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Uma modesta proposta sobre colégios privados

Onde ainda faltar escola pública, o Estado deve proteger as crianças, contratualizando com os privados. Onde houver escola pública, deve acabar a aberração de utilizar os nossos impostos para financiar duas vezes o mesmo serviço.

Aparentemente Portugal assiste a um verdadeiro escândalo: o Governo quer cumprir a lei. Falo, obviamente, da polémica que se procura instalar sobre os famosos contratos de associação com os colégios privados.

Criados para colmatar falhas da rede pública, a lei determina que o Estado pode financiar colégios para que os alunos de uma determinada zona onde a escola pública não exista ou não chegue possam frequentar gratuitamente um colégio, na proporção do número de alunos nessa condição. O problema foi que, com o anterior Governo, se abandalhou o cumprimento deste princípio.

Durante anos, baixaram as verbas para a educação pré-escolar, para o básico, para o secundário, mas subiram as transferências para o privado. O objetivo foi garantir uma renda ilegítima para escolas privadas que roubavam os alunos às públicas a escassas centenas de metros.

Mas não têm as famílias - perguntam indignados diretores de colégios e deputados da Direita - o direito de escolher onde estudam os seus filhos? Claro que têm. E podem frequentar os privados que entenderem, mesmo com uma escola pública à porta. Têm é de pagá-los.

O debate sobre o cumprimento dos contratos de associação não tem nada a ver com a liberdade de escolha. Trata-se apenas de acabar com uma anormalidade que nunca constou dos objetivos dos ditos contratos, que é o Estado financiar escolas privadas ao lado de escolas públicas subocupadas, esbanjando recursos de todos e pagando duas vezes o mesmo serviço na mesma zona, como acontece em Leiria ou em Coimbra de forma flagrante. Pagar nestas condições determinados colégios é até, de um ponto de vista liberal, uma distorção da “livre concorrência” que os defensores do privado supostamente advogam: os contratos de associação financiam um colégio em particular e não cada aluno independentemente da escola privada que escolha na mesma zona.

Entretanto, como no passado, há uma campanha montada no espaço público. Colégios que há anos pagam salários baixos e mantêm professores precários, às vezes com recibos verdes à margem da lei, apregoam a importância do emprego. Deputados que foram afoitos a degradar a escola pública e os apoios sociais falam da “igualdade” entre as crianças. Empresas que vivem de subsídios pagos com os impostos de todos contestam o ataque à “livre concorrência”. Está bom de ver que quem dirige esta campanha não está preocupado com os pais, com professores nem com os alunos, por mais que os instrumentalize para interesse próprio. Está apenas a querer manter uma renda ilegítima.

Defenda-se então o que é de elementar justiça. Onde ainda faltar escola pública, o Estado deve proteger as crianças, contratualizando com os privados. Onde houver escola pública, deve acabar a aberração de utilizar os nossos impostos para financiar duas vezes o mesmo serviço. Ganhamos todos.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 6 de maio de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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