Primeiro mérito: a realidade entrou pela casa dentro dos portugueses desmentindo com estrondo a narrativa governamental de defesa e melhoria do SNS. Mas, o trabalho de Ana Leal tem ainda mais dois outros méritos, pelo menos.
Segundo mérito: a reportagem destrói a tese de que o colapso das urgências é devido à falência dos cuidados primários. Sendo verdade que os centros de saúde estão hoje impossibilitados de dar resposta a muitas situações de doença aguda - o que permitiria que muitos doentes não fossem obrigados a recorrer a um hospital - o que a reportagem mostra é que, os doentes que se acumulam em macas pelos corredores e por todo o lado em que ainda há um metro quadrado livre, em qualquer circunstância precisam de cuidados hospitalares e de ser internados, o que não teriam num centro de saúde por maior que fosse a vontade dos seus profissionais. Não há doentes a mais ou casos indevidos nas urgências hospitalares, o que há é capacidade de internamento a menos nos hospitais, do que resulta a acumulação de doentes nos SO e arredores das urgências, horas e dias à espera de serem finalmente internados.
Terceiro mérito: cai pela base a ideia que o estrangulamento exuberantemente ilustrado pela reportagem resulta da falta de médicos nos serviços de internamento. A falta de médicos e de enfermeiros é uma verdade indesmentível mas não é essa a razão que provoca a acumulação dos doentes nos corredores das urgências. Essa indecorosa e desumana situação resulta da falta de camas para internar o número de doentes que necessitam de ser internados. E se faltam camas é porque alguém decidiu - por razões ideológicas e favorecimento do negócio privado - abater camas nos hospitais do SNS, na mira da poupança à custa da qualidade dos serviços públicos de saúde.
Esse alguém tem nome: Paulo Macedo, ministro da Saúde. Que mais é preciso acontecer para Paulo Macedo se demitir ou ser demitido?