A Vinci esteve ao comando e ganhou o negócio do aeroporto

porPedro Soares

10 de janeiro 2019 - 11:49
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A assinatura do contrato de expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa cumpre exclusivamente os objetivos e interesses da Vinci/ANA.

A Vinci esteve aos comandos de toda a operação e ganhou. O Governo comprometeu o Estado português com um acordo que não serve o interesse estratégico nacional, não acautela os bens ambientais e aumenta o risco sobre as populações de Lisboa e da Margem Sul.

O Governo argumenta com o atraso na decisão e a urgência de resolver os constrangimentos da Portela. A responsabilidade é do próprio. Três anos a empatar, mais preocupado com o défice do que com o investimento público, à espera que a Vinci se compadecesse com uma alternativa conforme o interesse do país, e, no fim, uma decisão precipitada, sem avaliação ambiental, má para Lisboa e para o Montijo, com muito pouco horizonte.

António Costa não está preocupado com a inexistência de Estudo de Impacte Ambiental para o novo aeroporto do Montijo. A Vinci ainda menos. Mesmo que haja atraso ou se não for possível fazer o aeroporto junto a uma reserva natural, com uma pista que entra 300 metros adentro do estuário do Tejo, o principal do negócio já está conseguido – aumentar a capacidade do aeroporto Humberto Delgado, com taxas mais elevadas, mais movimentos por hora e mais rendimento para a multinacional que tem o monopólio da gestão dos dez aeroportos portugueses.

Se a assinatura do acordo Portela + Montijo, sem apresentação prévia do Estudo de Impacte Ambiental, subverte toda a lógica de uma decisão informada, sustentada e planeada, o erro estrutural está na opção em si. É baratucha, o que favorece a Vinci e contém o investimento, mas é errada.

Em vez de diminuir o risco, o ruído e a poluição sobre a maior concentração urbana do país, vai aumentá-los drasticamente. Não faz sentido. Alguém perguntou à população de Lisboa se está disposta a ter de suportar um aumento de 38 potenciais aviões/hora para 48 aviões/hora por cima das suas casas, hospitais e escolas? O movimento não devia ser o inverso, diminuir gradualmente a pressão sobre Lisboa, mesmo que se mantivesse uma infraestrutura aeroportuária? Queremos menos carros na cidade e mais aviões por cima dela?

Claro que é preciso encontrar uma alternativa, com as melhores condições e o menor impacte ambiental possíveis. Porém, de certo que o sítio mais adequado não será em cima da maior zona húmida da Europa ocidental, ao lado de uma reserva natural estuarina de grande importância ecológica, com circulação de milhares de aves, e com corredores de aproximação à pista e de descolagem de novo sobre uma área urbana com dezenas de milhares de habitantes.

A privatização da ANA em 2012, com a consequente perda de receita, de investimento público e de controlo sobre um setor estratégico para a economia nacional, está a ter efeitos dramáticos. O caminho que a decisão sobre a ampliação da capacidade aeroportuária está a levar é um deles. O Governo não respondeu com celeridade e não definiu uma estratégia que condicionasse os apetites da Vinci. Pelo contrário, cedeu aos interesses do grupo privado. O Primeiro Ministro está a tentar conter o debate sobre esta opção, afirmando que a decisão está tomada e não há plano B. Foi dito o mesmo quando se decidiu pela Ota e a coisa não correu bem.

Pedro Soares
Sobre o/a autor(a)

Pedro Soares

Docente universitário IGOT/CEG; dirigente da associação ambientalista URTICA. Dirigente do Bloco de Esquerda
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