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Vencer a crise: investimento público

A grande lição da crise de 2011 é que políticas de contração, ou seja, de cortes nos salários, pensões e no investimento público só trazem mais crise e sofrimento.

A crise de 2011 foi o culminar de um período de diabolização dos funcionários públicos, das gorduras do estado - que afinal não era mais do que os salários dos mesmos funcionários públicos e as pensões dos reformados e pensionistas - e de ataque aos serviços públicos. Era o discurso do “peso excessivo do Estado na economia”, da necessidade de “reformas estruturais” - que afinal eram só privatizações de empresas estratégicas como a ANA e a EDP e a desregulação das relações laborais, retirando direitos aos trabalhadores. Ainda hoje pagamos o preço de muitas dessas decisões ruinosas.

Hoje, muitos dos que fizeram e fazem os maiores ataques ao setor público, ao Estado Social e ao peso do Estado na economia elogiam, sem corar, os profissionais de saúde - tantos deles funcionários públicos - e exigem todo o apoio do Estado para que as empresas sobrevivam. A verdade é que perante esta enorme crise é o Estado que tem a capacidade e os instrumentos de impedir o colapso social e para ser o motor da retoma económica.

Se há alguma coisa que a crise de saúde pública causada pela Covid-19 veio confirmar e demonstrar, para quem tivesse dúvidas, é a importância da existência de um serviço de saúde público, universal e gratuito (embora haja quem considere que aqui falta o armadilhado “tendencialmente”).

São os serviços públicos, nomeadamente o serviço nacional e regional de saúde que permitem que o combate à pandemia se faz tratando todos e qualquer um sem que sejam pedidos cartões de seguro à porta do hospital.

Mais do que nunca precisamos de investir nos nossos serviços públicos, a começar no serviço regional de saúde. Suborçamentado durante muitos anos necessita agora, mais do que nunca, de uma enorme atenção e de um robusto e contínuo investimento. Só assim será possível dar resposta à pandemia ao mesmo tempo que tem de retomar urgentemente a atividade assistencial normal.

Antes da pandemia já eram muitos os açorianos e açorianas que esperavam pelo seu tratamento, cirurgia ou pela sua consulta. Hoje serão muitos mais. Não pode haver hesitações quanto à necessidade de elevar o SRS a um novo patamar de resposta, para que tenha a capacidade de responder à pandemia mas também a tudo o resto.

Mas será também o investimento público a relançar a economia, assim haja vontade dos governos e da UE. A prioridade é a saúde e o controlo do surto, mas é certo que o impacto das medidas de saúde pública adoptadas são pesados. Pesam acima de tudo na vida das famílias, mas também na economia no seu todo.

Ninguém esperará que num clima de enorme incerteza e com a paragem de grande parte da economia seja o setor privado, averso ao risco, a relançar o investimento. Nos Açores, tendo em conta o enorme peso do mercado interno na nossa economia, o investimento público é ainda mais importante, assim como é fundamental defender os rendimentos das famílias. São elas que, na sua grande maioria, conseguem colocar a economia regional a funcionar, criando e mantendo o emprego e permitindo que as empresas resistam e cresçam.

A grande lição da crise de 2011 é que políticas de contração, ou seja, de cortes nos salários, pensões e no investimento público só trazem mais crise e sofrimento. Não se pode permitir que a ideia do senso comum - mas sem bom senso - de que no tempo de crise é preciso cortar salários e investimento faça caminho. É um mal que se tem de cortar pela raíz. E a melhor forma de o fazer é começar, desde já, a planear o investimento público que é necessário já amanhã.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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