Está aqui
Eco-socialismo
O que é o eco-socialismo?
A definição mais simples de eco-socialismo parte da clássica distinção entre “verdes” e “vermelhos”, da qual decorre a tentativa de unificar duas tradições paralelas de activismo social. Mas este ponto de partida conduz-nos a uma definição demasiado simples e até enganadora, dado que assume erradamente uma associação entre socialismo e produtivismo. Na realidade, o socialismo produtivista é uma contradição nos termos, como a trágica experiência da URSS o demonstrou.
Podemos encontrar as raízes do pensamento ecológico socialista nos escritos de Marx. No primeiro volume de “O Capital”, Marx alerta para a contradição entre os sistemas sociais e os sistemas naturais, com base na ecologia política agrária. O contemporâneo Justus Von Liebig, um químico pioneiro da adubagem artificial dos solos, já havia alertado para a irracionalidade presente na agricultura industrial, que retira nutrientes do solo sem os repor. A violação do princípio da reposição leva assim ao duplo problema da redução de fertilidade dos solos e da poluição das águas citadinas com dejectos humanos. Marx, articulando este dilema ecológico com o modo de produção capitalista, desenvolve o conceito de falha metabólica como a perturbação da relação metabólica entre a humanidade e a natureza.
Também nos escritos de Engels podemos encontrar uma rejeição do produtivismo capitalista. Na sua “Dialéctica da Natureza”, Engels advertia que as vitórias humanas sobre a natureza são apenas temporárias, recorrendo aos exemplos dos povos que destruíram as florestas para obter terras aráveis e que sofreram depois as consequências drásticas da perda de reservatórios de humidade e da erosão dos solos. A finalidade da humanidade não é, assim, a de perseguir o impossível projecto de dominação da natureza, da qual, aliás, é parte integrante, mas antes a de usar a sua capacidade única de conseguir aprender as leis naturais para as aplicar correctamente.
Os escritores do “Manifesto Comunista”, contudo, não foram sempre coerentes com estes princípios, tendo-se deixado maravilhar pela máquina produtiva capitalista e associado o socialismo ao desenvolvimento contínuo das forças produtivas. O eco-socialismo de hoje procura corrigir esta falha, articulando a planificação da economia com os limites ao crescimento. Esta corrente desenvolve-se em oposição ao eco-capitalismo (incluindo a sua versão keynesiana) mas também se distingue do comunismo ortodoxo, de forte pendor anti-ecológico (a este respeito, consultar o “Avante”).
O sociólogo John Bellamy Foster definiu o eco-socialismo como a regulação racional da produção, respeitando a relação metabólica entre os sistemas sociais e os sistemas naturais, de forma a garantir a satisfação das necessidades comuns das gerações presentes e futuras. Inerente a esta definição estão alguns princípios essenciais:
-
O reconhecimento dos limites ao crescimento e a ruptura com a lógica produtivista que associa o aumento do bem-estar a um aumento da produção. Colocar o prefixo “eco” na palavra socialismo implica conciliar a igualdade intra-geracional com a igualdade inter-geracional.
-
A reformulação do sistema produtivo de forma a torná-lo dependente unicamente do uso de recursos renováveis. Articulando com o princípio anterior, a sustentabilidade exige um uso dos recursos renováveis a um ritmo que garanta a sua renovação.
-
O uso social da natureza, privilegiando a gestão comunitária de recursos comuns.
Construir o eco-socialismo implica ir muito além de um mero “rebranding” do socialismo. Não basta defender pequenas mudanças no sistema produtivo que apenas arranham a superfície da biocrise que atravessamos. Não basta também apontar o dedo ao capitalismo, como se a superação da exploração humana levasse automaticamente à superação da exploração da natureza pela humanidade. Do que se trata é de compreender a crise ecológica como uma manifestação extrema da desigualdade no acesso aos recursos e da incapacidade de planeamento para a sustentabilidade que caracterizam o sistema de produção capitalista.
Há muito por fazer. Não podemos ser puristas nem pensar que podemos mudar o mundo de um dia para o outro. Devemos, portanto, defender reformas imediatas que reduzam o impacto ecológico do sistema produtivo (mesmo que impliquem uma redução dos lucros). Isto não implica, naturalmente, deixar de lado os princípios socialistas em nome da “defesa do planeta”, como fizeram muitos partidos verdes. Superando a dicotomia imobilismo/reformismo, devemos defender reformas não reformistas (usando o conceito do eco-socialista Patrick Bond), que mudem a relação de forças existente, abrindo o caminho a conquistas mais profundas.
De Copenhaga a Cochabamba, uma rede de movimentos pela justiça ambiental ganha raízes, confronta os grandes poluidores e constrói uma nova ordem mundial. O eco-socialismo é a única corrente política que pode dar uma resposta convincente às suas reivindicações. Saibamos estar à altura da tarefa.
Anexo | Tamanho |
---|---|
Ricardo_Coelho_apresentacao.pdf | 2.39 MB |
Adicionar novo comentário