A Comuna fala aos camponeses: Irmão, enganam-te!

A Comuna não foi só Paris mas todas as outras experiências comunais foram rapidamente derrotadas. Os operários da capital não pararam de tentar contactar com o resto do país. Este texto, tornado panfleto, que apelava à solidariedade dos camponeses, é disso exemplo.

21 de março 2021 - 14:59
PARTILHAR
La paye des moissonneurs, Léon-Augustin Lhermitte, 1882.
La paye des moissonneurs, Léon-Augustin Lhermitte, 1882.

Houve movimentos comunais em diferentes cidades de França. Foram todos rapidamente derrotados. Houve contactos entre Paris e as grandes cidades. Poucos. Paris estava isolada, cercada. Os seus jornais não saíam.

A população operária parisiense, muito maioritariamente de origem provinciana recente (graças ao êxodo rural e às grandes obras promovidas pelo prefeito do Sena, Georges-Eugène Haussmann que tinham requerido mão de obra numerosa), era convidada a divulgar juntos dos seus contactos nos departamentos, o que se passava verdadeiramente em Paris.

Entre estes esforços de comunicação, o mais notável é o texto seguinte, devido (toda a gente parece concordar neste ponto à inspiração e pena da militante communard André Léo. Foi publicado no jornal La Commune, a 10 de abril, retomado pelo La Sociale a 3 de maio, impresso como panfleto pela Imprensa Nacional com cem mil exemplares. Foi enviado por balões para a província.

Como disse Lissagaray, é “simples, caloroso e muito à medida dos campos”.

Nota de Michèle Audin na sua página A Comuna de Paris.


Aos trabalhadores dos campos

Irmão, enganam-te. Os nossos interesses são os mesmos. O que eu exijo, tu também queres; a liberdade que eu reclamo, é a tua. O que interessa se é na cidade ou no campo que o pão, o vestuário, o abrigo, o auxílio, faltam a quem produz toda a riqueza deste mundo? O que interessa que o opressor se chame grande proprietário ou industrial? Para ti como para nós, a jornada é longa e dura e não nos traz sequer o que é preciso às necessidades do corpo. A ti como a mim, a liberdade, o lazer, a vida do espírito e do coração faltam. Somos ainda e sempre, tu e eu, vassalos da miséria.

Desde há um século, camponês, jornaleiro pobre, que te repetem que a propriedade é o fruto sagrado do trabalho e que tu crês. Mas abre os olhos e vê à tua volta; olha para ti próprio e verás que é uma mentira. Eis-te velho; sempre trabalhaste; todos os teus dias se passaram com a pá ou a foice na mão, do nascer ao por do sol, e contudo não és rico, não tens sequer um bocado de pão para a tua velhice. Todos os teus ganhos foram gastos a criar crianças que o serviço militar te vai levar ou que, quando por sua vez se casarem, levarão a vida de besta de carga que tu levaste e acabarão como tu vais acabar, miseravelmente, porque, esgotado o vigor dos teus membros, já não encontrarás mais trabalho; vais atormentar os teus filhos com o peso da tua velhice e ver-te-ás obrigado, com a bolsa às costas, curvando a cabeça, a ir mendigar, de porta em porta, a esmola desdenhosa e seca.

Isto não é justo, irmão camponês, não o sentes? Vês assim bem que te enganam; porque se fosse verdade que a propriedade é fruto do trabalho, serias proprietário, tu que tanto trabalhaste. Possuirias essa pequena casa, com um jardim e uma cerca, que foi o sonho, o finm, a paixão de toda a tua vida, mas que te foi impossível de adquirir – ou que apenas conseguiste talvez, infeliz, contraindo uma dívida que te esgota, te atormenta e que vai forçar os teus filhos a vender, assim que estejas morto, talvez até antes, esse teto que já tanto te custou. Não, irmão, o trabalho não dá a propriedade. Esta transmite-se por sorte ou ganha-se com trapaças. Os ricos são ociosos; os trabalhadores são pobres – e continuam pobres. Esta é a regra, o resto é só uma exceção.

