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Uma economia que vive das baixas qualificações

Um dos principais problemas que os Açores enfrentam são as baixas qualificações. Como é evidente, os números do abandono escolar precoce, que atingem nos Açores patamares inaceitáveis nos dias de hoje, contribuem fortemente para este cenário.

Têm sido tema de debate público as questões relativas às qualificações e a sua relação com as remunerações dos trabalhadores. Esta relação de interdependência entre qualificações e remuneração não fica completa sem se introduzir a economia e as suas características. Neste primeiro de dois artigos debruço-me essencialmente sobre as qualificações e remunerações por setor da economia regional.

É muito revelador olharmos para os dados publicados sobre qualificações, remunerações, precariedade, setores de atividade predominantes, dimensão das empresas, entre outros. Nos Açores os dados são preocupantes. O pessimismo quanto ao futuro agrava-se com as políticas públicas que vêm a ser seguidas que irão, sem dúvida, manter este estado de coisas.

Um dos principais problemas que os Açores enfrentam são as baixas qualificações. Como é evidente, os números do abandono escolar precoce, que atingem nos Açores patamares inaceitáveis nos dias de hoje, contribuem fortemente para este cenário.

Mas para além disso, temos ainda uma baixíssima taxa de escolaridade ao nível de ensino superior na população entre 25 e 64 anos. A média nacional é de 31,5%, mas nos Açores fica-se pelos 19,1% (INE). Nas empresas (incluindo empresas públicas), segundo dados do Observatório do Emprego e Qualificação Profissional de 2021, apenas 14,3% dos trabalhadores têm qualificação superior.

Olhando para os setores da economia onde a participação de trabalhadores com o ensino superior é menor, vemos os suspeitos do costume. O que porventura surpreenderá a maioria das pessoas é a baixíssima proporção de trabalhadores com o ensino superior nesses setores.

É no setor primário (mas não teria de ser assim) que temos menos trabalhadores com o ensino superior (4,16%), mas setores com grande pujança na região não estão melhores.

O alojamento e restauração não fica muito à frente: apenas 5,78% dos trabalhadores têm formação superior. O comércio (que inclui a grande distribuição) fica-se pelos 7,36% e a construção civil pelos 4,95%. Os setores com menos de 10% de trabalhadores com o ensino superior representam 60% dos trabalhadores das empresas na região!

São setores como a consultoria científica, as tecnologias de informação e comunicação, a eletricidade e gás, a educação e a saúde que puxam pelo indicador.

Naturalmente que isso reflete-se nos salários. O salário médio base não ultrapassa os novecentos euros em nenhum dos setores com menos de 10% de trabalhadores com ensino superior. Salienta-se pela negativa os 742,10 € de remuneração base do setor do alojamento e restauração, os 777,1 € no setor da construção e os 799,28 € do comércio. Precisamente os setores que mais clamam por falta de mão de obra. Talvez devam os empresários do setor e os seus representantes olhar para estes números medíocres. É uma pista para explicar a sua dificuldade em recrutar trabalhadores.

É fácil adivinhar o que significa a aposta dogmática do governo regional de direita no turismo, que o vê como uma inevitabilidade e o único setor do futuro nos Açores. Para massificar cada vez mais esse turismo, a manutenção de baixos salários dos setores relacionados - como alojamento, restauração e comércio - será fator essencial. Isso será feito à custa de manter os Açores uma região muito, muito pobre.

O outro lado desta moeda está nas qualificações. A falta de incentivos à prossecução de estudos no ensino superior é outro pilar da estratégia da direita em manter os Açores como uma região atrasada. Mas essa vertente fica para a semana.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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