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“Este modelo de desenvolvimento é mortífero”

As atitudes das pessoas perante as questões de mobilidade são diversas e prendem-se com a forma que escolheram para fazer as suas deslocações. Registámos a opinião de quatro cidadãos com visões diferentes sobre este assunto que fizeram a sua opção na convicção de que a mesma vai no sentido de melhorar a sua qualidade de vida.

É preciso melhorar o serviço prestado pelos transportes públicos”

Tenho automóvel mas não o utilizo nas minhas deslocações para o trabalho por além de ser muito dispendioso, moro perto da estação de caminhos-de-ferros do Algueirão e como trabalho na baixa de Lisboa este é o único transporte que utilizo diariamente. É muito difícil chegar a Lisboa ou regressar sobretudo nas horas de ponta. Há muitos carros, nem sei já se são demais.

Admiro a paciência das pessoas que estão por vezes paradas meia hora ou mais numa fila de trânsito à espera que aquilo ande. E então quando há acidentes...

Sei que há pessoas que têm de usar o carro todos os dias mas há outras que se calhar o fazem apenas por vaidade.

É preciso melhorar o serviço prestado pelos transportes públicos, sobretudo os comboios da linha de Sintra que são aqueles que conheço melhor. Há poucos, andam devagar e em certos dias quase nem se consegue entrar. E olhe que não são nada baratos.

Felizmente os meus filhos já são adultos e vão à sua vida pelos seus próprios meios, mas se assim não fosse tudo era mais complicado.

Se conheço pessoas que usam a bicicleta para ir para o emprego? Eu não conheço mas às vezes vejo pessoas a andar de bicicleta, mas deve ser muito incómodo, sobretudo quando está a chover.

Os mais jovens é que podem fazer isso porque isto está difícil e muitas vezes uma pessoa chega ao trabalho já cansada.

Eu sei que os carros poluem muito o ar que respiramos e isso nota-se até no cheiro que por vezes anda por aí. Mas o que é que se há-de fazer? Viver no campo era uma boa opção mas por lá não há nada. Só velhinhos à espera da morte.

(Maria Ribeiro, 46 anos, empregada administrativa, residente no Algueirão)

As bicicletas são um estorvo”

Tenho carro desde os 18 anos. Felizmente os meus pais tinham possibilidades e compraram-me um carro. Nunca mais deixei de conduzir. Sei que o trânsito é muitas vezes caótico, há sempre uma obra em qualquer lado que não resolve problema nenhum é só para empatar e ganhar votos mas eu não embarco na história daqueles que fazem dos automóveis a razão de todos os males. É talvez uma opção de natureza ideológica que eu não partilho.

Os carros melhoraram de forma extraordinária a mobilidade das pessoas, o que está mal é a forma como as redes viárias estão organizadas. Há muitas em zonas onde eram dispensáveis e faltam alternativas.

No entanto, eu não critico aqueles que escolheram ouros meios de transporte e penso que estes deviam ser substancialmente melhorados para responder às necessidades das pessoas. Há muitas queixas devido aos atrasos e até à forma como as pessoas são transportadas. Muitas vezes aquilo parece carga e afinal são pessoas que pagaram os seus bilhetes e merecem ser tratadas de forma digna.

Já em relação às bicicletas...sinceramente acho que são um estorvo. Criam toda a espécie de problemas, acham que têm mais direitos do que os outros e por isso é que se dão os acidentes.

Na minha opinião só deviam poder andar nas ciclovias como os peões que têm os passeios para circular.

A poluição causada pelo tráfego automóvel é um problema e é preciso ter esse consciência sem no entanto não esquecer que toda a atividade produtiva assenta numa estrutura que descurou a qualidade ambiental. Perante isto eu pergunto o que é que se pode fazer? Os passos para mudar esta situação são muito tímidos ou mesmo inexistentes e as exigências da vida moderna são cada vez maiores. Por isso, a minha responsabilidade enquanto poluidor é uma gota num gigantesco oceano. São os políticos que devem agir em primeira mão, não acha?

(Henrique Sousa, 55 anos, informático, residente em Lisboa)

Olharam para mim como se fosse louca”

Confesso que no início tive algumas hesitações em relação ao uso diário da bicicleta porque só a utilizava durante as férias de Verão. Era aquilo que se pode chamar uma cicloturista.

Mas um dia em conversa com o meu namorado que já desde os tempos da faculdade usava regularmente este meio de transporte, decidi que o ia fazer. Mas no final do primeiro dia desisti.

Estava a chuviscar, na estrada chamaram-me nomes e quando cheguei à escola, a maioria dos meus colegas riu-se, olhou-me de uma forma um pouco estranha e houve até um que me disse para não fazer aquilo porque era perigoso. E regressei ao carro.

