Está aqui

A urgência de (não) reabrir as escolas

Qual será a racionalidade que preside à anunciada decisão de reabrir as escolas, para os alunos do 11.º e do 12.º ano do ensino secundário a partir de 18 de maio?

A decisão do governo de suspender as atividades letivas presenciais e encerrar as escolas foi uma medida sensata, necessária e inadiável, para conter o surto epidemiológico. Com efeito, as escolas são, por natureza, espaços de intensas e múltiplas interações sociais que concentram diariamente centenas a milhares de alunos, docentes, pessoal auxiliar e administrativo, pais e encarregados de educação. O confinamento social a que todos nos vimos obrigados, provocou, do dia para a noite, profundas alterações nas nossas vidas, acarretando múltiplos prejuízos de toda a ordem. Foram transversais a praticamente todas as atividades sociais. As consequências sociais, económicas, mas também psicológicas e de saúde emocional já estão a ser tremendas. A escola, a comunidade escolar e as atividades educativas/formativas não são, obviamente, exceção.

É certo que a grande maioria de nós não poderá continuar, por muito mais tempo, a permanecer confinada em casa. Porém, questiono: qual será a racionalidade que preside à anunciada decisão de reabrir as escolas, para os alunos do 11.º e do 12.º ano do ensino secundário a partir de 18 de maio?

Não sou epidemiologista. Mas, enquanto cidadão e professor atrevo-me a colocar algumas dúvidas e questões que se me afiguram pertinentes.

Que ganhos sociais espera o governo obter com tal medida? Educativos não serão certamente. Com efeito, não será por os alunos terem mais cinco ou seis semanas de aulas presenciais, em condições de grande apreensão, de ansiedade, intranquilidade e stress para todos os envolvidos, que haverá ganhos nas aprendizagens e no desenvolvimento de capacidades / competências. Tanto os alunos do 11.º ano como os do 12.º ano desenvolveram aprendizagens, durante o biénio ou triénio dos respetivos cursos, que abrangem 80 a 90% dos conteúdos programáticos disciplinares. Logo, não será por aí que resultarão prejuízos irreparáveis.

Os alunos do ensino secundário que irão ser submetidos a provas de exames nacionais, cujos resultados determinarão, em grande medida, as possibilidades de acesso ao ensino superior, encontram-se em situação de grande instabilidade emocional, agravada pela excecionalidade da situação que vivemos. Do que estão a necessitar é da tranquilidade possível para se prepararem para as provas de exame, com o apoio possível à distância dos seus professores, e não de regressar à escola expondo-se ao perigo de contágio, colocando também as suas famílias em risco, o que aumentará, sem dúvida, as tensões existentes.

Nas atuais condições, em que todos, de uma forma ou de outra, estamos a lutar para conter o surto da pandemia e manter o Serviço Nacional de Saúde (SNS) capaz de ir dando resposta às situações mais urgentes, qual a justificação racional para reabrir as escolas no final do ano escolar?

Serão os estudantes, professores e funcionários das escolas secundárias as cobaias do governo para testar o grau de progressão da covid-19, em situação de abertura ao contacto social de maior proximidade, ainda que com todas as precauções possíveis anunciadas?

Estar-se-á a ter na devida conta o elevado potencial de contágio que representam centenas de alunos, ainda que com medidas de proteção individual, a partilhar os mesmos espaços, nomeadamente as casas de banho?

Estar-se-á a prever que, conhecendo-se as dinâmicas relacionais dos jovens, sobretudo no regresso diário da escola a casa, se venham a provocar ajuntamentos, mais ou menos prolongados, de pequenos grupos, até para celebrar os reencontros há tanto esperados?

Estar-se-á a imaginar os sentimentos de intranquilidade e de insegurança, que as famílias de toda a comunidade escolar irão vivenciar, face à potencial exposição e eventual contaminação pelo vírus do covid-19?

Estará o SNS preparado para responder a uma possível segunda vaga do surto epidemiológico que, em situação de desconfinamento social e intensificação das atividades laborais, será bastante provável?

A decisão de reabertura das aulas para o ensino secundário, obedecerá a um rigoroso parecer científico dos epidemiologistas, ou antes será uma experiência laboratorial, baseada na fé de que as coisas não irão piorar?

Estar-se-á a partir do princípio – não confirmado cientificamente – de que os jovens na faixa etária dos 16 – 19 anos serão potencialmente menos vulneráveis, esquecendo-se de que mais de um terço dos professores e das professoras, pela sua idade, se encontram na faixa etária considerada de risco?

Até que ponto, a reabertura precipitada e, quanto a nós injustificada, das escolas secundárias, não poderá deitar por terra todo o esforço até aqui desenvolvido por todos, no sentido da contenção do surto epidemiológico?

Esta medida não poderá vir a colocar em causa a própria realização dos exames nacionais em julho, se vier a acontecer uma segunda vaga, cujas probabilidades são elevadas, tendo em conta que apenas menos de 1 a 2% da população já terá sofrido contágio?

Uma racional ponderação das eventuais vantagens e das potenciais desvantagens justificará a decisão de reabertura das escolas?

Não, Obrigado!

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda.
(...)