Inicia-se esta semana o concurso nacional de professores, destinado aos docentes do quadro que queiram mudar de escola, aos que pertencem a uma zona pedagógica e pretendam fixar-se numa determinada escola, e a todos os precários ou desempregados que queiram entrar nos quadros (missão impossível) ou que desejem simplesmente mais um contrato precário (missão quase impossível). Inicia-se da pior maneira: o Ministério da Educação, depois de pedir às escolas o levantamento do número de professores necessários, conclui que afinal só há cerca de 600 vagas positivas (lugares no quadro por preencher) e, pasme-se, cerca de 12 mil vagas negativas (lugares que se extinguem quando os professores respetivos se aposentarem, se não for antes, com a ameaça de que os horários-zero irão direitinhos para a mobilidade especial, sala de espera para o desemprego).
Poucas esperanças existiam de que estes números fossem muito diferentes. A constituição de mega-agrupamentos (contra todas as recomendações internacionais que valorizam escolas médias ou pequenas, com uma relação de proximidade entre a Direção e a restante comunidade educativa), a revisão curricular (que eliminou disciplinas, retirou opções, e desvalorizou o ensino artístico, o ensino experimental e a formação para a cidadania) e o aumento do número de alunos por turma, determinaram as “novas necessidades” fruto de uma escolha política deste governo, que amputa a escola pública e afunila-a para tempos antigos. Mesmo assim, as 12 mil vagas negativas são contestadas por muitos directores de escola, que não vêem plasmados nos dados do Ministério da Educação as contas que eles próprios fizeram. Mas isso pouco importa para Nuno Crato, interessado apenas em cortar a eito. E para isso junta mais uma falácia justificativa: a redução demográfica expectável nos próximos anos. Como aqui desmontei, essa redução é insignificante comparada com o esforço necessário para combater o abandono escolar, garantir a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, e apostar na formação de adultos. É uma escolha política portanto. Por sinal, uma péssima escolha.
Hoje ficámos também a saber, pelo Diário de Notícias, que o governo se prepara para transferir para os pais os custos com as atividades extracurriculares. A vaga destruidora tudo varre à sua frente, para que dos escombros reste apenas uma escola pública fraquinha e pobrezinha, fazendo das carteiras das famílias o principal fator de sucesso do percurso escolar dos estudantes.
A esta vaga destruidora, esta verdadeira onda negativa, formada por ventos ultra-liberais e ultra-austeritários, tal qual manda a troika, juntam-se as nuvens cinzentas do Ministro, que transpiram conservadorismo por todos os lados. Ou seja, por um lado destrói-se a escola pública retirando-lhe os professores, o orçamento, os programas de combate ao abandono e ao insucesso (é o neo-liberalismo e o “salve-se quem puder”). Por outro lado, retira-se a filosofia emancipadora da escola pública substituindo-a pela escola à antiga (conservadorismo bafiento).
O conservadorismo do Crato, depois de ter afiado os dentes com a reforma curricular e com a ameaça do ensino dual (querendo amarrar os jovens às profissões dos pais), mostra-se agora em mais dois recentes aspetos: os exames do 4º ano que décadas depois se reiniciam, com a agravante de obrigarem os alunos de nove e dez anos a abandonarem as suas escolas para realizarem os exames noutros estabelecimentos e na presença de professores estranhos (aliás, tudo como antigamente, os exames da 4ª classe realizavam-se nas sedes de concelho, qual pompa e circunstância, qual castigo); e as alterações ao programa de Matemática, contestadas pelos professores que lhe acusam as "aprendizagens baseadas na mecanização de procedimentos e rotinas" e que "desvaloriza capacidades de exigência cognitiva mais elevada, como a compreensão e a aplicação de conhecimentos e a resolução de problemas". Medidas que ainda por cima ignoram a melhoria progressiva dos resultados das nossas crianças de tenra idade, que ficaram 32 pontos acima da média no que diz respeito à Matemática e 41 pontos acima da média em Literacia da Leitura (relatórios TIMMs e PIRLS 2011). Tudo fruto de um processo contínuo de aprendizagem que dispensou a solenidade dos exames.
A vaga negativa leva tudo à frente e não se demove apesar dos avisos. Os últimos vieram do Conselho Nacional de Educação (Relatório Estado da Educação 2012 – Autonomia e Descentralização) e do Observatório de políticas de Educação e Formação (Educação: Levanta-te e Luta!), que temem que as políticas dos últimos dois anos deitem por terra todo o esforço coletivo realizado para melhorar os nossos índices educativos, que ainda estão muito a baixo da média da OCDE.
Um dia, antes de ser Ministro, Nuno Crato disse que não tinha a certeza se não era melhor implodir o Ministério da Educação. Afinal, é o Ministério da Educação que - com este cocktail explosivo de ultra-austeritarismo e de ultra-conservadorismo - ameaça rebentar com a escola pública.