No Verão desse ano e passados os receios e as vergonhas de quem naquele dia olhou para mim como se fosse uma louca, voltei ao dizer ao Carlos [o namorado] que agora é que ia ser. Ele não acreditou e também por isso eu enfrentei todas as fobias, piadas algumas de muito mau gosto e fui em frente. O carro ficou estacionado e agora só é utilizado aos fins de semana. E não são todos.

A minha experiência enquanto utilizadora de bicicleta leva-me a concluir que os portugueses ainda não estão preparados mentalmente para procurar formas alternativas de locomoção. Há países onde as pessoas já se deslocam de skate, fundamentalmente os mais jovens mas estão quanto a mim a fazer um caminho que evitará que se tornem dependentes do carro. O uso de bicicletas tornou-se tão natural que as cidades já possuem as infraestruturas para as pessoas irem para os empregos ou ao cinema, às compras sem preocupações. O que é necessário está lá.

E depois há que falar inevitavelmente das questões relacionadas com a qualidade ambiental. Confrange-me saber que ainda há pessoas que passam ao lado, como se isso não lhe dissesse respeito. Há um tal distanciamento que eu conheço pessoas que nem sequer se dão ao trabalho de separar o lixo. Este modelo de desenvolvimento é mortífero.

Temos um atraso muito significativo que talvez as próximas gerações se forem bem educadas venham a encurtar. Tenho essa expetativa quer enquanto educadora quer enquanto mãe.

(Luísa Mesquita, 38 anos, professora, residente em Lisboa)

Há dias em que o ar até queima”

Já estou reformado mas enquanto trabalhei utilizei sempre os transportes públicos até porque só consegui comprar um carro muitos anos depois de ter ido ganhar a vida. Falar nas reformas baixas em Portugal é repetir aquilo que se diz pr aí todos os dias e eu não sou infelizmente uma exceção.

E mesmo que pudesse eu não andava metido dentro de um carros uma hora ou duas para fazer meia dúzia de quilómetros. Isso é para quem tem muito dinheiro ou é vaidoso. Os transportes levam-nos a todo o lado, podem não ser muito confortáveis mas o que importa é chegar onde pretendemos. Esta gente que anda para aí de carro para cima e para baixo faz-se mal a si e aos outros. Há dias em que o ar até queima. Cá para mim isto não devia ser assim. Então acha bem que as pessoas tenham de andar na estrada porque os passeios estão ocupados com carros parados. E a polícia pouco ou nada faz. As bicicletas? Quando era novo andei montado nelas muitas vezes, mas agora já não tenho pernas. Pode ser que os meus netos ganhem o gosto. Não há nada melhor do que andar com as ideias frescas. E este país está tão necessitado de quem pense de maneira diferente, não acha?

(António Joaquim, 66 anos, reformado, residente na Amadora)

(...)

Neste dossier:

Desafios da mobilidade urbana

A mobilidade urbana é um dos maiores desafios que temos pela frente uma vez que a humanização das cidades e a qualidade de vida necessitam de meios de locomoção mais eficazes e menos poluidores. Dossier organizado por Pedro Ferreira.

A outra face da mobilidade e acessibilidade urbana

A organização distorcida numa economia urbana enviesada pelo recurso ao transporte individual de forma a suprir uma cobertura territorial e temporal desproporcionada e inflacionada, aliada ao "crédito fácil" que desde os anos 80 contribui para a compra de casa e carro, escondeu os custos sociais provocados pela dispersão e desagregação urbana. Artigo de Carlos Gaivoto.

“O automóvel já não é sinónimo de futuro”

Para o arquiteto Miguel Barroso, Portugal encontra-se numa posição atrasada em relação à mobilidade urbana, porque nas últimas décadas caminhou-se no sentido da automobilização, esquecendo a aposta numa rede de transportes públicos de qualidade e noutros meios alternativos de locomoção.

“É preciso voltar a humanizar as cidades”

Miguel Ângelo Silva decidiu abrir uma loja de bicicletas há cerca de três anos e meio porque sempre gostou de utilizar este meio de locomoção por razões de saúde, rapidez nas chegadas aos locais de destino, e também para usufruir da cidade de Lisboa, algo que os automóveis não permitem.

Um setor em crescimento acelerado

A indústria de fabrico e montagem de bicicletas tem vindo a ganhar uma importância económica significativa e neste momento já emprega 7500 pessoas, prevendo-se que este número possa vir a aumentar devido não só ao aumento registado na venda deste veículo como à intenção manifestada por vários empresários de instalarem em Portugal as suas unidades

“Este modelo de desenvolvimento é mortífero”

As atitudes das pessoas perante as questões de mobilidade são diversas e prendem-se com a forma que escolheram para fazer as suas deslocações. Registámos a opinião de quatro cidadãos com visões diferentes sobre este assunto que fizeram a sua opção na convicção de que a mesma vai no sentido de melhorar a sua qualidade de vida.