Uma empresa pública de interesses privados

porAntónio Lima

16 de junho 2023 - 23:32
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Desde a decisão de privatização de parte do capital da Eletricidade dos Açores, que remonta a 2004, que se sabia que seria danosa e prejudicial ao interesse público.

Desde a decisão de privatização de parte do capital da EDA (Eletricidade dos Açores), que remonta a 2004, que se sabia que seria danosa e prejudicial ao interesse público.

É interessante ler, quase 20 anos depois, os objetivos estratégicos dessa privatização decidida pelo então governo do Partido Socialista e autorizada pelo Governo da República do PSD/CDS.

O objetivo assumido à data era “dotar a EDA de uma estrutura accionista estável e forte; contribuir para o reforço da capacidade empresarial regional; preservar os interesses financeiros da Região”.

Destes objetivos estratégicos apenas um deles foi cumprido. Em boa verdade era o único objetivo.

O primeiro objetivo era risível, pois não há empresas com estruturas acionistas mais estáveis do que as empresas públicas. O terceiro objetivo era um insulto, pois a região perde e perderá ainda milhões em dividendos com a privatização da EDA por uma pequena e efêmera receita de venda do capital.

O segundo objetivo, esse sim, é todo um programa. A privatização reforçou a capacidade de um grande grupo económico da região, o grupo Bensaúde, grupo que se tornou o principal acionista privado da empresa.

A região continua a deter a maioria do capital - 51% - mas é cada vez mais evidente para toda a gente quem manda efetivamente na EDA e ao serviço de que interesses se pauta a sua atuação. Com o atual Governo caiu a máscara e deixou de haver pudor em assumir quem manda na EDA.

Exemplo disso, é a recente decisão da administração da EDA em recusar cumprir uma decisão do parlamento e do próprio governo regional que determinava a revisão em baixa - de 7% para 4% - da taxa de juro de mora das dívidas da iluminação pública da região à EDA.

É o próprio Governo Regional da coligação de direita que escreve, em resposta ao requerimento parlamentar, que existiu esse incumprimento, essa afronta da EDA ao parlamento e ao acionista maioritário que é ao mesmo tempo o governo.

Quando uma empresa pública não cumpre uma decisão do Governo, publicada em jornal oficial sob a forma de resolução - com o peso institucional, político e legal que isso tem - essa administração deixa de ter quaisquer condições para se manter em funções. Fica claro que os administradores nomeados pelo Governo Regional estão também ao serviço dos acionistas privados e não dos açorianos e açorianas.

Mas não só o Governo manteve em funções a administração, como ainda entrou no jogo dos pareceres jurídicos da administração da EDA, legitimando a sua atitude. Isto porque a EDA, para contestar a decisão do governo regional, que estava sustentada juridicamente num parecer jurídico do professor Paz Ferreira, resolveu solicitar outro parecer jurídico não coincidente. Para entrar no jogo, o Governo solicitou um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, aceitando a afronta da EDA como uma normal relação entre partes.

Não satisfeito, o Governo não está a pagar as novas faturas da iluminação pública. Assim o Governo faz crescer a dívida da região e os juros a liquidar à EDA.

Temos aqui um belo porquinho mealheiro do grupo Bensaúde, um investimento com um retorno só equiparado ao negócio do combustível, curiosamente também entre a EDA e o grupo Bensaúde.

Resumindo, confirma-se que quem manda na EDA é o grupo Bensaúde e que José Manuel Bolieiro e o Governo a que preside estão ao seu serviço.

De facto, a privatização da EDA foi um sucesso… mas só do ponto de vista do grupo Bensaúde. Com menos da metade do capital, o grupo Bensaúde manda na EDA e cada vez mais manda na região.

António Lima
Sobre o/a autor(a)

António Lima

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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