes no poder irão atrás de qualquer um que queira se expressar”.

8/8/2013

Publicado pela Envolverde/IPS

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