Isto não é justo. Eis porquê Paris – que tu acusas acreditando nas pessoas que estão interessadas em te enganar –, eis porque Paris se agita, reclama, se levanta e quer mudar as leis que dão todo o poder aos ricos sobre os trabalhadores. Paris quer que o filho do camponês seja tão instruído como o filho do rico e sem pagar nada, porque a ciência humana é um bem de todos os homens e é tão útil para se conduzir na vida quanto são os olhos para ver.

Paris quer que não haja mais um rei a receber 30 milhões do dinheiro do povo e que engorde ainda mais a sua família e os seus favoritos; Paris quer que esta grande despesa deixando de ser feita, o imposto diminua grandemente. Paris exige que não haja mais profissões pagas com 20, 30, cem mil francos, dando a comer a um homem num só ano, a fortuna de várias famílias; e que com essa poupança sejam criados asilos para a velhice dos trabalhadores.

Paris exige que todo o homem que não é proprietário não pague um centavo de imposto; que aquele que só possui uma casa e o seu jardim não pague ainda nada; que as pequenas fortunas sejam tributadas ligeiramente e que todo o peso do imposto pese sobre os ricos.

Paris exige que sejam os deputados, os senadores e os bonapartistas, autores da guerra, que paguem os cinco mil milhões à Prússia e que para isso vendam as suas propriedades junto com o que se chamam bens da coroa, os quais já não são necessários em França.

Paris exige que a justiça não custa nada a quem precisa dela e que seja o próprio povo a escolher os juízes entre as pessoas honestas do cantão.

Paris quer, enfim, – escuta bem isto – trabalhador dos campos, jornaleiro pobre, pequeno proprietário que a usura corrói, rendeiro, meeiro, trabalhador de uma quinta, vocês que semeiam, que colhem, que suam, para que o melhor dos vossos produtos vá para alguém que nada fez; o que Paris quer no fim de contas, é a terra para o camponês, a ferramenta para o operário, o trabalho para todos.

A guerra que Paris faz neste momento, é a guerra à usura, à mentira e à preguiça. Disseram-vos: os parisienses, os socialistas, são defensores da partilha. - Eh! Boa gente, não veem quem vos diz isso? Não são eles mais adeptos da partilha, eles que, não fazendo nada, vivem ricamente do trabalho dos outros? Nunca ouviram os ladrões, para enganar, gritar “agarra que é ladrão” e fugir enquanto o outro é preso?

Sim, os frutos da terra a quem a cultiva. A cada um, o seu; trabalho para todos. Não mais muito ricos nem muito pobres. Não mais trabalho sem repouso, não mais repouso sem trabalho. Isto pode ser feito; pois seria melhor não acreditar em nada do que acreditar que a justiça não é possível. Tudo o que é necessário são boas leis, que serão promulgadas quando os trabalhadores deixarem de querer ser enganados por preguiçosos.

Nessa altura, acreditem, irmãs cultivadores, as vendas e os mercados serão melhores para quem produz o trigo e a carne e mais abundantes para todos do que alguma vez foram sob algum imperador ou rei. Porque então, o trabalhador será forte e bem alimentado, o trabalho será livre de grandes impostos, taxas e rendas que grande Revolução não acabou com todas, ao que parece.

Portanto, habitantes do campo, já veem que a causa de Paris é a vossa e que é para vocês que trabalha ao mesmo tempo que para o operário. Estes generais que a atacam neste momento, são os que traíram a França. Estes deputados que nomearam sem os conhecer, querem trazer de volta Henrique V. Se Paris cai, o jugo da miséria continuará a pesar sobre vós e passará para as vossas crianças. Ajudem-nos a triunfar e, aconteça o que acontecer, lembrem-se bem destas palavras – porque haverá revoluções no mundo até que sejam cumpridas: Terra aos camponeses, ferramenta aos operários, trabalho para todos.

Os trabalhadores de Paris.

Tradução de Carlos Carujo para o Esquerda.net.

Termos relacionados: