O Serviço Nacional de Saúde está em esforço e nos últimos dias multiplicaram-se as situações de urgências encerradas ou em vias de encerrar. Não há profissionais para garantir as escalas de funcionamento e a tudo isto soma-se uma situação preocupante nos cuidados de saúde primários onde já existem quase 1,4 milhões de utentes sem médico de família.
A Ministra diz que a situação não é de agora, mas a única coisa que foi capaz de anunciar foi um ‘plano de contingência’, como se isto fosse apenas pontual ou episódico. Não é e não será com medidas de contingência, vagas e ineficazes, que algo se resolverá.
Comecemos pelo princípio. Diz a Ministra que os problemas nas urgências não são de agora. Isso é verdade, mas a questão que se coloca é: se reconhece que o problema é persistente e já vem de trás o que fez a Ministra e o Governo do Partido Socialista para aplacar esse mesmo problema? Aparentemente nada.
O Orçamento do Estado para 2022 (que o Governo apresentou e defendeu há poucas semanas) tem como única medida para as urgências hospitalares a intensificação do recurso a horas extraordinárias. Com os profissionais já extremamente cansados e depois de um ano de 2021 em que fizeram 22 milhões de horas extraordinárias, a resposta do Governo não passa por reforçar equipas, mas sim por incentivar cada profissional a fazer mais de 500 horas extraordinárias por ano.
É estranho que a Ministra diga que os problemas nas urgências não são de agora, mas não tenha feito nada no passado recente para os prevenir. Como é estranho que tenha deixado o SNS perder mais de 1000 profissionais desde fevereiro, entre eles 364 médicos especialistas.
Analisemos agora o tal plano de contingência. Foram anunciadas três medidas (chamemos-lhe assim, ainda que algumas sejam mais abstrações do que medidas): 1) o lançamento de um concurso para contratação de recém-especialistas, 2) o “funcionamento mais articulado, antecipado e organizado das urgências em rede”, 3) “o acautelamento de questões remuneratórias associadas”.
O problema não está na não abertura de concursos para contratação, mas sim no facto de muitas vagas colocadas a concurso ficarem desertas. No ano passado, por esta altura, foram abertas 1041 vagas para especialidades hospitalares, mas 35% ficaram desertas. Em 2020 essa taxa foi de 38%. Ou seja, para o problema em si – a falta de atratividade do SNS para fixar os médicos que ele próprio forma – a Ministra nada propôs. No final de um dia de reuniões anunciou que o Governo irá fazer o mesmo que fez em anos anteriores. Previsivelmente com os mesmos resultados.
Sobre o que se pretende com um “funcionamento mais articulado, antecipado e organizado das urgências em rede” ficam mais dúvidas do que certezas. O que é isto ao certo? Um eufemismo palavroso para dizer que se irão encerrar serviços? Quer isto dizer que face à falta de profissionais para garantir o funcionamento das urgências vão concentrar os recursos em algumas urgências e encerrar outras? Que em vez de garantir a contratação de mais profissionais optar-se-á pela solução de encerramentos rotativos? Era bom que se explicasse com objetividade e sem rodeios o que é esse tal funcionamento articulado das urgências.
Por fim, sobre a abstração maior: o “acautelamento de questões remuneratórias”. Isto é o quê? Que medidas são? Como se aplicam? A quem? Nada foi dito. Vai rever carreiras e aumentar salários aos profissionais do SNS? Não parece que seja isso até porque o Orçamento que o Governo apresentou retira, em termos reais, dinheiro ao SNS para valorizar os seus profissionais.
Essa é que seria a medida central: revisão das carreiras com inerente revisão dos índices remuneratórios e regime de exclusividade com majoração salarial. Ou seja, medidas que permitam captar profissionais para o SNS e evitem que os próximos concursos para contratação fiquem desertos.
Para um problema tão sério como o que o SNS está a viver não se pode pretender responder com tapa-buracos. O SNS e o país merecem mais do que um mero Governo de contingência cujo vazio de ideias é a confissão do seu próprio fracasso.
