Condições prévias de participação dos movimentos sociais na arena legal

16 de fevereiro 2008 - 0:00
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Vários países europeus têm vindo a promover um debate sobre as condições efectivas do acesso ao direito e à justiça nas sociedades actuais. Nessa discussão permanece negligenciado um eixo discursivo fundamental: a emergência de novos actores que reivindicam uma participação através do direito e da justiça – os movimentos sociais. Neste texto procedemos a uma análise das condições mínimas para essa participação, abordando os obstáculos que subsistem no acesso ao direito e à justiça. Longe de esgotar a discussão relativa a este tema, a presente reflexão pretende ser um contributo para uma maior visibilidade dos movimentos sociais enquanto sujeitos de direitos e da possibilidade, nem sempre concretizada, da sua acção na arena legal.



Texto de Madalena Duarte , disponível em versão integral no site do Centro de Estudos Sociais.



A acção colectiva por parte dos novos movimentos sociais privilegia, sobretudo, a esfera não institucional. Contudo, ao procurarem e exigirem espaços de diálogo, participação e negociação e ao reivindicarem uma protecção efectiva e progressiva dos seus direitos, os novos movimentos sociais têm vindo a reconhecer no recurso ao direito e aos tribunais vectores emancipatórios.



A emancipação através do direito só é, no entanto, possível quando a titularidade dos direitos extravasa a esfera individual e consegue abranger a titularidade colectiva, pelo que é insuficiente criar e proteger os direitos que os movimentos sociais reivindicam. É necessário igualmente que estes se constituam como sujeitos colectivos

de direitos, com legitimidade para recorrerem aos tribunais e fazerem uso dos mecanismos legais existentes. É deste modo que os novos movimentos sociais impõem uma discussão mais abrangente sobre o acesso ao direito e à justiça.



A emergência destes novos sujeitos de direitos tem vindo a desafiar a rigidez que caracteriza o sistema jurídico e judiciário, bem como a formação dos operadores desses mesmos sistemas, nomeadamente juízes, advogados e legisladores. A sua lógica de actuação, o modo como combinam formas de acção institucionais e não institucionais, e a politização de reivindicações supostamente técnicas e restritas ao domínio privado do

quotidiano, obrigam a que o sistema legal se reinvente e surja no que Boaventura Sousa Santos chama de espaços plurais de participação. Se me parece urgente que no debate sobre o acesso ao direito e à justiça se introduza a questão do acesso dos movimentos sociais, parece-me preocupante se tal for feito nos moldes em que se equaciona o acesso dos cidadãos individualmente considerados. Somente considerando os movimentos

sociais nas suas especificidades constitutivas e de actuação é que se pode consagrar a participação dos cidadãos, individual ou colectivamente organizados, na defesa e preservação de interesses difusos ou colectivos, criando-se um novo espaço de cidadania, que torne, de facto acessível o direito e a justiça.  



É este o grande desafio estratégico que se coloca ao sistema jurídico e judiciário desde há algumas décadas: garantir a tutela dos interesses colectivos ou difusos, permitindo que os movimentos sociais que por eles lutam se possam assumir efectivamente como sujeitos de direito. No esforço de concretização deste desafio, cabe ao judiciário, ao criar novas categorias jurídicas, extrair energias emancipatórias que lhe permitam a sua própria transformação.

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